Durante o último mês de outubro dedicamos uma série de
postagens aqui em nosso blog ao culto dos santos do Antigo Testamento (Abraão,
Moisés, Davi...), indicando suas comemorações no Martirológio Romano.
A partir desta postagem gostaríamos de dar sequência à proposta,
elencando os santos do Novo Testamento (NT) comemorados pelo
Martirológio. Não vamos tratar aqui, porém, dos santos do NT inscritos no Calendário Romano Geral, como a Virgem Maria, São José, São João
Batista, os Apóstolos, entre outros, uma vez que suas celebrações já são bastante conhecidas.
Nosso objetivo, portanto, são os outros personagens mencionados
nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos, nas Cartas Paulinas e no Apocalipse, nos referindo aos santos inscritos no Calendário apenas quando for
necessário (por exemplo, a Memória de Santa Marta está diretamente relacionada
à comemoração dos seus irmãos Maria e Lázaro, como veremos abaixo).
1. Santos mencionados nos Evangelhos:
Zacarias e Isabel: 23 de setembro
Comemoração dos Santos Zacarias e Isabel, pais de São João Batista,
Precursor do Senhor.
Isabel, quando recebeu em sua casa Maria, sua parente,
cheia do Espírito Santo saudou a Mãe do Senhor como bendita entre as mulheres.
Zacarias, sacerdote, cheio de espírito profético, ante o nascimento do filho,
louvou a Deus redentor e anunciou a próxima vinda de Cristo, que procede do
alto como sol nascente.
Começamos com Zacarias e Isabel, personagens de destaque no
capítulo 1 do Evangelho de Lucas. Algumas igrejas celebravam a
festa da Concepção de João Batista no dia 24 de setembro, nove meses antes da
Solenidade da sua Natividade (24 de junho). Com o tempo esta celebração foi
suprimida (embora ainda seja celebrada no Rito Bizantino) e a comemoração dos
pais do Precursor permaneceu no dia anterior.
As igrejas bizantinas celebram ainda Zacarias e Isabel no
dia 05 de setembro, mesma data em que são comemorados na Igreja Luterana. No
Rito Romano os dois ganham destaque na semana que antecede o Natal (dias 17 a
24 de dezembro), quando são lidos os relatos da infância do Senhor. Isabel
aparece ainda na Festa da Visitação de Nossa Senhora (31 de maio).
Santos Zacarias e Isabel |
Simeão e Ana: 03 de fevereiro
Em Jerusalém, a comemoração dos santos Simeão, ancião justo e piedoso,
e Ana, viúva e profetisa, que no dia em que o Menino Jesus foi levado ao templo
para ser apresentado segundo o costume da lei de Moisés, O mereceram saudar
como o Messias e Salvador, esperança e redenção de Israel.
Seguindo a tradição bizantina de celebrar os personagens de
uma festa no dia seguinte, após a Festa da Apresentação do Senhor recordamos o
justo Simeão e a profetisa Ana (cf. Lc 2,22-38). Estes dois personagens fazem
de certa forma a ponte entre o Antigo e o Novo Testamento, representando a
expectativa de Israel pela vinda do Messias e contemplando o cumprimento da
promessa.
Simeão e Ana aparecem no ícone da Apresentação do Senhor, sobre o qual falamos aqui.
Marta, Lázaro e Maria: 29 de julho
Memória de Santa Marta, que em Betânia, próximo de Jerusalém, recebeu
na sua casa o Senhor Jesus e, quando morreu o seu irmão, confessou: “Tu és
Cristo, o Filho de Deus, que veio ao mundo”.
Comemoração de São Lázaro, irmão de Santa Marta, por quem o Senhor
chorou ao saber que estava morto e a quem ressuscitou, e de Santa Maria, sua
irmã, que, enquanto Marta se atarefava no serviço de hospedagem, ela estava
sentada aos pés do Senhor e escutava a sua palavra.
À Memória de Santa Marta, inscrita no Calendário Romano
Geral, somam-se as comemorações de São Lázaro e Santa Maria. Os três irmãos de
Betânia são comemorados nesta mesma data pela Igreja Luterana e no Santuário a
eles dedicado na Terra Santa, onde são invocados como “Hospitum Domini”, “Hospedeiros do Senhor” (Lc 10,38-42). No Rito Bizantino,
porém, as duas irmãs são contadas entre as Miróforas, sobre as quais falaremos
mais adiante.
