“Vós fostes integrados
no edifício que tem como fundamento os Apóstolos e os Profetas, e o próprio
Jesus Cristo como pedra principal” (Ef 2,20)
O Símbolo Apostólico
Conforme testemunha a Traditio
Apostolica, importante documento litúrgico do início do século III,
atribuído a Hipólito de Roma [1], a recepção do sacramento do Batismo era
acompanhada da tríplice pergunta a respeito da fé. A cada resposta afirmativa
(“Creio”), o fiel recebia a infusão da água sobre a cabeça:
“Crês em Deus Pai onipotente?
Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito
Santo, do seio da Virgem Maria, e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e morreu,
e foi sepultado, e ao terceiro dia ressuscitou vivo dos mortos, e subiu aos céus,
e estado sentado à direita do Pai, e virá para julgar os vivos e os mortos?
Crês no Espírito Santo e na santa Igreja e na ressurreição
da carne?” [2].
Temos aqui o primeiro testemunho do chamado “Símbolo
Apostólico” ou “Símbolo dos Apóstolos”, uma das duas profissões de fé
utilizadas pela Igreja de Rito Romano (junto com o Símbolo
Niceno-Constantinopolitano).
“A palavra grega «symbolon»
significava a metade dum objeto partido (por exemplo, um selo), que se
apresentava como um sinal de identificação. As duas partes eram justapostas
para verificar a identidade do portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de
identificação e de comunhão entre os crentes. «Symbolon» também significa resumo, coletânea ou sumário. O «símbolo
da fé» é o sumário das principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de
referência primário e fundamental da catequese” [3].
Os Apóstolos e o
Creio
Embora sua origem seja muito provavelmente o rito batismal,
como vimos acima, a partir do século IV surge a lenda de que, no dia de
Pentecostes, antes de partirem em missão, os doze Apóstolos elaboraram essa
profissão de fé, como testemunha Santo Ambrósio em sua Explanatio Symboli: “Os santos Apóstolos reunidos juntos fizeram um
resumo da fé, a fim de que pudéssemos compreender brevemente o elenco de toda a
nossa fé” [4].
Posteriormente, provavelmente no século V, foi acrescido à
lenda o dado de que cada um dos doze Apóstolos teria contribuído com um dos artigos
do Creio, como testemunha Joseph Ratzinger em sua magnífica Introdução ao Cristianismo [5].
Segundo Gerd Heinz-Mohr em seu Dicionário dos Símbolos, a ordem dos Apóstolos e o artigo atribuído a cada um, conforme sua representação na arte cristã (com cada Apóstolo segurando uma faixa com o respectivo artigo do Creio), é a seguinte [6]:
Pedro: Creio em
Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra;
André: E em Jesus
Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
Tiago: Que foi
concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria;
João: Padeceu sob
Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
Tomé: Desceu à
mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia;
Tiago: Subiu aos
céus, está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso;
Filipe: Donde há
de vir para julgar os vivos e os mortos;
Bartolomeu: Creio
no Espírito Santo;
Mateus: Na Santa
Igreja Católica, na comunhão dos Santos;
Simão: Na
remissão dos pecados;
Tadeu: Na
ressurreição da carne;
Matias: Na vida
eterna.
Note-se que a ordem dos Apóstolos não corresponde a nenhum dos quatro elencos do Novo Testamento (Mc 3,16-19; Mt 10,2-4; Lc 6,13-16; At 1,13). A ordem aqui é, pois, aquela da Oração Eucarística I, o Cânon Romano (omitido Paulo, mencionado na Oração junto com Pedro, e incluído Matias em último lugar), que, segundo Andreas Jungmann, deriva provavelmente da ordem em que foram construídas igrejas em Roma em honra dos Apóstolos [7].
Primeiros seis artigos do Creio (Manuscrito francês do séc. XV) |
Últimos seis artigos do Creio |
Os Apóstolos, os Profetas e o Creio
O mesmo Dicionário dos
Símbolos, citado acima, atesta que, “do ponto de vista da correspondência
de toda a Bíblia e do cumprimento no NT (Novo Testamento) das profecias
contidas no AT (Antigo Testamento), são estabelecidas, na teologia e arte da
Idade Média, ligações tipológicas entre Apóstolos e Profetas (...). Colocam-se
diante dos Apóstolos doze Profetas com correspondentes faixas escritas” [8].
Embora, como afirma o autor, a escolha dos profetas e das
frases correspondentes não seja fixa, geralmente encontramos a seguinte
sequência (em alguns casos com duas opções de profecias) [9]:
Pedro: Creio em
Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra;
Moisés: “No
princípio Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1) ou Jeremias: “Foi ele
que fez a terra por seu poder, estabeleceu o mundo por sua sabedoria, e por sua
inteligência estendeu os céus” (Jr 51,15).
