São Leão Magno
Tratado 74
Reservo-te
para coisas mais sublimes, preparo-te coisas maiores
Esta fé,
aumentada pela Ascensão do Senhor e fortalecida com o dom do Espírito Santo, já
não se amedronta pelas correntes, o cárcere, o desterro, a fome, o fogo, as
feras, nem pelos refinados tormentos dos cruéis perseguidores. Homens e
mulheres, crianças e frágeis donzelas lutaram, em todo o mundo, por esta fé,
até derramar o seu sangue. Esta fé afugenta aos demônios, afasta as
enfermidades, ressuscita aos mortos.
Por isto, os
próprios Apóstolos que, apesar dos milagres que haviam contemplado e dos
ensinamentos que tinham recebido, acovardaram-se frente às atrocidades da
Paixão do Senhor e se mostraram relutantes em admitir o fato da Ressurreição,
receberam um progresso espiritual tão grande da Ascensão do Senhor, que tudo o
que antes lhes era motivo de temor converte-se para eles em motivo de alegria.
É que seu espírito estava agora totalmente elevado pela contemplação da divindade,
sentada à direita do Pai; e ao não ver o corpo do Senhor podiam compreender com
maior clareza que aquele não tinha deixado o Pai ao descer à terra, nem havia
abandonado os seus discípulos ao subir ao céu.
Depois,
amadíssimos, o Filho do homem se mostrou, de um modo mais excelente e sagrado,
como Filho de Deus, ao ser recebido na glória da majestade do Pai, e, ao
afastar-se de nós por sua humanidade, começou a estar presente entre nós de um
modo novo e inefável por sua divindade.
Então a nossa fé
começou a adquirir um maior e progressivo conhecimento da igualdade do Filho
com o Pai, ao não necessitar da presença palpável da substância corpórea de
Cristo, segundo a qual é inferior ao Pai; pois, subsistindo a natureza do corpo
glorificado de Cristo, a fé dos crentes é chamada aonde poderá tocar ao Filho
único, igual ao Pai, já não com a mão, mas sim mediante o conhecimento
espiritual.
Eis aqui a razão
pela qual o Senhor, depois de sua Ressurreição, diz a Maria Madalena que -
representando a Igreja - corria pressurosa a tocá-lo: Solta-me, que ainda não subi ao Pai. Expressão que significa: Não
quero que venha a mim corporalmente, nem que me reconheças pela sensibilidade
do tato; reservo-te para coisas mais sublimes, preparo-te coisas maiores.
Quando subir ao Pai, então me apalparás com mais perfeição e maior realismo,
pois agarrarás o que não tocas e crerás no que não vês. Por isso, enquanto os
olhos dos discípulos seguiam a trajetória do Senhor subindo ao céu, e o
contemplavam com intensa admiração, dois anjos apresentaram-se diante deles,
resplandecentes na admirável brancura de suas vestes, e lhes disseram: Galileus, que fazeis aí parados olhando ao
céu? O mesmo Jesus que vos deixou para subir ao céu, voltará assim como o
vistes subir.
Com estas
palavras, todos os filhos da Igreja eram convidados a crer que Jesus Cristo
viria visivelmente na mesma carne com a qual lhe tinham visto subir; nem é
possível colocar em dúvida que tudo lhe está submetido, desde o momento em que
o ministério dos anjos se colocou inteiramente a seu serviço, desde os alvores
de seu nascimento corpóreo. E como foi um anjo que anunciou à bem-aventurada
Virgem que conceberia por obra do Espírito Santo, assim também a voz dos
espíritos celestes anunciou aos pastores o recém-nascido da Virgem. E assim
como os primeiros testemunhos da Ressurreição dentre os mortos foram
comunicados pelos anúncios celestes, da mesma forma, pelo ministério dos anjos,
foi anunciado que Cristo virá na carne para julgar o mundo. Tudo isso tem a
missão de fazer-nos compreender quão numerosa há de ser a comitiva de Cristo
quando vier para julgar, se foram tantos os que lhe serviram quando veio para
ser julgado.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 359-360. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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