Marta e Maria aparecem ainda no episódio da
ressurreição de Lázaro (Jo 11,19-27), Evangelho proclamado no V Domingo da Quaresma (ano A) e à
escolha nas Missas dos defuntos.
Santos Lázaro, Marta e Maria, hospedeiros do Senhor |
Santo ladrão, chamado Dimas: 25 de março
Comemoração do santo ladrão, chamado “Dimas”, segundo a tradição, que
na cruz professou a fé em Cristo e mereceu ouvir d’Ele estas palavras: «Hoje
estarás comigo no paraíso».
Segundo uma antiga tradição, a Anunciação e a Crucificação
teriam acontecido no mesmo dia do ano. Assim, na mesma data em que celebramos a
Solenidade da Anunciação do Senhor, o Martirológio indica a comemoração do
ladrão a quem o Senhor promete o paraíso em Lc 23,39-43.
O nome Dimas (ou Dismas) aparece no relato apócrifo dos Atos de Pilatos, inserido no Evangelho de Nicodemos [1]. O segundo
relato desse Evangelho, a Descida de Cristo
ao Hades, narra ainda como a multidão dos justos do Antigo Testamento, liberta
por Cristo, encontra, a caminho do céu, o “ladrão penitente” carregando sua
cruz [2].
São Dimas |
Longinos: 16 de outubro
Em Jerusalém, a comemoração de São Longinos, venerado como o soldado
que abriu com a lança o lado do Senhor pregado na cruz.
Também dos Atos de
Pilatos [3] nos vem o nome do soldado que, de acordo com Jo 19,34, abriu o
lado de Jesus com a lança: Longinos ou Longinus (de lónkhe, “lança” em grego). Alguns o identificam também com o
centurião que fez sua “profissão de fé” nos Sinóticos: “Verdadeiramente este
homem era filho de Deus” (Mc 15,39 e paralelos).
São várias as tradições acerca deste personagem. No Rito
Bizantino, que também o celebra a 16 de outubro, ele é venerado como mártir,
título que aparece na base da sua estátua na Basílica de São Pedro (obra
de Gian Lorenzo Bernini).
São Longinos de Bernini |
José de Arimateia e Nicodemos: 31 de agosto
Em Jerusalém, comemoração dos Santos José de Arimateia e Nicodemos, que
acolheram o corpo de Jesus descido da cruz, o envolveram num lençol e colocaram
no sepulcro.
José, nobre decurião e discípulo do Senhor, esperava o reino de
Deus;
Nicodemos, fariseu e príncipe dos judeus, viera de noite ter com Jesus
para conhecer a sua missão e, perante os sumos sacerdotes e os fariseus que
queriam prender Jesus, defendeu a sua causa.
Ainda dentro do ciclo da Paixão, recordamos os justos José
de Arimateia (mencionado nos quatro Evangelhos) e
Nicodemos (que aparece apenas em João, dialogando com Jesus no capítulo 3 e
depois novamente na Paixão), responsáveis pelo sepultamento do Senhor. Ambos
ocupam um papel importante também no já citado Evangelho de Nicodemos.
São José de Arimateia |
Na Igreja Luterana o justo José de Arimateia é celebrado no
dia 31 de julho, mesma data em que é recordado por algumas igrejas de Rito
Bizantino. Neste rito, com efeito, ele é particularmente venerado: na Divina
Liturgia, ao cobrir o pão e o vinho com o véu quando estes são trazidos ao
altar, o sacerdote reza:
“O nobre José, tendo
descido da cruz o teu puríssimo corpo, envolveu-o num lençol puro, cobriu-o de
aromas e, com cuidado, depositou-o num sepulcro novo” [4].
Esta oração, com efeito, costuma ser escrita no antimension, ícone da descida de Cristo
da cruz (onde São José de Arimateia é retratado) que sempre deve estar
sobre o altar na Divina Liturgia. Além disso, o sepultamento de Cristo é
recordado na tarde da Sexta-feira Santa, com a menção de José em várias
orações.
