No dia 19 de março de 2022, Solenidade de São José e 9º
aniversário da Missa de início do seu Ministério Petrino, o Papa Francisco
promulgou a Constituição Apostólica Praedicate
Evangelium (Pregai o Evangelho) sobre a Cúria Romana e o seu serviço à
Igreja e ao mundo.
A Constituição Apostólica, que recolhe as reformas
realizadas pelo Papa Francisco durante os seus nove anos de pontificado, substitui o
documento precedente, a Constituição Pastor
Bonus (O Bom Pastor), promulgada por São João Paulo II (†2005) em 1988.
Após um Preâmbulo, no qual se elencam os princípios gerais da
reforma, a Constituição apresenta em 250 artigos as instituições curiais, isto
é, os diversos organismos da Cúria Romana a serviço da missão evangelizadora do Papa e dos Bispos: a Secretaria de Estado, os Dicastérios
e os Organismos.
Reunião do Papa Francisco com os Cardeais, muitos dos quais são seus colaboradores na Cúria Romana |
Nesta postagem apresentaremos brevemente as instituições
curiais a serviço da sagrada Liturgia, que é o escopo deste blog.
Papa Francisco
Constituição Apostólica Praedicate Evangelium
Sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja e ao mundo
Normas
gerais (nn.
1–43)
Secretaria
de Estado (nn.
44–52)
Responsável
pela organização interna da Cúria Romana, pela tradução dos documentos do Papa
nos vários idiomas e pelas relações da Santa Sé com as demais nações e
organismos internacionais.
Dicastérios
(nn. 53–188)
Na
Constituição Pastor Bonus as
principais instituições curiais estavam divididas em “Congregações” e
“Pontifícios Conselhos”. A partir da Praedicate
Evangelium, ambas passam a ser referidas como “Dicastérios” (palavra de
origem grega que significa “tribunal”), sendo juridicamente equiparadas. Os
Dicastérios passam a ser 16:
1. Dicastério para a Evangelização (nn. 53–68)
O
primeiro e principal Dicastério na nova composição da Cúria Romana é presidido
pelo próprio Papa e subdividido em duas seções, cada uma sob a responsabilidade
de um “Pró-Prefeito”: a Seção para as questões fundamentais da evangelização no
mundo e a Seção para a primeira evangelização e as novas Igrejas particulares.
A 2ª
seção assume as funções da atual Congregação para a Evangelização dos Povos, isto é, a responsabilidade sobre as missões propriamente ditas, enquanto a 1ª seção substitui o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova
Evangelização, instituído pelo Papa Bento XVI em 2010.
A 1ª
Seção do Dicastério para a Evangelização, portanto, é responsável por duas
realidades eclesiais em estreita relação com a Liturgia: a promoção da piedade
popular e o cuidado dos santuários (n. 56) e a Catequese (n. 58).
Para acessar nossa série de postagens sobre a Liturgia no novo Diretório para a Catequese, clique aqui.
2. Dicastério para a Doutrina da Fé (nn. 69–78)
Uma vez
que esse importantíssimo Dicastério é responsável por promover e tutelar a
integridade da doutrina da Igreja (como fica claro em suas duas Seções:
Doutrinal e Disciplinar), está sob sua jurisdição, por exemplo, as questões
fundamentais a respeito dos sacramentos.
Confira, por exemplo, a Instrução sobre as orações para alcançar de Deus a cura, promulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé no ano 2000, ou seu recente estudo sobre A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos, publicado pela Comissão Teológica Internacional em 2020.
3. Dicastério para o Serviço da Caridade (nn. 79–81)
Já Santo
Inácio de Antioquia (séc. I) afirmava que Roma “preside a Igreja na caridade”.
Assim, enquanto na Pastor Bonus a Elemosineria Apostolica (Esmolaria
Apostólica) era mencionada literalmente no último parágrafo do documento (n.
