A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promulga a
cada quatro anos as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no
Brasil (DGAE).
Em sua 57ª Assembleia Geral, que ocorreu em Aparecida nos dias 01 a 10 de maio, a Conferência aprovou as novas Diretrizes para o
quadriênio 2019-2023, publicadas em seguida como o Documento n. 109 da CNBB.
Neste artigo gostaríamos de analisá-lo a partir da
perspectiva da Liturgia, como fizemos com os documentos ligados ao Sínodo dos Jovens de 2018. Cumpre dizer primeiramente que o tema da Liturgia adquire muito
mais importância nas atuais Diretrizes do que em suas antecessoras.
Capítulos 1 e 2: A imagem da cidade
“Jesus percorria todas
as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas e proclamando o Evangelho do
Reino” (Mt 9,35)
Após a Introdução (nn. 1-9), que apresenta o plano geral do documento,
os capítulos 1 (O anúncio do Evangelho de Jesus Cristo, nn. 10-40) e 2 (O olhar
de discípulos missionários, nn. 41-72) trazem reflexões mais gerais em relação
à evangelização, portanto não tratam diretamente sobre o tema da Liturgia.
O capítulo 1 apresenta os fundamentos da evangelização:
Jesus Cristo, “Missionário do Pai”, e a Igreja, chamada a anunciar o amor de
Deus n’Ele revelado. O capítulo 2, por sua vez, traz uma análise da sociedade
brasileira cada vez mais urbanizada: por isso elencamos estes dois capítulos
sob a imagem da cidade. O grande desafio proposto pela Igreja no Brasil neste
quadriênio é a pastoral urbana, a evangelização na cidade.
Capítulos 3 e 4: A imagem da casa
“Eles eram
perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do
pão e nas orações” (At 2,42)
Os capítulos 3 (A Igreja nas casas, nn. 73-123) e 4 (A
Igreja em missão, nn. 124-202), por sua vez, estão centrados na imagem de uma
casa, edificada sobre quatro pilares, que são as quatro propostas de
evangelização da Igreja neste quadriênio: Palavra
(Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral), Pão (Liturgia e espiritualidade), Caridade (Serviço à vida plena) e Ação Missionária (Estado permanente de
missão).
O capítulo 3 apresenta os quatro pilares, retomando alguns textos
bíblicos, e o capítulo 4 traz alguns encaminhamentos mais práticos.
Capítulo 3: A Igreja nas casas
Pilar da Palavra:
Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral
Já na apresentação do Pilar da Palavra (nn. 88-92), além de
mencionar as etapas da Iniciação Cristã (querigma, catecumenato, purificação,
iluminação e mistagogia), que interpelam diretamente as celebrações litúrgicas,
o documento define este processo como “fundamentado
na Sagrada Escritura e na Liturgia” (n. 90).
O tema da iniciação cristã já foi abordado no Documento n.
107 da CNBB: “Iniciação à vida cristã -
Itinerário para formar discípulos missionários”, citado diversas vezes ao
longo das Diretrizes.
Pilar do Pão:
Liturgia e espiritualidade
Naturalmente, nos números dedicados ao Pilar do Pão (nn.
93-101) encontramos várias referências ao tema da Liturgia, que aqui agrupamos
em cinco pontos:
a) Eucaristia: Os
nn. 93-94 trazem o tema da Eucaristia. O n. 93 destaca sua centralidade,
retomando a experiência dos primeiros cristãos, enquanto o n. 94 evoca a imagem
da mesa, símbolo da celebração como “ato
comunitário, que exige presença, acolhida das pessoas, cuidado e afeto pelos
outros”. A família se reúne ao redor da mesa da refeição, a Igreja ao redor
da mesa eucarística.
b) Oração: Os
números seguintes (95-97) não trazem tanto o tema da Liturgia e sim da
espiritualidade, destacando a importância da oração na vida cristã. Contudo,
como a Liturgia é essencialmente oração, estas reflexões podem ajudar-nos a
celebrá-la melhor.
Destacamos aqui o n. 97, que afirma: “é preciso superar a ideia de que o agir já é uma forma de oração.
