quinta-feira, 17 de março de 2022

Catequeses sobre os Salmos (60): Magnificat

Concluindo as Catequeses sobre os salmos e cânticos da Liturgia das Horas, que haviam sido iniciadas por João Paulo II em 2001, propomos aqui a meditação do Papa Bento XVI sobre o Cântico Evangélico das Vésperas, o Magnificat (Lc 1,46-55), preferida no dia 15 de fevereiro de 2006.

166. A alegria da alma no Senhor: Magnificat (Lc 1,46-55)
15 de fevereiro de 2006

1. Chegamos agora ao final do longo itinerário começado há precisamente cinco anos, na primavera de 2001, pelo meu amado predecessor, o inesquecível Papa João Paulo II. O grande Papa quisera percorrer nas suas Catequeses toda a sequência dos salmos e dos cânticos que constituem o tecido orante fundamental da Liturgia das Laudes e das Vésperas. Tendo chegado ao fim desta peregrinação textual, semelhante a uma viagem no jardim florido do louvor, da invocação, da oração e da contemplação, deixemos agora o espaço àquele cântico que idealmente sela toda a celebração das Vésperas, o Magnificat.
É um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem “pobres” não só no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade profunda do coração, despojado da tentação do orgulho, aberto à irrupção da graça divina que salva. De fato, todo o Magnificat está assinalado por esta “humildade”, em grego tapeinosis, que indica uma situação de humildade e pobreza concretas.

2. O primeiro movimento do cântico mariano (vv. 46-50) é uma espécie de voz solista que se eleva em direção ao céu para alcançar o Senhor. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: “A minha alma... o meu espírito... meu Salvador... hão de chamar-me bem-aventurada... fez em mim maravilhas...”. A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo.
A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria reconhecedora. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e a sua vicissitude insere-se no âmbito da história da salvação. E assim pode dizer: “Seu amor, de geração em geração, chega a todos que o respeitam” (v. 50). Com este louvor ao Senhor, Maria dá voz a todas as criaturas remidas, que no seu “fiat”, assim como na figura de Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.

3. Neste ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e espiritual do Magnificat (vv. 51-55). Ele possui uma tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se associasse aquela da comunidade dos fiéis, que celebram as opções surpreendentes de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete verbos no aoristo, que indicam igual número de ações que o Senhor realiza de modo permanente na história: “Demonstrou o poder de seu braço, dispersou os orgulhosos. Derrubou os poderosos de seus tronos e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos e despediu sem nada os ricos. Acolheu Israel...”.
Neste setenário de obras divinas é evidente o “estilo” no qual o Senhor da história inspira o seu comportamento: Ele se coloca ao lado dos últimos. O seu projeto com frequência está escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes humanas, que veem triunfar “os orgulhosos”, “os poderosos” e “os ricos”. Contudo, a sua força secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar quem são os verdadeiros prediletos de Deus: “Todos que o respeitam”, fiéis à sua palavra; “os humildes”; “os famintos”; “Israel seu servidor”, isto é, a comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por aqueles que são “pobres”, puros e simples de coração. É aquele “pequeno rebanho” que está convidado a não temer, porque ao Pai aprouve conceder-lhe o seu reino (cf. Lc 12,32). E assim este cântico nos convida a associar-nos a este pequeno rebanho, a ser realmente membros do Povo de Deus na pureza e na simplicidade do coração, no amor de Deus.

4. Aceitemos então o convite que no seu comentário ao texto do Magnificat nos dirige Santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: “Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de fato, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque, consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afeto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual todas as coisas existem” (Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: Saemo, XI, Milão-Roma, 1978, p. 169).
Neste maravilhoso comentário do Magnificat de Santo Ambrósio sensibiliza-me de modo particular a palavra surpreendente: “Se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo: de fato cada uma acolhe em si o Verbo de Deus”. Assim o Santo Doutor, interpretando as palavras da própria Virgem, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a “magnificá-lo” com o espírito e com a alma de Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.

"A minh'alma engrandece o Senhor..." (Lc 1,46)
(Maria entoa o Magnificat - Vitral da Catedral de Worcester, Inglaterra)

Fonte: Santa Sé (15 de fevereiro de 2006).

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