Recordando
os 20 anos do Grande Jubileu do ano 2000, estamos analisando aqui em nosso blog,
sob a perspectiva da Liturgia, os documentos dos Sínodos continentais que foram
realizados em preparação ao Grande Jubileu.
Já
contemplamos quatro documentos, frutos dos Sínodos para a África, a América, a
Ásia e a Oceania. Falta-nos apenas o Sínodo para a Europa, celebrado em Roma de
01 a 23 de outubro de 1999.
Analisaremos
aqui a Exortação Apostólica Ecclesia in Europa,
promulgada pelo Papa João Paulo II em 28 de junho de 2003. Este, dos cinco
documentos, é o que dedica mais espaço ao tema da Liturgia e dos sacramentos,
como veremos a seguir.
João Paulo II
Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia
in Europa
Sobre Jesus Cristo, vivo na sua
Igreja, fonte de esperança para a Europa
Capítulo I: Jesus Cristo é nossa esperança
«Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente» (Ap 1,17-18)
Já na Introdução, o Papa esclarece que tomará como guia o Livro do Apocalipse, no qual a Liturgia
ocupa um papel fundamental. Assim, no início do capítulo I, ao comentar a
“visão preparatória” (Ap 1,9-20), cujos elementos são retomados nas cartas às
sete igrejas (cap. 2-3), o simbolismo dos “sete castiçais de ouro” é
interpretado como uma referência à Liturgia: “Ele caminha no meio dos sete castiçais de
ouro (cf. Ap 2,1):
está presente e ativo na sua Igreja em
oração” (n. 06).
Na primeira parte do capítulo
I o Papa apresenta os “Desafios e sinais de esperança para a Igreja
na Europa”. Dentre os sinais de esperança encontra-se o testemunho dos
mártires, que também é interpretado como uma “Liturgia”:
“(...) os mártires celebram o ‘Evangelho da esperança’, porque a
oferta da sua vida é a manifestação maior e mais radical daquele sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus que constitui o verdadeiro culto espiritual (cf. Rm 12,1),
origem, alma e apogeu de toda a celebração cristã” (n. 13).
A segunda parte
do capítulo I está centrada na pessoa de Jesus Cristo: “Voltar a Cristo,
fonte de toda a esperança”. No último parágrafo do capítulo, o Papa
recorda as “presenças” de Cristo na sua Igreja, destacando a Palavra, a
Eucaristia e as ações litúrgicas.
“(...) Com os olhos da fé, somos
capazes de ver a presença misteriosa de Jesus nos diversos sinais que nos
deixou. Está presente antes de mais nada na Sagrada Escritura, que fala d'Ele
em todas as suas páginas (cf. Lc 24,27.44-47);
de modo verdadeiramente único, porém, Ele está presente sob as espécies eucarísticas. Esta «presença
chama-se “real” não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem
“reais”, mas por excelência, porque é substancial,
e porque por ela se torna presente Cristo completo, Deus e homem» (Paulo VI, Carta Enc. Mysterium
fidei; cf. Sagr. Congr. dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium, 9; Catecismo da Igreja Católica, 1374). De fato, na Eucaristia
«estão contidos, verdadeira, real
e substancialmente, o Corpo e o Sangue, conjuntamente com a alma e a
divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo completo» (Conc. Ecum. de Trento, Decretum de ss. Eucharistia, cân. 1). «Verdadeiramente
a Eucaristia é mysterium fidei,
mistério que supera os nossos pensamentos e só pode ser aceite pela fé» (João Paulo II, Carta Enc. Ecclesia de Eucharistia, 15.). Real é também a presença de Jesus nas outras
ações litúrgicas da Igreja, que esta
celebra em seu nome. Entre elas, contam-se os sacramentos, ações de Cristo, que
Ele realiza por meio dos homens (cf. S. Agostinho, In Ioannis Evangelium, Tractatus VI,
cap. I, n. 7: PL 35,
1428; S. João Crisóstomo, Sobre a
traição de Judas, 1, 6: PG 49,
380C.)” (n. 22).
