São Jerônimo
Comentário sobre o Evangelho de São Marcos
Não
digas o Santo de Deus, mas o Deus Santo
Entram em Cafarnaum e, num dia de sábado, Jesus
entrou na sinagoga e lhes ensinava: que abandonassem o ócio do sábado e
assumissem as obras do Evangelho. Ensinava
como quem tem autoridade e não como os escribas. Pois não dizia: “isto diz
o Senhor”, ou “aquele que me enviou diz o seguinte”, mas falava na primeira
pessoa, o mesmo que outrora falara pelos profetas. Uma coisa é dizer “está
escrito”, outra “isto diz o Senhor” e, outra ainda, “em verdade vos digo”.
Observai outra
passagem: Diz: está escrito na Lei: não
matarás, não repudiarás a tua mulher. Está
escrito. Por quem está escrito? Por Moisés, mas Deus o ordenando. Se está
escrito pelo dedo de Deus, como te atreves a dizer: em verdade vos digo, se não és tu mesmo o que antes deste a Lei?
Ninguém se atreve a mudar a lei, se não é o rei. A Lei foi dada pelo Pai ou
pelo Filho? Responde, herege! Aceito de bom grado o que digas: para mim foram
os dois. Se a deu o Pai, também é o Pai quem a muda, portanto o Filho é igual
ao Pai, porque muda a Lei juntamente com quem a deu. Seja que Ele a deu, seja
que Ele a muda, demonstra a mesma autoridade ao tê-la dado ou ao tê-la mudado,
coisa que ninguém pode fazer além do rei.
Admiravam-se dos seus ensinamentos. Eu
me pergunto: O que tinha ensinado de novo? O que de novo tinha pregado? Dizia
por si mesmo as mesmas coisas que tinham dito os profetas. Mas admiravam-se por
isto, porque ensinava como quem tem
autoridade e não como os escribas. Não ensinava como um mestre, mas como o
Senhor; não falava apoiando-se em outra autoridade superior, mas falava Ele
mesmo com a autoridade que lhe era própria. Falava, assim, em definitivo,
porque com sua própria essência estava dizendo o que tinha dito mediante os
profetas. Sou quem falava, eis que estou
presente.
O espírito impuro
que tinha estado na sinagoga e que os tinha levado à idolatria, do qual está
escrito: Fostes seduzidos pelo espírito
da fornicação, era o espírito que tinha saído de um homem, e percorria o
deserto, o que buscou repouso e não encontrou e que, tomando consigo a outros
sete demônios, regressou à sua antiga morada. Naquele tempo, esses espíritos
estavam na sinagoga e não podiam suportar a presença do Salvador. Que têm em comum Cristo e Belial?
Impossível que os dois habitem na mesma comunidade. Encontrava-se na sinagoga um homem possuído por um espírito impuro, que
começou a gritar, dizendo: O que há entre ti e nós? É somente um, mas fala
em nome de muitos. Por ele ser vencido, compreendeu que tinham sido vencidos
também os seus companheiros, e começou a
gritar. Começou a gritar como quem está imerso na dor, como quem não pode
suportar a flagelação.
E começou a gritar, dizendo: Que há entre ti e nós, Jesus Nazareno? Vieste
para nos destruir? Sei quem és, o Santo de Deus. Imerso nos tormentos e
manifestando com seus gritos o tamanho dos mesmos, contudo, não põe fim às suas
mentiras. Vê-se obrigado à dizer a verdade, obrigam-lhe os tormentos, mas a
malícia o impede. Que há entre ti e nós, Jesus Nazareno? Por
que não confessa que é o Filho de Deus? Atormenta-te o Nazareno e não o Filho
de Deus? Sentes seus castigos e não confessas seu nome? Isto com respeito a
Jesus Nazareno.
Vieste para nos destruir? É certo isto
que dizes: Vieste para nos destruir. Sei quem és. Vejamos o que ele
acrescenta: o Santo de Deus. Não foi
Moisés o santo de Deus? Não foi Isaías? Não foi Jeremias? Disse o Senhor: Antes que nascesses, te santifiquei no seio
materno. Isto foi dito a Jeremias, e não foi o santo de Deus? Mas por que
não dizes a cada um deles: Sei quem és, o
Santo de Deus? Ó, que mente tão perversa! Imerso na tortura e nos
tormentos, apesar de conhecer a verdade, não quer confessá-la! Sei quem és, o Santo de Deus. Não digas
o Santo de Deus, mas o Deus Santo. Finge saber quem é, mas não o sabes. Porque
uma das duas: ou o sabes e hipocritamente te calas, ou simplesmente não o
sabes. Pois Ele não é o Santo de Deus, mas o Deus Santo.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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