André: E em Jesus
Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
Davi: “O Senhor
me disse: Tu és meu Filho” (Sl 2,7).
Tiago: Que foi
concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria;
Isaías: “Eis que
a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14).
João: Padeceu sob
Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
Zacarias: “Verão
aquele que transpassaram” (Zc 12,10).
Tomé: Desceu à
mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia;
Jonas: “Eu sabia
que tu és um Deus de piedade e de ternura” (Jn 4,2) ou Oseias: “Do poder do Sheol quero livrá-los, resgatá-los da
morte. Onde está, ó morte, as tuas calamidades? Onde está, ó Sheol, o teu flagelo?” (Os 13,14).
Tiago: Subiu aos
céus, está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso;
Amós: “Aquele que
constrói nos céus suas altas moradas” (Am 9,6).
Filipe: Donde há
de vir para julgar os vivos e os mortos;
Joel: “Reunirei
todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá, ali entrarei em processo
contra elas” (Jl 4,2) ou Malaquias: “Eu me
aproximarei de vós para o julgamento e serei uma testemunha rápida” (Ml 3,5).
Os Doze Apóstolos no dia de Pentecostes (Vitral da igreja de São Pedro em Titchfield, Hampshire - Inglaterra) |
Bartolomeu: Creio
no Espírito Santo;
Salomão: “O
espírito do Senhor enche o universo” (Sb 1,7) ou Joel: “Derramarei
o meu espírito sobre toda a carne” (Jl 3,1).
Mateus: Na Santa
Igreja Católica, na comunhão dos Santos;
Sofonias: “Sim,
então darei aos povos lábios puros, para que todos possam invocar o nome do
Senhor e servi-lo sob um mesmo jugo” (Sf 3,9).
Simão: Na
remissão dos pecados;
Jeremias: “Vós me
invocareis, vireis e rezareis a mim, e eu vos escutarei” (Jr 29,12) ou Miqueias:
“Manifesta novamente a tua misericórdia por nós, calca aos pés as nossas
faltas, e lança no fundo do mar todos os nossos pecados” (Mq 7,19).
Tadeu: Na
ressurreição da carne;
Ezequiel: “Eis
que vou abrir os vossos túmulos e vos farei subir de vossos túmulos” (Ez 37,12).
Matias: Na vida
eterna;
Daniel: “E muitos
dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros
para o horror eterno” (Dn 12,2).
Com menor frequência, por fim, os doze Apóstolos são
relacionados com os doze filhos de Jacó, que se tornaram os Patriarcas das doze
tribos de Israel. Nesse caso a ordem dos Patriarcas é aquela de Gn 49, que
narra a bênção de Jacó a seus filhos.
“A cidade santa, Jerusalém, (...) estava cercada por uma muralha maciça
e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas
estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel. A muralha da cidade tinha
doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos do
Cordeiro” (Ap 21,9b.12.14)
Jesus, a "videira verdadeira", com os Apóstolos |
Para acessar as Catequeses do Papa Bento XVI sobre os Apóstolos, que publicamos aqui em nosso blog durante o Ano da Fé (2012-2013), clique nos links: Pedro / Paulo / André / Tiago / João / Tomé / Tiago e Filipe / Bartolomeu / Mateus / Simão e Tadeu.
Notas:
[1] HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica. in: CORDEIRO,
José de Leão (Org.). Antologia Litúrgica:
Textos Litúrgicos, Patrísticos e Canónicos do Primeiro Milénio.
Secretariado Nacional de Liturgia: Fatima, 2003, pp. 228-241.
[2] DENZINGER, Heinrich. Compêndio
dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas;
Loyola, 2007, n. 10, p. 20. Os nn. 21-30 (pp. 20-27) do Compêndio são dedicadas
à evolução do Símbolo dos Apóstolos. A forma final remonta aos séculos VII-VIII,
na Gália, acolhida no século X em Roma.
[3] Catecismo da
Igreja Católica, n. 188. Sobre o Símbolo, cf. os nn. 185-197.
[4] AMBRÓSIO: Explicação
do Símbolo, 2. in: Ambrósio de Milão. São Paulo: Paulus,
1996, p. 23. Coleção: Patrística, n.
5.
[5] cf. RATZINGER,
Joseph. Nota preliminar sobre a história
e a estrutura do Símbolo Apostólico da fé. in: Introdução ao Cristianismo: Preleções sobre o Símbolo Apostólico.
6ª edição. São Paulo: Loyola, 2012, pp. 61-63.
[6] HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário
dos Símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994,
p. 322.
[7] JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Solemnia: Origens, liturgia,
história e teologia da Missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, pp. 638-639.
[8] HEINZ-MOHR, op.
cit., p. 322.
[9] ibid., p. 323.
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