193), aqui passa a figurar como a 3ª das instituições curiais, renomeada como Dicastério
para o Serviço da Caridade:
“O Dicastério para o Serviço da Caridade, chamado também Esmolaria Apostólica, é uma expressão especial da misericórdia e exerce em qualquer parte do mundo a obra de assistência e de ajuda em nome do Romano Pontífice...” (cf. Praedicate Evangelium, n. 79).
"Jesus sem-teto" (Homelesse Jesus) - Timothy Schmalz (Há uma cópia dessa estátua junto à sede da Esmolaria) |
4. Dicastério para as Igrejas Orientais (nn. 82–87)
Esse
Dicastério é responsável pelas 23 Igrejas Católicas Orientais sui juris, incluindo a promoção de suas
tradições litúrgicas próprias, expressas nos cinco grandes Ritos Orientais:
Bizantino, Alexandrino, Antioqueno (Siríaco Ocidental), Caldeu (Siríaco Oriental)
e Armênio.
5. Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos (nn.
88–97)
A
principal instituição curial responsável pela Liturgia na Pastor Bonus era a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina
dos Sacramentos (nn. 62-70), agora
renomeada como Dicastério.
“O Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos promove a sagrada Liturgia segundo a renovação realizada pelo Concílio Vaticano II. Os âmbitos da sua competência dizem respeito a tudo aquilo que por disposição do direito compete à Sé Apostólica sobre a regulamentação e a promoção da sagrada Liturgia e a vigilância a fim de que as leis da Igreja e as normas litúrgicas sejam observadas fielmente em todos os lugares” (Praedicate Evangelium, n. 88).
Para saber mais sobre a história da Congregação para o Culto Divino, clique aqui.
O artigo
89 da Praedicate Evangelium, à
luz do Motu proprio Magnum Principium,
promulgado por Francisco em 2017, destaca as funções do Dicastério a respeito
dos textos litúrgicos:
- redigir e/ou revisar as edições típicas dos livros
litúrgicos (isto é, em latim);
- confirmar as traduções dos livros litúrgicos realizadas
pelas Conferências Episcopais e reconhecer (recognitio) as eventuais adaptações às culturais locais;
- reconhecer os calendários particulares e os textos
próprios para a Missa e a Liturgia das Horas para as Igrejas particulares e
congregações religiosas (por exemplo, os textos próprios dos novos santos e
beatos).
O mesmo
artigo n. 89 em seu parágrafo 3 a missão do Dicastério de assistir os Bispos e
as Conferências Episcopais na promoção da pastoral litúrgica, de modo que os
fiéis participem da ação sagrada de maneira ativa, consciente e piedosa. Junto
às Conferências Episcopais, portanto, cabe ao Dicastério para o Culto Divino a
reflexão sobre as eventuais formas de inculturação litúrgica.
O artigo
n. 90 prossegue com o cuidado do Dicastério com a disciplina dos Sacramentos e
dos sacramentais, em sintonia com o Dicastério para a Doutrina da Fé, como
indicamos acima.
Na
sequência, o n. 91 insere entre as competências do Dicastério a promoção dos
Congressos Eucarísticos Internacionais. Até então tal responsabilidade era do Pontifício
Comitê para os Congressos Eucarísticos Internacionais, que passa a fazer parte,
portanto, do Dicastério para o Culto Divino.
Os
artigos seguintes recordam a missão do Dicastério nos vários âmbitos da vida
litúrgica:
- a
promoção de comissões, institutos ou associações para a pastoral litúrgica, a
música e a arte sacra, inclusive a nível internacional (n. 92);
- a
concessão para o uso dos livros litúrgicos anteriores à reforma do Concílio Vaticano II, à luz do Motu proprio Traditionis custodes,
promulgado pelo Papa Francisco em 2021 (n. 93);
- o culto
das relíquias, a confirmação dos patronos e a concessão do título de Basílica
menor (n. 94).