Antimension |
Por fim, tanto José quanto Nicodemos costumam ser celebrados
junto com as Miróforas, as mulheres portadoras de aromas, no III Domingo da
Páscoa, sobre o qual falaremos mais em seguida. Neste domingo há um tropárion em honra de José (basicamente
a mesma oração da Divina Liturgia, com o acréscimo da Ressurreição):
“O nobre José, tendo
descido da cruz teu corpo imaculado, envolveu-o num lençol, cobriu-o de aroma e
o depositou com cuidado num túmulo novo. Mas, ao terceiro dia, ressuscitaste, ó
Senhor, dando ao mundo a grande misericórdia” [5].
Maria Madalena: 22 de julho
Festa de Santa Maria Madalena, que, liberta de sete demônios pelo
Senhor, se tornou sua discípula, seguindo-O até ao monte Calvário e, na manhã
da Páscoa, mereceu ser a primeira a ver o Salvador ressuscitado de entre os
mortos e levar aos outros discípulos o anúncio da ressurreição.
Maria de Cléofas e Salomé: 24 de abril
Em Jerusalém, a comemoração das santas mulheres Maria Cléofas e Salomé,
que, juntamente com Maria Madalena, ao amanhecer o dia da Páscoa se dirigiram
ao sepulcro do Senhor para ungir o seu corpo e foram as primeiras a ouvir o
anúncio da ressurreição.
Joana, esposa de Cuza: 24 de maio
Comemoração da Beata Joana, esposa de Cuza, procurador de Herodes, que,
juntamente com outras mulheres, serviam Jesus e os Apóstolos conforme as suas
possibilidades e no dia da Ressurreição do Senhor encontrou a pedra do túmulo
removida e foi anunciá-lo aos discípulos.
Maria Madalena, Maria de Cléofas, Salomé e Joana são as
quatro mulheres mencionadas nos Evangelhos como aquelas que levaram perfumes ao
túmulo do Senhor na manhã da Ressurreição [6]. A Igreja Luterana comemora Maria
Madalena no dia 22 de julho, como no Rito Romano, e as outras três no dia 03 de
agosto.
No Rito Bizantino, por sua vez, elas são particularmente
veneradas, conhecidas como as “Miróforas” (ou “Mirróforas”), do grego myron (perfume), donde “as portadoras de
perfumes” ou “as portadoras de aromas”. Às quatro mulheres citadas acima a
tradição bizantina acrescenta Marta e Maria de Betânia (sobre as quais já
falamos) e Susana (citada entre as seguidoras de Jesus em Lc 8,3),
completando um grupo de sete miróforas. Junto com elas recordam-se, como vimos,
José de Arimateia e Nicodemos.
Santas Miróforas |
Essas mulheres são celebradas no III Domingo da Páscoa no
Rito Bizantino, chamado justamente de “Domingo das Miróforas”. Seguem o tropárion e o kontákion próprios para este domingo, que se repetem durante toda a
semana:
“O Anjo, sentado
junto do túmulo, disse às mulheres portadoras de aroma: «Os aromas convêm aos
mortos; Cristo, porém, mostrou-se alheio à corrupção». Aclamai, pois: O Senhor
ressuscitou dando ao mundo a grande misericórdia!” (Tropárion)
“Ó Cristo Deus,
quando saudaste as miróforas, puseste fim à lamentação de Eva, a primeira Mãe,
e ordenaste-lhes de anunciar a teus Apóstolos que o Salvador ressuscitou do
túmulo” (Kontákion) [7].
As miróforas com a Virgem Maria |
Cléofas de Emaús: 25 de setembro
Comemoração de São Cléofas, discípulo do Senhor, que, seguindo em
viagem com outro discípulo, sentiu arder-lhe o coração quando Cristo, na tarde
da Páscoa, lhes apareceu no caminho e lhes explicava as Escrituras e depois, na
povoação de Emaús, reconheceu o Salvador na fração do pão.
Completando o ciclo da Ressurreição, temos a comemoração dos
dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). A Escritura nos dá apenas o nome de
Cléofas, enquanto a tradição nomeou o segundo como Simeão (ou Simão), que o
historiador Hegesipo identifica como filho de Cléofas (em algumas tradições,
porém, o outro discípulo é identificado como o próprio evangelista Lucas). Ambos
são celebrados como mártires no Santuário de Emaús, na Terra Santa.