Quando confundimos agir com rezar, chegamos a abreviar ou dispensar os tempos
de oração e de contemplação”. A tentação do ativismo atinge sobretudo
aqueles que exercem algum ministério litúrgico, os quais “correm o risco de se esquecer da dignidade batismal, como verdadeiros
sujeitos eclesiais, reduzindo-se a meros voluntários”.
c) Testemunho dos
santos: Ainda refletindo sobre o tema da espiritualidade, os dois números
seguintes (98-99) trazem o testemunho dos santos, particularmente os santos e
beatos do Brasil: os Mártires do Rio Grande do Norte (Santos André de Soveral,
Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e companheiros), São José de Anchieta,
Santo Antônio de Santana Galvão, Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus e
Santa Dulce Lopes Pontes, recentemente canonizada.
d) Piedade popular:
O número 100, retomando sobretudo o Documento de Aparecida e a Exortação Evangelii Gaudium, reitera o valor da
piedade popular, ao mesmo tempo que adverte para o risco de sua
instrumentalização.
e) Reconciliação:
Por fim, esta apresentação do Pilar do Pão conclui com uma referência ao
Sacramento da Reconciliação (n. 101), através do qual é possível “formar comunidades dispostas a percorrer um
caminho de discernimento espiritual, buscando a verdade do Evangelho”.
Pilar da Caridade:
serviço à vida plena
Na apresentação do Pilar da Caridade não encontramos uma
reflexão propriamente dita sobre a Liturgia, mas sim a citação da Oração
Eucarística VI-D (Jesus que passa fazendo o bem), indicada para algumas Missas
para Diversas Circunstâncias, que fundamenta a preocupação social da Igreja.
Reproduzimos o número 103 na íntegra:
“A Igreja reza em sua
Liturgia, dirigindo-se ao Pai, recordando que Jesus ‘sempre se mostrou cheio de
misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se
ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra anunciou ao
mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas’. Igualmente,
suplica: ‘Dai-nos olhos para ver as necessidades e sofrimentos dos nossos
irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e
oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo, e seguindo o seu mandamento, nos
empenhemos lealmente no serviço a eles’”.
(cf. Missal Romano,
pp. 860.864. A primeira parte da citação é um trecho do prefácio próprio da
Oração Eucarística e a segunda um trecho da intercessão pela Igreja).
Por fim, o quarto Pilar, da Ação Missionária, e a conclusão
do capítulo (Rumo à Casa da Santíssima Trindade), que abre a reflexão sobre a
evangelização a uma perspectiva escatológica, não trazem nenhuma reflexão sobre
a Liturgia.
Celebração Eucarística durante a Assembleia da CNBB |
Capítulo 4: A Igreja em missão
Pilar da Palavra:
Iniciação à vida cristã e animação bíblica da vida e da pastoral
O capítulo 4 é o que mais contém referências ao tema da
Liturgia, uma vez que traz algumas orientações mais práticas. Antes de entrar
no Pilar do Pão, encontramos ainda uma referência no Pilar da Palavra, que
retoma o n. 90.
Trata-se do n. 150, que propõe “assumir o caminho de iniciação à vida cristã, de inspiração
catecumenal, com a necessária reformulação da estrutura paroquial, catequética
e litúrgica, com especial atenção à catequese para recepção e vivência dos
sacramentos com crianças, jovens e adultos (sacramentos da iniciação cristã e
demais)”.
Pilar do Pão:
Liturgia e espiritualidade
Passando ao Pilar do Pão, encontramos antes dos
encaminhamentos práticos quatro números introdutórios, que abordam três temas:
a) Centralidade da
Eucaristia: O número 160 recorda a centralidade da Eucaristia para a
comunidade cristã, como já afirmado nos nn. 93-94. Reproduzimos esse número na
íntegra:
“A Eucaristia e a
Palavra são elementos essenciais e insubstituíveis para a vida cristã. Para que
a comunidade de fé seja casa aberta para todos, exercendo o acolhimento ativo e
a dinâmica de saída como conatural à sua existência, ela precisa se nutrir do
essencial, daquele ‘Pão da Vida’ (Jo 6,35) que revigora para a caminhada rumo
ao Reino definitivo. A Liturgia é o coração da comunidade. Ela remete ao
Mistério e, a partir dele, ao compromisso fraterno e missionário”.
