sexta-feira, 21 de maio de 2021

XXXIV Catequese do Papa sobre a oração

Na última quarta-feira, 19 de maio, o Papa Francisco prosseguiu com suas Catequeses sobre a oração à luz do Catecismo da Igreja Católica. Ainda dentro do tema do “combate da oração” (nn. 2725-2751), o Papa refletiu sobre três inimigos da oração (nn. 2729-2733):

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 19 de maio de 2021
A oração (34): Distrações, aridez, acídia

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Seguindo o exemplo do Catecismo, nesta catequese referimo-nos à experiência vivida da oração, procurando mostrar algumas das suas dificuldades muito comuns, que devem ser identificadas e superadas. Rezar não é fácil: há muitas dificuldades que surgem na oração. É preciso conhecê-las, identificá-las e superá-las.

O primeiro problema que se apresenta para aqueles que rezam é a distração (cf. CIC, 2729). Começas a rezar e depois a mente roda, roda pelo mundo inteiro; o teu coração está ali, a mente está acolá... a distração da prece. A oração convive frequentemente com a distração. De fato, a mente humana tem dificuldade de se concentrar por muito tempo num único pensamento. Todos nós experimentamos este turbilhão contínuo de imagens e ilusões em movimento perpétuo, que nos acompanha até durante o sono. E todos sabemos que não é bom dar seguimento a esta inclinação fragmentada.
A luta para alcançar e manter a concentração não se limita à oração. Se não se atinge um grau de concentração suficiente, não se pode estudar com proveito, nem se pode trabalhar bem. Os atletas sabem que as competições são ganhas não só pelo treino físico, mas também pela disciplina mental: acima de tudo, pela capacidade de estarem concentrados e de manter alerta a atenção.
As distrações não são culpadas, mas devem ser combatidas. No patrimônio da nossa fé há uma virtude que é frequentemente esquecida, mas que está muito presente no Evangelho. Chama-se “vigilância”. E Jesus repete-o com frequência: “Vigiai. Rezai”. O Catecismo menciona-a explicitamente na sua instrução sobre a oração (cf. n. 2730). Jesus chama frequentemente os discípulos ao dever de uma vida sóbria, guiada pelo pensamento de que mais cedo ou mais tarde Ele voltará, como um noivo volta das bodas ou um senhor da viagem. No entanto, sem saber o dia nem a hora do Seu regresso, todos os minutos da nossa vida são preciosos e não devem ser desperdiçados em distrações. Num momento que não conhecemos, a voz do nosso Senhor ressoará: nesse dia, bem-aventurados os servos que Ele encontrará laboriosos, ainda concentrados no que realmente importa. Não se dispersaram perseguindo todas as atrações que lhes vinham à mente, mas procuraram empreender o caminho certo, praticando o bem e desempenhando a própria tarefa. Esta é a distração: que a imaginação roda, roda, roda... Santa Teresa definia esta imaginação que roda, roda na oração, “a louca da casa”: é como uma louca que te faz rodar, rodar... Devemos impedi-la e aprisioná-la com a atenção.

