Santa Missa por ocasião do IV Centenário da Canonização de Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier, Santa Teresa de Jesus, Santo Isidoro Lavrador e São Filipe Néri
Homilia do Papa Francisco
Igreja do Santíssimo Nome de Jesus, Roma
Sábado, 12 de março de 2022
O Evangelho da Transfiguração, que ouvimos (Lc 9,28b-36), refere quatro ações de
Jesus: nos fará bem seguir aquilo que realiza o Senhor, para encontrar, nos
seus gestos, sugestões para o nosso caminho.
O primeiro verbo - a primeira daquelas ações de Jesus -
é tomar consigo. Assim diz o texto: «tomando consigo Pedro,
João e Tiago, Jesus subiu ao monte...» (v. 28b). É Ele que toma consigo os
discípulos, fazendo o mesmo conosco: amou-nos, escolheu-nos e chamou-nos. No
princípio encontra-se o mistério de uma graça, de uma eleição. Não fomos nós os
primeiros a tomar uma decisão, mas foi Ele que nos chamou, sem qualquer mérito
da nossa parte. Antes de sermos aqueles que fizeram da vida um dom, somos contemplados
com um dom gratuito: o dom da gratuidade do amor de Deus. O nosso caminho,
irmãos e irmãs, precisa dia a dia recomeçar daqui, desta graça
originária. Jesus procedeu conosco como fez com Pedro, João e Tiago:
chamou-nos pelo nome e tomou-nos consigo. Tomou-nos pela mão. Para nos levar
aonde? Ao seu monte santo, onde, já agora, nos vê para sempre com Ele, transfigurados
pelo seu amor. Lá nos conduz a graça, esta graça primeira, primigênia. Assim,
quando experimentarmos amarguras e decepções, quando nos sentirmos
menosprezados ou incompreendidos, não nos percamos em lamentos e nostalgias.
São tentações que paralisam o caminho, sendas que não levam a parte alguma.
Pelo contrário, assumamos a nossa vida a partir da graça, da vocação. E
acolhamos a dádiva de cada dia para o viver como um pedaço de estrada rumo à
meta.
Tomou consigo Pedro, João e Tiago: o Senhor toma os discípulos em conjunto, toma-os como comunidade. A nossa vocação está enraizada na comunhão. Para recomeçar em cada dia, além do mistério da nossa eleição, é necessário reviver a graça de termos sido tomados na Igreja, nossa santa Mãe hierárquica, e pela Igreja, nossa esposa. Somos de Jesus, e somo-lo como Companhia. Não nos cansemos de pedir a força de construir e guardar a comunhão, ser fermento de fraternidade para a Igreja e para o mundo. Não somos solistas à procura de audiência, mas irmãos organizados em coro. Sintamos com a Igreja, rejeitemos a tentação de buscar sucessos pessoais e formar facções. Não nos deixemos arrastar pelo clericalismo que nos endurece e pelas ideologias que dividem. Os Santos, que hoje recordamos, foram pilares de comunhão. Lembram-nos que no Céu, apesar da nossa diversidade de caráteres e perspectivas, somos chamados a estar juntos. E se estaremos unidos para sempre lá em cima, por que não começar já desde agora aqui em baixo? Acolhamos a beleza de ter sido tomados em conjunto por Jesus, chamados em conjunto por Jesus. Este é o primeiro verbo: tomou.
O segundo verbo: subir. «Jesus subiu ao monte» (v.
28b). O caminho de Jesus não se apresenta em descida, é uma subida. A luz da
Transfiguração só chega à planície depois de um fadigoso caminho. Assim, para
seguir Jesus, é preciso abandonar as planícies da mediocridade e as descidas
ditadas pela comodidade; é preciso deixar as próprias rotinas pacatas para
cumprir um movimento de êxodo. Com efeito, tendo subido ao monte,
Jesus fala com Moisés e Elias precisamente «de sua partida [êxodo], que iria
consumar-se em Jerusalém» (v. 31). Moisés e Elias subiram ao Sinai ou Horeb
depois de dois êxodos no deserto (cf. Ex 19; 1Rs 19);
agora falam com Jesus do êxodo definitivo: o da sua páscoa. Irmãos e irmãs, só
a subida à cruz conduz à meta da glória. Este é o caminho: da cruz à glória. A
tentação mundana é buscar a glória sem passar pela cruz. Nós queremos caminhos
conhecidos, direitos e desimpedidos, mas para encontrar a luz de Jesus é
preciso sair continuamente de nós mesmos e subir atrás d’Ele. Como ouvimos na 1ª
leitura, o Senhor, que desde o início «conduziu para fora» Abrão (Gn 15,5),
convida-nos também a nós a sair e subir.
Para nós, jesuítas, a saída e a subida seguem um caminho
específico, bem simbolizado pelo monte. Na Sagrada Escritura, o cimo dos montes
representa a extremidade, o limite, a fronteira entre terra e céu. E nós somos
chamados a sair precisamente para os confins entre terra e céu, lá
onde o homem «luta» fadigosamente com Deus; somos chamados a partilhar a sua
busca incômoda e inquietude religiosa. Lá devemos estar e, para o conseguirmos,
é preciso sair e subir. Enquanto o inimigo da natureza humana quer
convencer-nos a voltar sempre pelos mesmos passos, os da repetição estéril, da
comodidade, do já visto, o Espírito sugere aberturas, dá paz sem nunca deixar
em paz, envia os discípulos até aos últimos confins. Pensemos em Francisco
Xavier.