Cristo com os discípulos de Emaús |
Magos: 24 de julho
Em Colônia, na Lotaríngia, atualmente na Alemanha, a trasladação dos
três reis magos, sábios do Oriente, que vieram a Belém, trazendo presentes,
para contemplar no Menino o mistério sublime do Unigênito de Deus.
Por fim, temos uma celebração “sui generis”. Embora os magos do Oriente sejam mencionados no Evangelho (Mt
2,1-12), esta comemoração diz respeito às suas supostas relíquias, levadas de
Constantinopla até Milão por Santo Eustórgio no século IV e tomadas pelo
Imperador Frederico Barbarossa do Sacro Império Romano-Germânico em 1164,
que as transladou para a Catedral de Colônia.
Embora envoltas em lendas, as relíquias atraíram milhares de
peregrinos a Colônia ao longo dos séculos. Os magos foram evidenciados durante
a Jornada Mundial da Juventude de 2005, em Colônia, com o tema “Venimus adorare eum”, “Viemos adorá-lo”
(Mt 2,2).
Relicário dos magos na Catedral de Colônia |
Tiago de Jerusalém,
Irmão de Jesus e Mártir: 23 de outubro
No elenco de comemorações dos justos do Novo Testamento pela
Igreja Luterana encontramos Tiago, o irmão do Senhor (cf. Mt 13,55; Mc 6,3; Gl 1,19). Enquanto a tradição romana
identifica este personagem com o Apóstolo Tiago, filho de Alfeu, as tradições
bizantina e luterana os consideram pessoas distintas.
Tiago, chamado de “o Justo”, de acordo com os testemunhos
dos historiadores antigos, como Eusébio de Cesareia [8], teria sido o primeiro Bispo de Jerusalém e o autor da Carta de
Tiago do Novo Testamento, martirizado provavelmente por apedrejamento em Jerusalém
em torno do ano 62.
São Tiago de Jerusalém, o Irmão do Senhor |
Santa Fotina, a
mulher samaritana:
Vale mencionar ainda a mulher samaritana que conversou com
Jesus junto ao poço (Jo 4,1-42), que os bizantinos veneram com o nome de Santa
Fotina (que significa “iluminada” em grego), Svetlana entre os eslavos.
Sua celebração ocorre no V Domingo da Páscoa, chamado de
“Domingo da Samaritana”, quando se lê o respectivo relato evangélico (no Rito Romano essa passagem é lida no IV Domingo da Quaresma do ano A).
“A Samaritana, tendo
ido com fé ao poço, viu-te, ó Água da sabedoria, e saciada por ti a sua sede, herdou o reino eterno do céu” (Kontákion da Samaritana) [9].
Santa Fotina (Svetlana), a mulher samaritana |
[Para acessar a segunda parte desta série, dedicada aos santos mencionados nos Atos dos Apóstolos, clique aqui]
[Para acessar a terceira parte desta série, dedicada aos santos mencionados nas Cartas Paulinas e no Apocalipse, clique aqui]
Notas:
[1] Atos de Pilatos,
cap. 9,5;10,1-2. in: PROENÇA,
Eduardo de (Org.) Apócrifos e
pseudo-epígrafos da Bíblia, v. I. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 551.
[2] Descida de Cristo
ao Inferno: Versão grega, cap. 10. in: PROENÇA, op. cit., p. 568.
[3] Atos de Pilatos,
cap. 17,7. in: PROENÇA, op. cit., p. 560.
[4] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.).
Hieratikon: Pequeno Missal Bizantino.
Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 49.
[5] idem. Liturgikon: Próprio das Festas no Bizantino.
Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 140.
[6] Maria Madalena é mencionada nos quatro Evangelhos (Mt
28,1; Mc 16,1; Lc 24,10; Jo 20,1); Maria de Cléofas nos três Sinóticos; Salomé
apenas em Mc e Joana em Lc.
[7] SPERANDIO; TAMANINI; Liturgikon,
p. 140.
[8] cf. EUSÉBIO de
Cesareia, História Eclesiástica. São
Paulo, Paulus, 2000, pp. 104-109.
[9] SPERANDIO; TAMANINI; Liturgikon,
p. 146.
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