Prosseguindo com suas reflexões sobre a relação entre os leigos e a Liturgia, após tratar dos ministérios litúrgicos e da Iniciação Cristã, o site Vatican News dedicou seus últimos três textos do ano de 2020 sobre o tema da participação dos fiéis na Liturgia, fundamentada no sacerdócio batismal:
O sacerdócio dos
cristãos
16 de dezembro de 2020
No nosso espaço “Memória Histórica - 50 anos do Concílio
Vaticano II”, vamos falar hoje sobre o sacerdócio dos cristãos.
“É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem
àquela plena, consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas (...).
Na reforma e incremento da sagrada Liturgia, deve dar-se a maior atenção a esta
plena e ativa participação de todo o povo, porque ela é a primeira e necessária
fonte onde os fiéis hão de beber o espírito genuinamente cristão. Esta é a
razão que deve levar os pastores de almas a procurarem-na com o máximo empenho,
através da devida educação” (Sacrosanctum
Concilum, n. 14).
A Constituição Conciliar Sacrosanctum
Concilum dedica seu capítulo I aos “Princípios gerais em ordem à reforma e
incremento da Liturgia”, onde na II parte fala da “Educação litúrgica e
participação ativa dos fiéis”. Pelo Batismo, cada cristão passa a ter uma
identidade única: é sacerdote, rei e profeta e rei. Por meio de passagens
bíblicas e documentos da Igreja, Padre Gerson Schmidt nos ajuda a entender como
os cristãos podem exercer o sacerdócio ao qual são chamados:
Ao selar a aliança no deserto do Sinai com o povo libertado
da escravidão do Egito, Deus tinha dito: “Se ouvirdes a minha voz e guardardes
a minha aliança, sereis para mim uma propriedade particular entre todos os
povos... Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,5-6).
É este texto que ressoa nas palavras de São Pedro em sua Primeira Carta: “Dedicai-vos a um
sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a
Deus por Jesus Cristo”; e: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma
nação santa, o povo de particular propriedade, a fim de que proclameis as
excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1Pd 2,5.9).
No mesmo sentido diz o Livro
do Apocalipse que Jesus “fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu
Pai” (Ap 1,6). Como no Antigo, assim também no Novo Testamento este sacerdócio
é um sacerdócio espiritual que, no entanto, não exclui, e sim inclui o
oferecimento de sacrifícios rituais, na Igreja o sacrifício eucarístico. É
igualmente claro que o exercício deste sacerdócio se estende a toda a Liturgia,
a todas as celebrações. E, finalmente, não há dúvidas de que este povo
sacerdotal são todos os batizados. Como no Batismo nascemos pelo dom do
Espírito Santo como filhos e filhas de Deus em Jesus Cristo, assim somos no
Batismo ungidos sacerdotes no sumo sacerdote Jesus Cristo.
E o sacerdócio dos ordenados? Como diz o termo que o
especifica, “sacerdócio ministerial”: ele está a serviço do sacerdócio comum de
todos os batizados. Os ordenados ajudam todo o povo dos batizados a viver e
exercer o seu sacerdócio espiritual e ritual.
Sobretudo na Liturgia se exerce o sacerdócio de Jesus
Cristo, do qual participam todos os batizados e, de modo particular, os
ordenados. É neste sentido que a Constituição sobre a Liturgia - a Sacrosanctum Concilum - fala da “plena,
consciente e ativa participação das celebrações, que a própria natureza da
Liturgia exige e à qual, por força do Batismo, o povo cristão, geração
escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo de conquista tem direito e
obrigação” (n. 14).
No mesmo sentido, a Constituição diz ainda: “As ações
litúrgicas (...) são (...) celebrações da Igreja, que é o sacramento da
unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos Bispos. Por
isso, estas celebrações pertencem a todo o Corpo da Igreja, e o manifestam e
afetam” (n. 26).
O fiel, por força do Batismo, tem direito e dever dessa
integração e participação, que a própria natureza da Liturgia exige. A sagrada
Liturgia é a primeira e necessária fonte do genuíno Cristianismo. Não nos
adentramos em um verdadeiro ser cristão batizado se não mergulhamos nessa fonte
da vida cristã que é a Eucaristia.
Segundo o Discurso do Papa Francisco na 68ª Semana Nacional
Litúrgica, “o Concílio Vaticano II fez maturar depois, como bom fruto da árvore
da Igreja, a Constituição sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, cujas linhas de reforma geral respondiam às
necessidades reais e à esperança concreta de uma renovação: desejava-se uma
Liturgia viva para uma Igreja toda vivificada pelos mistérios celebrados.