Os
últimos artigos, por sua vez, reiteram a colaboração entre o Dicastério e os
Bispos diocesanos:
-
promovendo a harmonia entre Liturgia e piedade popular (n. 95);
-
auxiliando os Bispos em sua missão de promotores e guardiães da vida litúrgica
nas Igrejas particulares, particularmente no sentido de “promover uma correta
formação litúrgica, de modo a prevenir e eliminar eventuais abusos” (n. 96);
-
colaborando com as Comissões para a Liturgia e Comitês para a tradução dos
livros litúrgicos das diversas Conferências Episcopais (n. 97).
6. Dicastério para as Causas dos Santos (nn. 98–102)
Compete a esse Dicastério os processos de beatificação e canonização e a concessão do título de “Doutor da Igreja”, além do cuidado para com as relíquias, em sintonia com o Dicastério para o Culto Divino.
7. Dicastério para os Bispos (nn. 103–112)
Instituição
curial responsável pela nomeação dos Bispos, pela organização das Dioceses,
pela formação dos novos Bispos e pelas visitas ad limina Apostolorum.
8. Dicastério para o Clero (nn. 113–120)
Dicastério
responsável pelos ministros ordenados (presbíteros e diáconos) e pela sua
formação. Uma vez que o tríplice múnus dos sacerdotes, enquanto participação na
missão de Cristo Profeta, Sacerdote e Pastor, comporta a dimensão litúrgica,
também esse Dicastério colabora em algumas ocasiões na promoção da sagrada Liturgia.
Confira, por exemplo, a Carta O Presbítero, Mestre da Palavra, Ministro dos Sacramentos e Guia da Comunidade em vista do Terceiro Milênio, promulgada pela Congregação para o Clero em 1999, ou a recente Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, com as diretrizes para a formação sacerdotal.
9. Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada
e as Sociedades de Vida Apostólica (nn. 121–127)
Responsável
pelas diversas formas de vida consagrada na Igreja.
10. Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida (nn. 128–141)
Dicastério
instituído pelo Papa Francisco já em 2016, reunindo os respectivos organismos
da Cúria Romana responsável até então pelos leigos (incluindo aqui os jovens),
a família e a vida.
11. Dicastério para a Promoção da Unidade dos
Cristãos (nn.
142–146)
12. Dicastério para o Diálogo Inter-religioso (nn. 147–152)
Estes dois Dicastérios substituem os respectivos Pontifícios Conselhos de mesmo nome, responsáveis por promover o diálogo da Igreja Católica com os demais cristãos (as Igrejas Ortodoxas Bizantinas, as Igrejas Ortodoxas Orientais ou Pré-Calcedonianas e as comunidades eclesiais protestantes) e com as demais religiões.
13. Dicastério para a Cultura e a Educação (nn. 153–162)
Esse
Dicastério reúne as competências de dois organismos da Cúria Romana: o
Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação Católica.
A 1ª
Seção deste Dicastério, responsável pelo diálogo da Igreja com o mundo da
cultura, abrange algumas realidades relacionadas com a Liturgia, como a música
e a arte sacra e a conservação do patrimônio artístico, histórico e cultural da Igreja.
14. Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento
Humano Integral (nn.
163–174)
Instituído
pelo Papa Francisco em 2016, no contexto mais amplo da reforma da Cúria Romana,
esse Dicastério é responsável pela promoção de vários da doutrina social da
Igreja: a dignidade da pessoa humana e seus direitos, a saúde, a justiça e a
paz, a economia e o trabalho, o cuidado da criação...
15. Dicastério para os Textos Legislativos (nn. 175–182)
Esse
Dicastério, substituindo o respectivo Pontifício Conselho, é responsável por
promover o conhecimento do Direito Canônico e sua correta aplicação, resolvendo
dúvidas quanto à sua interpretação.
16. Dicastério para a Comunicação (nn. 183–188)
Por fim,
o último Dicastério da Cúria Romana foi na verdade o primeiro a ser reformado
pelo Papa Francisco, já em 2015 (inicialmente como Secretaria para a
Comunicação e posteriormente como Dicastério), reunindo os diversos meios de
comunicação a serviço da Santa Sé.
