sexta-feira, 25 de março de 2022

Dom Henrique Soares da Costa: Paixão segundo Lucas 11-12

“Tu és o rei dos judeus? Jesus respondeu, declarando: Tu o dizes!” (Lc 23,3).

Dom Henrique Soares da Costa
Quaresma 2019
A Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo Lucas

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Paixão segundo Lucas XI: Lc 22,66–23,1

Ao amanhecer, os anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os escribas reuniram-se em conselho e levaram Jesus ao tribunal deles. E diziam: “Se és o Cristo, dize-nos!” Jesus respondeu: “Se Eu vos disser, não Me acreditareis e, se Eu vos fizer perguntas, não Me respondereis. Mas, de agora em diante, o Filho do Homem estará sentado à direita do Deus Poderoso”. Então, todos perguntaram: “Tu és, portanto, o Filho de Deus?” Jesus respondeu: “Vós mesmos estais dizendo que Eu Sou!” Eles disseram: “Será que ainda precisamos de testemunhas? Nós mesmos o ouvimos de Sua própria boca!” Em seguida, toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos (Lc 22,66–23,1).

Por que Jesus foi condenado à morte? As motivações foram políticas ou religiosas? Que fique claro: Jesus foi morto essencialmente por motivo religioso: Ele Se declarou o Messias esperado por Israel e, mais ainda, o Filho do Homem descrito por Daniel, fazendo-Se Filho de Deus de um modo único, nunca imaginado pelos judeus, apresentando-Se, assim, como igual a Deus!

Se Jesus apenas tivesse afirmado ser o Messias não seria condenado à morte pelos judeus; seria, talvez, declarado um falso profeta... Mas, Jesus pretendia mais, dizia ser mais: Ele Se colocava claramente diante do Sumo Sacerdote e do inteiro Sinédrio como o Filho do Homem à direita de Deus, vindo sobre as nuvens; Ele Se colocava acima da Torá, a Lei de Moisés.

Jesus é entregue pelo Sinédrio a Pilatos - Duccio di Buoninsegna

Fique claro, claríssimo: Jesus não cabe no Judaísmo! Ele realiza e ultrapassa as expectativas judaicas! Israel, se aceitasse Jesus como o Messias, teria que dar um enorme salto qualitativo: teria que reconhecer que agora o Senhor Deus selava uma nova e eterna Aliança que incluiria todos os povos da terra. Isto iria mexer com a prática da Lei e com a própria identidade de Israel, seria tirar a ênfase de Israel como Povo eleito, único, escolhido, para colocá-la no Israel servo da salvação e do Reino de Deus para todos os povos da terra... Era um passo grande demais para a grande maioria dos judeus...

Mas, os judeus não podiam condenar ninguém à morte. O Sinédrio, em nome do inteiro povo de Israel, condenou o Senhor a morrer... No entanto, o poder de fato pertencia aos romanos, que não davam a mínima importância para as questões religiosas judaicas. Então, era preciso urgentemente, encontrar um motivo político que convencesse Pilatos a condenar Jesus. E o motivo foi dado: Ele agita o povo, incentiva a que não se pague o imposto a César e, pior ainda, diz-Se rei dos judeus, colocando-Se em confronto com César! Tudo armação, tudo falso, tudo deturpado, truncado, para fazer alguém inocente parecer odioso! Então: Pilatos condenou Jesus à morte por um crime político que Ele não cometeu nem pensou em cometer: revoltoso, subversivo da ordem romana, com a pretensão de Se tornar rei dos judeus. É este a causa da condenação: “Jesus de Nazaré (que cometeu o crime de Se dizer) rei dos judeus”.

Mas, a questão realmente profunda e decisiva era religiosa! Israel, o Povo santo de Deus, a quem fora prometido o Messias, foi incapaz de acolher o Messias enviado por Deus! E aqui atenção: hoje, pelo justificado cuidado com o antissemitismo e com a moda do politicamente correto, com essa mania de cristãos bonzinhos numa Igreja boazinha, tornou-se um hábito afirmar que foram somente as autoridades judaicas quem condenaram Jesus à morte. Não é assim que os Evangelhos dizem, não é esta a leitura teológica do Novo Testamento! Foi Israel como um todo - o Sinédrio com o Sumo Sacerdote representam todo o Povo de Israel, enquanto entidade religiosa: “Toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos!”. Israel rejeitou e rejeita ainda hoje Jesus como Messias! Israel como um todo condenou Jesus à morte! É um mistério tremendo! Jamais poderemos compreender isso totalmente, pois pertence ao íntimo do Coração de Deus! Como pode o Povo santo da antiga Aliança não ter acolhido o Salvador que lhe fora enviado, o Salvador tão desejado por todo o Antigo Testamento? Vale a pena ler atentamente sobre este tema as palavras de São Paulo nos capítulos 9–11 da Carta aos Romanos.

Israel, apesar de tudo, é ainda o Povo de Deus da Primeira Aliança, Povo sempre amado pelo Senhor. Também por Israel Cristo morreu e, no final dos tempos, todo Israel verá o Cristo em glória e o proclamará como o seu Messias esperado e amado! Em relação ao Povo da antiga Aliança, o cristão deve ter um sentimento de profundo respeito e gratidão pela herança recebida. Nenhum cristão tem o direito de julgar Israel: ele rejeitou o Messias, ele um dia, no final de tudo, O reconhecerá! Isto faz parte de um misterioso desígnio de Deus! Admiremos, adoremos! Até o fato de Israel ter rejeitado Jesus aconteceu, como afirma São Paulo, para nos servir de exemplo, pois nenhum de nós está livre de rejeitar Jesus e matá-Lo no nosso coração! Aliás, atualmente, na Igreja, inclusive tantos ministros sagrados, tantos e tantos, o tem feito...