Tratava-se de expressar de maneira renovada a vitalidade perene da Igreja em
oração, tendo o cuidado de que «os cristãos não entrem neste mistério de fé
como estranhos ou espectadores mudos, mas participem na ação sagrada,
consciente, ativa e piedosamente, por meio de uma boa compreensão dos ritos e
orações» (SC, n. 48)”.
A participação ativa
dos fiéis leigos
22 de dezembro de 2020
No nosso espaço “Memória Histórica - 50 anos do Concílio
Vaticano II”, vamos falar hoje sobre a participação ativa dos fiéis leigos na
Liturgia.
Em nosso último programa, Padre Gerson Schmidt nos propôs
uma reflexão sobre o sacerdócio dos cristãos, que pelo Batismo são chamados a
ser sacerdotes, reis e profetas. Dando continuidade ao estudo dos documentos
conciliares, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre amplia o
tema sobre a participação ativa dos fiéis na Liturgia:
Um dos aspectos importantes da reforma litúrgica do Concílio
Vaticano II é a participação ativa dos fiéis leigos. Já comentamos aqui em
outra oportunidade, mas queremos acentuar mais uma vez esse aspecto tão
relevante. A participação mais ativa e consciente foi acentuada por diversas
vezes na Constituição Sacrosanctum
Concilium. Os Bispos brasileiros que tiveram participação no Concílio
Vaticano II apontam que essa participação ativa dos fiéis foi uma das grandes
bandeiras firmemente levantadas pelo episcopado brasileiro por ocasião dos
debates nas sessões de aprovação do Documento da reforma litúrgica.
A permissão do uso da língua vernácula já trazia a
possibilidade dessa participação mais ativa e consciente, bem como a renovação
dos ritos, das aclamações e dos cantos mais populares. São inúmeros os textos
da Sacrosanctum Concilium que falam
dessa participação ativa, inclusive com o título em destaque: “Participação ativa
dos fiéis”, mais de uma vez no Documento. O número 48 afirma assim: “Por isso,
a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este
mistério de fé como estranhos ou expectadores mudos, mas participem na ação
sagrada, consciente, piedosa e ativamente, por meio de uma boa compreensão dos
ritos e orações; sejam instruídos na palavra de Deus”. Ou seja: participação da
Missa consciente, piedosa e ativa.
Por isso, nós não vamos “assistir” a Missa - como era a
expressão até então, usada antes do Concílio -, como se a gente fosse a um
espetáculo, a um cinema ou a um teatro muito bem montado e ensaiado. Precisamos
participar de maneira consciente, mesmo se for no silêncio. Também quem celebra
não é somente o sacerdote. Somos todos nós que celebramos. Por isso é incorreto,
na motivação inicial da Santa Missa, o animador dizer: “Vamos receber o
celebrante”. O padre não é somente ele o celebrante. Todos celebramos. O
sacerdote é o celebrante principal ou o presidente da celebração. É correto
dizer simplesmente: “Vamos receber a procissão de entrada com o canto tal...”.
Nesse prisma, os números 30 e 31 da Sacrosanctum Concilium afirmam, tendo como título “Participação
ativa dos fiéis:
30. Para promover a participação ativa, cuide-se de
incentivar as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas, os
cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes. Seja também observado, a seu
tempo, o silêncio sagrado.
31. Na revisão dos livros litúrgicos, procure-se que as
rubricas prevejam também as partes dos fiéis.
É importante ver que os Padres conciliares viram aqui que
para acontecer essa participação ativa, consciente e plena dos fiéis, tão
claramente desejada por eles, há mais de 50 anos, é necessário que haja, em
nossas bases paroquiais, uma verdadeira formação cristã e litúrgica. O fiel,
por força do Batismo, tem direito e dever a essa integração e participação que
a própria natureza da Liturgia exige. A sagrada Liturgia é a primeira e necessária
fonte de vivência cristã. Não nos adentramos em um verdadeiro ser cristão se
não mergulhamos nessa fonte que é a Liturgia. Pois ninguém ama o que não
conhece. Precisamos conhecer a natureza da Liturgia.
Tríplice missão do
povo de Deus
23 de dezembro de 2020
No nosso espaço “Memória História - 50 anos do Concílio
Vaticano II”, vamos falar hoje sobre a tríplice missão do Povo de Deus.