b) Valor do domingo:
O número 161, por sua vez, traz o tema da valorização do domingo. Aqui já são
apresentadas algumas propostas práticas para esse dia, como:
Manter as igrejas
abertas;
Cuidar que haja clima
efetivo de acolhida àqueles que chegam;
Flexibilizar horários
para atender às necessidades dos fiéis;
Oferecer oportunidade
de participar da Celebração da Palavra onde efetivamente não for possível a
Celebração Eucarística;
Incentivar a criação
da pastoral litúrgica;
Valorizar o ministério
da Celebração da Palavra de Deus;
Cuidar da qualidade da
música litúrgica.
c) Extremos na
Liturgia: Por fim, os nn. 162-163 advertem sobre o perigo dos extremos na
Liturgia: de um lado, o “subjetivismo
emotivo” e do outro a “rigidez
rubricista”. Ambos impedem os fiéis de “mergulhar
no mistério de Deus, sem deixar o chão concreto da história de fora da oração
comunitária”.
Por fim, elencamos aqui os sete encaminhamentos práticos
propostos em relação ao Pilar do Pão nos nn. 164-170:
1. Centralidade do
domingo: Como já afirmado acima, é preciso redescobrir o valor do domingo
como Dia do Senhor, no qual a comunidade cristã se reúne para a Celebração
Eucarística ou, se efetivamente não for possível, para a Celebração da Palavra
de Deus (n. 164).
2. Celebrações da
Palavra: Retomando o número anterior, que prevê a Celebração da Palavra de
Deus nas comunidades onde realmente não for possível celebrar a Eucaristia, o
n. 165 recomenda a formação dos ministros para presidi-la (diáconos ou leigos),
recorrendo-se para isso ao Documento n. 108 da CNBB: “Ministério e Celebração da Palavra”.
3. Piedade popular:
Sobre o tema da piedade popular, já mencionado no n. 100, no número 166 se
propõe incentivá-la enquanto “caminho de
aprofundamento da fé e não apenas realidade meramente cultural ou folclórica”.
O documento recorda ainda que a piedade popular deve ser “iluminada pela Palavra de Deus e pelas orientações da Igreja” e que
não devem ser criadas novas devoções de modo artificial, às vezes com interesse
mercadológico.
4. Música e arte:
Na sequência se recorda a contribuição das artes à celebração: música
litúrgica, espaço sagrado, etc. Incentiva-se também a comunhão entre as
pastorais da Liturgia, Catequese e comissões de Cultura e Arte Sacra (n. 167).
5. Ano Litúrgico:
As Diretrizes reiteram ainda, no n. 168, a importância de respeitar o Ano
Litúrgico em seus vários ritmos. Advertem, pois, contra certas celebrações que
atendem interesses particulares, sem relação com o tempo litúrgico, e que “por vezes desfocam a importância da
centralidade do Domingo” (pensemos, por exemplo, em certas “novenas” e nos
denominados “Cercos de Jericó”).
6. Homilia: O
número 169 exorta a zelar pela qualidade da homilia, em sintonia com a
realidade litúrgica. Menciona-se aqui a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, que
dedica amplo espaço a este tema.
7. Meios de
comunicação: Por fim, o n. 170 recorda o contributo dos meios de
comunicação social. Por exemplo, as celebrações transmitidas por rádio,
televisão ou internet “atingem um enorme
contingente de fiéis que não podem ir às igrejas”, como enfermos e idosos.
Não obstante, as Diretrizes exortam a que estas celebrações “estejam em conformidade com as normas
litúrgicas” e que haja diálogo entre as pastorais da Liturgia e da
Comunicação.
Celebração Eucarística durante a Assembleia da CNBB |
Conclusão
A Conclusão (nn. 203-2210), após reiterar o convite à
evangelização e recomendar o estudo do documento nas várias instâncias
eclesiais (Dioceses, paróquias, comunidades), termina invocando a proteção de
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil (n. 210).
Para adquirir o documento, clique aqui para acessar o site das Edições CNBB.
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