Jesus envia os Apóstolos em missão: "Praedicate Evangelium" - "Pregai o Evangelho" |
Organismos de Justiça (nn. 189-204)
Organismos Econômicos (nn. 205-227)
Além da
Secretaria de Estado e dos Dicastérios, a Cúria Romana é constituída por alguns
Organismos, que na Constituição Praedicate
Evangelium são subdivididos em “Organismos de Justiça” e “Organismos Econômicos”.
Os
“Organismos de Justiça”, anteriormente chamados de “Tribunais”, são três: a Penitenciaria
Apostólica, o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e o Tribunal da Rota
Romana.
Destacamos
aqui, em matéria litúrgica, a Penitenciaria Apostólica que, como o nome indica,
é responsável por algumas questões relativas ao sacramento da Penitência
(Reconciliação) e, em conformidade com os Dicastérios para a Doutrina da Fé e
para o Culto Divino, pela concessão das indulgências.
Ofícios (nn. 228-237)
Após os “Organismos Econômicos”, os quais fogem ao escopo deste blog, a Constituição enumera ainda três ofícios: a Prefeitura da Casa Pontifícia (nn. 228–230), o Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice (nn. 231–234) e o Camerlengo de Santa Igreja Romana (nn. 235–237).
Enquanto
a Prefeitura da Casa Pontifícia ocupa-se do “dia-a-dia” do Santo Padre,
organizando seus encontros com autoridades e audiências, o Ofício das Celebrações
Litúrgicas, como o nome indica, é responsável pelas celebrações litúrgicas.
Este Ofício, presidido pelo Mestre das Celebrações
Litúrgicas Pontifícias, auxiliado por um grupo de Cerimoniários Pontifícios,
prepara todo o necessário para as celebrações presididas pelo Papa, tanto no
Vaticano quanto nas Viagens Apostólicas, ou presididas por um Cardeal ou outro
Bispo em nome do Santo Padre.
Para um breve histórico dos Mestres das Celebrações Litúrgicas Pontifícias durante o último século, clique aqui.
O Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, como indica o n. 233, é responsável ainda pela Sacristia Pontifícia, pelas Capelas do Palácio Apostólico e pelo coro da Capela Sistina (Cappella Musicale Pontificia).
Por fim,
a Constituição destaca ainda entre as
responsabilidades do Ofício das Celebrações a celebração dos Consistórios
e as celebrações litúrgicas durante a Sede Vacante (n. 234). Já o artigo 18 da Praedicate Evangelium, em seu parágrafo
3, com efeito, havia recordado que o Mestre
das Celebrações Litúrgicas Pontifícias possui particulares funções durante o
período de Sede Vacante.
Em
relação aos Ofícios, cabe recordar por fim o Camerlengo de Santa Igreja Romana.
Na Pastor Bonus era mencionada a
“Câmara Apostólica”, à qual pertenciam o Camerlengo, o Vice-Camerlengo e alguns
Prelados.
Na Praedicate Evangelium, por
sua vez, é suprimida a Câmara Apostólica, permanecendo apenas as funções do
Cardeal Camerlengo e do Vice-Camerlengo, responsáveis pela administração da
Santa Sé durante o período da Sede Vacante.
Advogados (nn. 238–240)
Instituições
ligadas à Santa Sé (nn.
241–249)
Por fim,
após três artigos dedicados aos advogados a serviço da Cúria Romana e da Santa
Sé, a Constituição Praedicate Evangelium
elenca ainda algumas Instituições ligadas à Santa Sé, como, por exemplo, o
Arquivo Apostólico Vaticano e a Biblioteca Apostólica Vaticana.
Norma transitória (n. 250)
A Constituição se conclui no artigo 250 com uma norma transitória, indicando que os regulamentos e estatutos das instituições curiais devem ser paulatinamente adequados à nova Constituição, que passará a vigorar no dia 05 de junho de 2022, Solenidade de Pentecostes.
Fonte: Santa Sé.
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