O tempo da aridez merece um discurso diferente. O Catecismo descreve-o deste modo: «O coração está seco, sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de Jesus na agonia e no sepulcro» (n. 2731). A aridez faz-nos pensar na Sexta-Feira Santa, na noite e no Sábado Santo, o dia inteiro: Jesus não está presente, está no sepulcro; Jesus morreu: estamos sozinhos. E este é o pensamento-mãe da aridez. Muitas vezes não sabemos quais são as razões da aridez: pode depender de nós, mas também de Deus, que permite certas situações na vida exterior ou interior. Ou, às vezes, pode ser uma dor de cabeça ou no fígado que te impede de entrar na oração. Com frequência não sabemos a razão. Os mestres espirituais descrevem a experiência da fé como uma alternância contínua de tempos de consolação e tempos de desolação; momentos em que tudo é fácil, enquanto outros são marcados por uma grande dificuldade. Muitas vezes, ao encontrarmos um amigo, dizemos: “Como estás?”  - “Hoje me sinto abatido”. Acontece que às vezes nos sentimos “abatidos”, isto é, não temos sentimentos, não temos consolação, não aguentamos mais. São aqueles dias cinzentos... e existem muitos na vida! Mas o perigo é ter o coração cinzento: quando este “sentir-se abatido” chega ao coração e o faz adoecer... e há pessoas que vivem com o coração cinzento. Isto é terrível: não se pode rezar, não se pode sentir consolação com o coração cinzento! Ou não se pode levar adiante uma aridez espiritual com o coração cinzento. O coração deve ser aberto e luminoso, para que entre a luz do Senhor. E se não entrar, é preciso aguardá-la com esperança. Mas não devemos fechá-la no cinzento.

Depois, algo diverso é a acídia, outro defeito, outro vício, que é uma verdadeira tentação contra a oração e, mais geralmente, contra a vida cristã. A acídia é «uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração» (CIC, 2733). É um dos sete “pecados capitais” pois, alimentado pela presunção, pode levar à morte da alma.

O que devemos fazer, então, nesta sucessão de entusiasmos e desânimos? Deve-se aprender a caminhar sempre. O verdadeiro progresso na vida espiritual não consiste em multiplicar os êxtases, mas em ser capaz de perseverar em tempos difíceis: caminha, caminha, caminha... E se te sentires cansado, para um pouco e volta a caminhar. Mas com perseverança. Recordemos a parábola de São Francisco sobre a alegria perfeita: não é nas infinitas fortunas que caem do céu que se mede a capacidade de um frade, mas em caminhar com constância, mesmo quando não se é reconhecido, mesmo quando se é maltratado, ou quando tudo perdeu o sabor do princípio. Todos os santos passaram por este “vale escuro”, e não nos escandalizemos se, lendo os seus diários, ouvirmos o relato de noites de oração sem vontade, vivida sem gosto. Temos de aprender a dizer: “Ainda que Tu, meu Deus, pareças fazer tudo para que eu deixe de acreditar em Ti, continuo a rezar a Ti”. Os crentes nunca apagam a oração! Por vezes pode assemelhar-se à oração de Jó, o qual não aceita que Deus o trate injustamente, protesta e chama-o em juízo. Mas, muitas vezes, protestar diante de Deus é também um modo de rezar ou, como dizia aquela velhinha, “zangar-se com Deus também é um modo de rezar”, pois com frequência o filho zanga-se com o pai: é um modo de se relacionar com o pai; pois o reconhece como “pai”, zanga-se...
E também nós, que somos muito menos santos e pacientes do que Jó, sabemos que no final, no fim deste tempo de desolação, em que elevamos ao Céu gritos silenciosos e muitos “por quês?”, Deus nos responderá. Não esqueçais a oração do “por quê?”: é a prece que recitam as crianças quando começam a não entender as coisas e os psicólogos definem-na “a idade dos por quês”, pois a criança pergunta ao pai: “Pai, por quê...? Pai, por quê...? Papai, por quê...?”. Mas prestemos atenção: a criança não ouve a resposta do pai. O pai começa a responder e a criança apresenta outro por quê. Só quer chamar para si a atenção do pai; e quando nos zangamos um pouco com Deus e começamos a pronunciar os por quês, estamos a atrair o coração do nosso Pai na direção da nossa miséria, da nossa dificuldade, da nossa vida. Mas sim, tende coragem de dizer a Deus: “Mas por quê...?”. Pois às vezes, zangar-se um pouco faz bem, faz-nos despertar esta relação de filho com o Pai, de filha com o Pai, que devemos manter com Deus. E até as nossas expressões mais duras e amargas, Ele as acolherá com o amor de um pai, e as considerará como um ato de fé, como uma oração.


Fonte: Santa Sé

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