Encaminhando-se para a conclusão das suas Catequeses sobre a
oração à luz do Catecismo da Igreja Católica, o Papa Francisco começou a
refletir sobre “o combate da oração” (nn. 2725-2751) falando sobre as objeções
à oração (nn. 2726-2728):
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 12 de maio de 2021
A oração (33): O combate da oração
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
(...) A oração cristã, como toda a vida cristã,
não é um “passeio”. Nenhum dos grandes orantes que encontramos na Bíblia e na
história da Igreja teve uma oração “confortável”. Sim, podemos rezar como os
papagaios - “blábláblá” -, mas isto não é oração. A oração certamente concede
uma grande paz, mas através de uma luta interior, por vezes dura, que pode
acompanhar até longos períodos da vida. Rezar não é algo fácil e por isso fugimos
da oração. Cada vez que queremos fazê-lo, de repente nos lembramos de outras
atividades, que naquele momento parecem mais importantes e urgentes. Isto
acontece também a mim: vou rezar um pouco... E não, devo fazer isto e aquilo...
Fugimos da oração, não sei por que, mas é assim. Quase sempre, depois de termos
adiado a oração, percebemos que aquelas coisas não eram absolutamente
essenciais, e que talvez tenhamos desperdiçado tempo. O Inimigo engana-nos
deste modo.
Todos os homens e mulheres de Deus relatam não
só a alegria da oração, mas também o desconforto e o cansaço que ela pode
provocar: por vezes é uma luta difícil respeitar os tempos e as formas de
oração. Alguns santos levaram-na a cabo durante anos sem experimentar qualquer
gosto por ela, sem se aperceberem da sua utilidade. O silêncio, a oração e a
concentração são exercícios difíceis, e por vezes a natureza humana rebela-se.
Preferiríamos estar em qualquer outra parte do mundo, mas não ali, naquele
banco de igreja a rezar. Quem quiser rezar deve lembrar-se de que a fé
não é fácil, e por vezes procede na quase total obscuridade, sem pontos de
referência. Há momentos da vida de fé que são obscuros e por isso alguns Santos
os definiram “A noite escura”, pois não se sente nada. Mas eu continuo a rezar.
O Catecismo enumera uma longa
lista de inimigos da oração, aqueles que tornam difícil rezar, que põem
dificuldades (cf. nn. 2726-2728).
Alguns duvidam que a oração possa realmente alcançar o Todo-Poderoso: por que
permanece Deus em silêncio? Se Deus é Onipotente, poderia dizer duas palavras e
pôr fim à história. Perante a intangibilidade do divino, outros suspeitam que a
oração é uma mera operação psicológica; algo que pode ser útil, mas que não é
verdadeiro nem necessário: se poderia até ser praticante sem ser crente. E
assim por diante, muitas explicações.
Contudo, os piores inimigos da oração estão
dentro de nós. O Catecismo chama-os assim: «desânimo na
aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos “muitos bens”,
decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso
orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores,
alergia à gratuidade da oração» (n. 2728). Trata-se claramente de uma lista
sumária, que poderia ser aumentada.
O que fazer no tempo da
tentação, quando tudo parece vacilar? Se olharmos para a história da
espiritualidade, vemos imediatamente que os mestres da alma foram muito claros
sobre a situação que descrevemos. Para superá-la, cada um deles ofereceu alguma
contribuição: uma palavra de sabedoria ou uma sugestão para enfrentar tempos
carregados de dificuldades. Não se trata de teorias elaboradas, não, mas de
conselhos nascidos da experiência, que mostram a importância de resistir e
perseverar na oração.
Seria interessante rever pelo menos alguns
destes conselhos, porque cada um deles merece ser estudado em profundidade. Por
exemplo, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola
são um livreto de grande sabedoria, que ensina como pôr a vida em ordem.
Faz-nos compreender que a vocação cristã é militância, é decisão de estar sob a
bandeira de Jesus Cristo e não sob a do diabo, procurando praticar o bem até
quando se torna difícil.
Nos tempos de provação é bom lembrar que não
estamos sozinhos, que alguém olha para nós e nos protege. Até Santo Antônio
Abade, fundador do monaquismo cristão, enfrentou momentos terríveis no Egito,
quando a oração se tornou uma dura luta. O seu biógrafo Santo Atanásio, Bispo
de Alexandria, narra que um dos piores episódios aconteceu ao Santo eremita por
volta dos trinta e cinco anos, a meia-idade, que para muitas pessoas comporta
uma crise. Antônio ficou perturbado com aquela provação, mas resistiu. Quando
finalmente voltou a sentir-se sereno, dirigiu-se ao seu Senhor com um tom quase
de reprovação: «Onde estavas? Por que não vieste imediatamente para pôr fim aos
meus sofrimentos?». E Jesus respondeu: «Antônio, eu estava lá. Mas esperava
para te ver combater» (Vida de Antônio, 10). Lutar na oração. E muitas
vezes a oração é uma luta. Lembro-me de algo que vivi de perto, quando estava
na outra diocese. Havia um casal que tinha uma filha de nove anos com uma
doença que os médicos não sabiam o que era. E finalmente, no hospital, o médico
disse à mãe: “Senhora, chame o seu marido”. E o marido estava no trabalho; eram
operários, trabalhavam todos os dias. E disse ao pai: “O bebê não vai superar a
noite. É uma infecção, não há nada que podemos fazer”. Aquele homem, talvez não
fosse à Missa todos os domingos, mas tinha uma grande fé. Saiu a chorar, deixou
a sua esposa com a criança no hospital, tomou o trem e fez a viagem de setenta
quilômetros até à Basílica de Nossa Senhora de Luján, Padroeira da Argentina. E
lá - a Basílica já estava fechada, eram quase dez horas da noite - ele
agarrou-se às grades da Basílica e rezou toda a noite a Nossa Senhora, lutando
pela saúde da sua filha. Isto não é uma fantasia; eu vi-o! Eu vivi isto. Aquele
homem ali a lutar. No final, às seis horas da manhã, a igreja abriu-se e ele
entrou para saudar Nossa Senhora: toda a noite “lutou”, e depois foi para casa.
Quando chegou, procurou a sua esposa, mas não a encontrou, e pensou: “Ela foi
embora. Não, Nossa Senhora não me pôde fazer isto”. Depois a encontrou,
sorrindo e dizendo: “Mas não sei o que aconteceu; os médicos dizem que a
situação mudou e agora está curada”. Aquele homem que lutava com a oração
obteve a graça de Nossa Senhora. Nossa Senhora o ouviu. E eu vi isto: a oração
faz milagres, porque a oração vai direta ao centro da ternura de Deus que nos
ama como um pai. E quando Ele não nos concede uma graça, nos dará outra que
veremos a seu tempo. Mas é sempre preciso lutar em oração para pedir uma graça.
Sim, por vezes pedimos uma graça de que precisamos, mas pedimo-la assim, sem
querer, sem lutar; não é assim que se pedem coisas sérias. A oração é uma batalha
e o Senhor está sempre conosco.
Se num momento de cegueira não conseguirmos
vislumbrar a sua presença, o conseguiremos no futuro. Também nós um dia
poderemos repetir a frase que o patriarca Jacó disse certa vez: «Em verdade, o
Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!» (Gn 28,16). No final da
nossa vida, olhando para trás, também nós poderemos dizer: “Pensava que estava
sozinho; não, não estava: Jesus estava comigo”. Todos poderemos dizer
isto.
Fonte: Santa Sé
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