E vem-me à ideia que, para seguir esta estrada, este
caminho, é preciso lutar. Pensemos no pobre velho Abraão: lá, com o
sacrifício, lutando contra os abutres que lhe queriam comer a oferenda (cf. Gn 15,7-11). E ele, com a sua bengala, afugentava-os. O
pobre velho. Vejamos isto: lutar para defender este caminho, este caminho, esta
nossa consagração ao Senhor.
De hora em hora, o discípulo encontra-se nesta encruzilhada.
E pode fazer como Pedro que, enquanto Jesus fala de êxodo, ele diz: «É bom
estarmos aqui» (Lc 9,33). Há sempre o
perigo de uma fé estática, «estacionada». Tenho medo da fé «estacionada». O
risco é considerar-se discípulos «como se deve», mas que na realidade não
seguem Jesus: permanecem parados, passivos e, sem dar por isso como os três do
Evangelho, começam a cabecear e adormecem. Também no Getsêmani, hão de
adormecer estes mesmos discípulos. Pensemos irmãos e irmãs que, para quem segue
Jesus não é tempo de dormir, deixar-se narcotizar a alma, fazer-se anestesiar
pelo atual clima consumista e individualista, segundo o qual a vida corre bem
se correr bem para mim; fala-se e teoriza-se, mas perde-se de vista a carne dos
irmãos, a concretização do Evangelho. Um drama do nosso tempo é fechar os olhos
à realidade e voltar a face para o outro lado. Que Santa Teresa nos ajude a
sair de nós mesmos e subir ao monte com Jesus, para percebermos que Ele Se
revela também através das chagas dos irmãos, dos esforços da humanidade, dos
sinais dos tempos. Não devemos ter medo de tocar as chagas: são as chagas do
Senhor.
Jesus subiu ao monte, diz o Evangelho, «para orar» (Lc 9,28b). E aqui temos o terceiro
verbo: orar. E, «enquanto orava - continua o texto -, o aspecto do
seu rosto modificou-se» (v. 29). A transfiguração nasce da oração. Perguntemo-nos,
mesmo depois de tantos anos de ministério, que é pra nós, hoje, que é para mim,
hoje, rezar? Quem sabe se a força do hábito e certo ritualismo nos tenham
levado a pensar que a oração não transforma o homem nem a história. Ao
contrário, rezar é transformar a realidade. É uma missão ativa, uma intercessão
contínua. Não é distância do mundo, mas mudança do mundo. Rezar é levar o
palpitar dos acontecimentos até Deus para que o seu olhar se abra de par em par
sobre a história. Para nós, que é rezar?
Por isso será bom hoje perguntar-nos se a oração nos imerge
nesta transformação, lança uma luz nova sobre as pessoas e transfigura as
situações. Pois se a oração é viva, «mexe dentro», reaviva o fogo da missão,
reacende a alegria, provoca-nos continuamente para nos deixarmos inquietar pelo
grito sofredor do mundo. Perguntemo-nos: como estamos levando à oração a
guerra em curso? E pensemos na oração de São Filipe Néri, que lhe
dilatava o coração fazendo-lhe abrir as portas aos meninos de rua. Ou em Santo
Isidoro, que rezava nos campos e levava à oração o trabalho agrícola.
Tomar nas mãos dia a dia a nossa vocação pessoal
e a nossa história comunitária; subir para os confins indicados por Deus
saindo de nós mesmos; orar para transformar o mundo em que
estamos imersos. E, por fim, temos o quarto verbo, que aparece no último
versículo do Evangelho de hoje: «Jesus ficou só» (Lc 9,36). Ficou Ele, enquanto tudo havia
passado e ecoava apenas «o testamento» do Pai: «Escutai-O» (v. 35). O Evangelho
termina, fazendo-nos voltar ao essencial. Muitas vezes na Igreja e no mundo,
tanto na vida espiritual como na sociedade, somos tentados a considerar como
primárias tantas necessidades secundárias. É uma tentação diária o fazer
tornarem-se primárias tantas necessidades secundárias. Por outras palavras,
corremos o risco de nos concentrar em usos, costumes e tradições que fixam o
coração naquilo que passa, fazendo esquecer o que permanece. Como é importante
trabalhar o coração, para que saiba distinguir o que é segundo Deus, e
permanece, daquilo que é segundo o mundo, e passa!
Amados irmãos e irmãs, que Santo Inácio, nosso pai, nos
ajude a conservar o discernimento, nossa herança preciosa, um tesouro sempre
atual para oferecer à Igreja e ao mundo. Permite «ver como novas todas as
coisas em Cristo». É essencial para nós mesmos e para a Igreja, pois, como
escreveu Pedro Fabro, «todo o bem que se possa realizar, pensar ou organizar,
faça-se com bom espírito e não com o mau» (Memorial, Paris, 1959, n.
51). Assim seja!
Fonte: Santa Sé.
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