São Proclo de Constantinopla
Sermão 1 em louvor de Santa Maria
Vinha
para salvar, mas também lhe era necessário morrer
Cristo, que por
natureza era impassível, por sua misericórdia se submeteu a muitos padecimentos.
É inadmissível que Cristo se fizesse passar por Deus em proveito próprio. Nem
sequer ousemos pensá-lo! Muito pelo contrário: sendo - como nos ensina a fé -
Deus, fez-se homem nas aras de sua misericórdia. Não pregamos a um homem
deificado; antes, proclamamos a um Deus encarnado. Adotou por mãe a uma escrava
quem por natureza não conhece mãe, e que, contudo, apareceu sobre a terra sem
pai, segundo a economia divina.
Observa em
primeiro lugar, ó homem, a economia e as motivações de sua vinda, para exaltar
em um segundo momento o poder do que se encarnou. Pois o gênero humano tinha
contraído, pelo pecado, uma imensa dívida, dívida que de modo algum podia
saldar. Porque em Adão todos tinham assinado o recibo do pecado: éramos
escravos do diabo. Ele tinha em seu poder o contrato de nossa escravidão, e
exibia títulos de possessão sobre nós assinalando nosso corpo, joguete das mais
variadas paixões. Pois bem: ao encontrar-se o homem marcado pela dívida do
pecado, não podia pretender salvar a si mesmo. Nem sequer um anjo poderia
redimir o gênero humano: o preço do resgate não seria suficiente. Não restava
mais do que uma única solução: que o único que não estava submetido ao pecado,
ou seja, Deus, morresse pelos pecadores. Não havia outra alternativa para tirar
o homem do pecado.
E o que ocorreu?
Pois que o mesmo que tinha tirado do nada todas as coisas conferindo-lhes a
existência, e que possuía plenos poderes para saldar a dívida, planejou um
seguro de vida para os condenados à morte, e uma estupenda solução ao problema
da morte. Fez-se homem nascendo da virgem de um modo muito conhecido para ele.
Não há palavra humana capaz de explicar este mistério: morreu na natureza que
tinha assumido, e levou a cabo a redenção em virtude do que já era, conforme o
que diz São Paulo: por cujo sangue temos
recebido a redenção, o perdão dos pecados.
Ó prodígio
realmente estupendo! Negociou e obteve para os demais a imortalidade aquele que
por natureza era imortal. Em nível de encarnação, jamais existiu, nem existe
nem existirá um ser semelhante, a não ser o nascido de Maria, Deus e homem. E
não somente pelo mero fato de adequar-se à multidão de réus suscetíveis de
redenção, mas porque era, sob todos os aspectos, superior a eles. Pois,
enquanto Filho, conserva imutável a mesma natureza que seu Pai; como Criador do
universo, possui plenos poderes; como misericordioso, possui uma imensa e
inesgotável misericórdia; e finalmente, como pontífice, está ao nosso lado qual
idôneo intercessor. Sob qualquer um destes aspectos, jamais encontrarás nenhum
outro que se lhe possa comparar. Considera, por exemplo, sua clemência:
entregue espontaneamente e, condenado à morte, destruiu a morte que tinham de
sofrer os que o crucificavam. Trocou em saudável a perfídia daqueles que o
matavam, e que se convertiam por isso mesmo em feitores de iniquidade.
Vinha para
salvar, porém lhe era também necessário morrer. Sendo Deus, o Emanuel se fez
homem; a natureza que possuía nos trouxe a salvação, a natureza assumida
suportou a paixão e a morte. O que está no seio do Pai é o mesmo que se encarna
no seio da mãe; o que repousa no regaço da mãe é o mesmo que caminha sobre as
asas do vento. O mesmo que nos céus é adorado pelos anjos, na terra se senta na
mesa com os arrecadadores de impostos.
Ó grande
mistério! Vejo os milagres e proclamo a divindade; contemplo seus sofrimentos e
não nego a humanidade. Da mesma forma, o Emanuel, enquanto homem, abriu as
portas da humanidade, porém, enquanto Deus nem violou nem rompeu os selos da
virgindade. Ainda mais: saiu do útero como entrou pelo ouvido; nasceu do modo
que foi concebido. Entrou sem paixão e saiu sem corrupção.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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