Atenção: isto não nos dá o mínimo direito de odiar os judeus ou de desprezá-los! Nós somos o novo Israel, e não somos melhores que o primeiro Israel! Também nós somos capazes de renegar Jesus, de traí-Lo, de fugir e deixá-Lo sozinho... Foi um dos nossos quem entregou Jesus aos chefes judeus... Além do mais, se Israel foi culpado por rejeitar Jesus e entregá-Lo à morte, os pagãos (e nós somos os descendentes desses pagãos) levaram Jesus à Cruz... Em suma: é toda a humanidade a culpada pela morte do Salvador. Uma morte que não pode, não deve e não precisa nunca ser vingada, pois ela mesma é uma vingança: a morte de Cristo por amor é a vingança de Deus contra o pecado. Isto: Deus Se vinga do pecado amando, dando a vida para destruir o pecado!

Certamente, a Igreja como um todo, a Igreja em si mesma, nunca poderá abandonar o seu Senhor e Esposo, pois que, na força do Espírito Santo do Ressuscitado, ela é indefectivelmente santa. Mas, em nós, leigos, religiosos ou ministros ordenados, individualmente, quanta infidelidade, quanta frieza, quanta covardia, quantos cristãos sem uma real experiência de Cristo e de amor por Ele, quanto relativismo, quanta mentalidade mundana ideologicamente inspirada, quanto relaxamento moral!

Só nos resta pedir pelos judeus de ontem e de hoje e pelos cristãos de ontem e de hoje e pela humanidade de ontem e de hoje: Senhor, tem piedade de nós!

Nós Vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos, porque pela Vossa santa Cruz remistes o mundo!

Paixão segundo Lucas XII: Lc 23,2-7

Começaram então a acusá-Lo, dizendo: “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser Ele mesmo Cristo, o Rei”. Pilatos O interrogou: “Tu és o rei dos judeus?” Jesus respondeu, declarando: “Tu o dizes!” Então Pilatos disse aos sumos sacerdotes e à multidão: “Não encontro neste homem nenhum crime”. Eles, porém, insistiam: “Ele agita o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui”. Quando ouviu isto, Pilatos perguntou: “Este homem é galileu?” Ao saber que Jesus estava sob a autoridade de Herodes, Pilatos enviou-O a este, pois também Herodes estava em Jerusalém naqueles dias (Lc 23,2-7).

Já expliquei, caro irmão, a falsidade, a montagem das acusações dos judeus contra Jesus diante do tribunal de Pilatos. O Procurador romano interroga o Senhor e Jesus responde. Pilatos percebe claramente que a resposta de Jesus está num plano diferente daquele da pergunta. O Procurador havia perguntado num sentido político; Jesus respondera num sentido religioso. Jesus é, sim, rei dos judeus, enquanto Messias descendente de Davi. Mas Seu reinado não trazia nenhuma reivindicação política: “Meu Reino não é deste mundo, Meu Reino não é daqui!” (Jo 18,36). O Reinado de Cristo é aquele do Pai: trata-se de fazer com que o mundo acolha no coração o Reinado do Pai que Ele anuncia e cuja Face Ele veio revelar. O Reinado do Pai é Seu porque “tudo que o Pai tem é Meu. Eu e o Pai somos um!” (Jo 16,15; 10,30). Além do mais, porque Jesus Se fez obediente até a morte e morte de Cruz, o Pai O exaltou e Lhe deu o Nome acima de todo nome, o Nome de Senhor, isto é, o Nome do próprio Deus de Israel: Adonai! (Fl 2,6-11).

Os judeus persistem na acusação. Pilatos procura livrar-se daquele julgamento, para ele sem sentido. Escutando que Jesus vinha da Galileia, vê aí a sua chance: ele era Procurador da Judeia. Roma havia deixado que a Galileia fosse governada por um rei fantoche: Herodes Antipas, o filho de Herodes o Grande (o que matou as criancinhas em Belém). Antipas fora o que mandara matar João Batista... O rei galileu também estava em Jerusalém, porque tinha vindo para a Páscoa... Pilatos mandou Jesus para Antipas! E lá foi o Senhor, joguete dos grandes do mundo, ridicularizado, tido por um demente...

Deus Santo, por que tem que ser assim? Por que os Teus são pisados e tidos por loucos? Por que o Teu Reino aparece sempre tão pequeno, tão ridículo, tão sem lógica, importância ou expressão?

Converte-nos, Senhor - converte-me a mim! - para que eu compreenda a Tua lógica, tão diversa daquela outra, do mundo!

Bendito o Teu Reino, Pai santo, Reino que se manifesta no Teu Ungido preso, humilhado, ridicularizado!

Bendito o Teu Reino que perdura para sempre, de eternidade em eternidade!

Nós Vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos, porque pela Vossa santa Cruz remistes o mundo! 

Dom Henrique venera a Cruz

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