Participação ativa dos fiéis leigos, Iniciação Cristã dos
adultos e diretrizes da formação cristã foram os temas abordados pelo Padre
Gerson Schmidt em nossos três últimos programas, sempre inspirados nos Documentos
conciliares, em particular, na Constituição Sacrosanctum
Concilium. Mas já em programa anterior, o sacerdote incardinado na
Arquidiocese de Porto Alegre havia acenado que o Povo de Deus, incorporado a
Cristo pelo Batismo, é profeta, sacerdote e rei. No programa de hoje, Padre
Gerson aprofunda este tema, falando sobre a “tríplice missão do Povo de Deus”:
O Concílio Vaticano II deu destaque à tríplice missão do
leigo - o múnus sacerdotal, profético e real. Múnus é um substantivo masculino
na língua portuguesa que significa a função, missão ou obrigação que deve ser
exercida por alguém. A palavra múnus se originou diretamente do latim munus, que quer dizer “dever”, “ônus”, “função”
e “encargo”. O termo múnus é principalmente utilizado dentro do âmbito
jurídico, como um conjunto de obrigações de um indivíduo. O múnus também pode
ser considerado o emprego ou cargo de uma pessoa, levando em consideração a
necessidade de cumprir obrigações durante o trabalho.
O Catecismo da Igreja
Católica aponta assim no número 1268: “Os batizados tornaram-se ‘pedras
vivas’ para a ‘construção de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo’
(1Pd 2,5). Pelo Batismo, os batizados
participam do sacerdócio de Cristo, de sua missão profética e régia; ‘sois a raça
eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de sua particular propriedade,
a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para
sua luz maravilhosa’ (1Pd 2,9). O
Batismo faz participar do sacerdócio comum dos fiéis. São Pedro em sua Primeira Carta diz: ‘Dedicai-vos a um
sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a
Deus por Jesus Cristo’ (1Pd 2,5)”.
Na Missa inaugural de seu Pontificado, em 22 de outubro de
1978, o Papa eleito João Paulo II já dizia assim: “O II Concílio do Vaticano
recordou-nos o mistério de tal poder e o fato de que a missão de Cristo -
Sacerdote, Profeta, Mestre e Rei - continua na Igreja. Todos, todo o Povo de
Deus é partícipe desta tríplice missão. E talvez que no passado se pusesse
sobre a cabeça do Papa o trirregno, aquela tríplice coroa, para exprimir,
mediante tal símbolo, o desígnio do Senhor sobre a sua Igreja; ou seja, que
toda a ordem hierárquica da Igreja de Cristo, todo o seu ‘sagrado poder’ que nela
é exercido mais não é do que o serviço, aquele serviço que tem como finalidade
uma só coisa: que todo o Povo de Deus seja partícipe daquela tríplice missão de
Cristo e que permaneça sempre sob a soberania do Senhor, a qual não tem as suas
origens nas potências deste mundo, mas sim no Pai celeste e no mistério da Cruz
e da Ressurreição. O poder absoluto e ao mesmo tempo doce e suave do Senhor
corresponde a quanto é o mais - profundo do homem, às suas mais elevadas
aspirações da inteligência, da vontade e do coração. Esse poder não fala com a
linguagem da força, mas exprime-se na caridade e na verdade”.
Posteriormente, na Exortação Apostólica pós-sinodal Cristhifideles Laici, João Paulo II
afirmava assim: “Nas pegadas do Concílio Vaticano II, propus-me, desde o início
do meu serviço pastoral, exaltar a dignidade sacerdotal, profética e real de
todo o Povo de Deus, afirmando: ‘Aquele que nasceu da Virgem Maria, o Filho do
carpinteiro - como o julgavam - o Filho do Deus vivo, como confessou Pedro,
veio para fazer de todos nós um reino de sacerdotes. O Concílio Vaticano II
recordou-nos o mistério deste poder e o fato de que a missão de Cristo -
Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei - continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus
participa nesta tríplice missão’”.
“Com esta Exortação - dizia o Papa João Paulo II - mais uma
vez convido os fiéis leigos a reler, a meditar e a assimilar com inteligência e
com amor a rica e fecunda doutrina do Concílio sobre a sua participação no
tríplice múnus de Cristo”.
Nos próximos programas nos dedicaremos a cada aspecto dessa
tríplice missão.
Todos os santos unidos na adoração ao Cordeiro (Painel central do Retábulo de Ghent) |
Fonte: Vatican News
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