Papa Francisco celebra Missa em Assis, Itália (2013) |
Capítulo II: O Evangelho da esperança confiado à Igreja do novo milênio
«Desperta e reanima o resto que está para morrer» (Ap 3,2)
Na primeira parte do capítulo II, intitulada
“O Senhor chama à conversão”,
o Papa chama a atenção para a tentação do ativismo, contra a qual propõe
redescobrir o sentido da vida litúrgica e da oração:
“(...) Num contexto
onde é fácil sentir a tentação do ativismo mesmo a nível pastoral, é pedido aos
cristãos da Europa que continuem a ser uma
transparência real do Ressuscitado, vivendo em comunhão íntima com Ele.
Há necessidade de comunidades que, contemplando e imitando a Virgem Maria,
figura e modelo da Igreja na fé e na santidade (cf. Catecismo da Igreja Católica, 773;
João Paulo II, Carta Ap. Mulieris
dignitatem, 27), preservem o sentido da vida litúrgica e da vida interior. Deverão antes de mais nada e
sobretudo louvar o Senhor, invocá-Lo, adorá-Lo e escutar a sua Palavra. Só
assim poderão assimilar o seu mistério, vivendo totalmente orientadas para Ele,
como membros da sua Esposa fiel” (n. 27).
Ainda sobre o tema da conversão, o Pontífice exorta ao diálogo
ecumênico, recordando o contributo das Igrejas Católicas Orientais,
especialmente no diálogo com nossos irmãos ortodoxos, com a diversidade de seus
ritos:
“Apesar das inevitáveis
dificuldades, convido todos a reconhecerem e valorizarem, com amor e
fraternidade, o contributo que as Igrejas Católicas Orientais podem oferecer para uma efetiva
edificação da unidade pelo simples fato da sua presença, a riqueza da sua tradição,
o testemunho da sua «unidade na diversidade», a inculturação por elas realizada
no anúncio do Evangelho, a diversidade dos seus ritos” (n. 32).
Com efeito, na Europa encontram-se não apenas a maior parte das Igrejas
Ortodoxas, mas também a maioria das Igrejas Orientais Católicas que seguem o
Rito Bizantino: Ucraniana, Romena, Eslovaca, Húngara, entre outras.
Na segunda parte do capítulo
II, intitulada “A Igreja inteira
enviada em missão”, o Papa
recorda a responsabilidade de todos no anúncio do Evangelho: ministros
ordenados, religiosos e leigos. Em relação à Liturgia se recorda a missão dos
sacerdotes (n. 34) e dos diáconos (n. 36):
“Em virtude do seu ministério, os sacerdotes são chamados de um modo
especial a celebrar, ensinar e
servir o Evangelho da esperança. Graças ao sacramento
da Ordem que os configura com Cristo, Cabeça e Pastor, os Bispos e os
sacerdotes devem conformar toda a sua vida e atividade com Jesus; mediante a
pregação da Palavra, a celebração dos
sacramentos e a condução da comunidade cristã, tornam presente o mistério
de Cristo” (n. 34).
“Com os presbíteros, desejo
recordar também os diáconos, que, embora em grau
diverso, participam do mesmo sacramento
da Ordem. Colocados ao serviço da comunhão eclesial, exercem, sob a guia do
Bispo e com o seu presbitério, a «diaconia» da Liturgia, da Palavra e da caridade (cf. Lumen gentium, 29)” (n. 36).
Capítulo III: Anunciar o Evangelho da esperança
«Toma o livro aberto (...) e come-o» (Ap 10,8.9)
O capítulo III é dedicado ao tema do anúncio do Evangelho. Na primeira parte, “Proclamar o mistério de Cristo”, o Papa adverte que este anúncio, também no
contexto da Liturgia, deve vir acompanhado de um testemunho de vida:
“(...) não basta oferecer a verdade e a graça através da proclamação da
Palavra e da celebração dos Sacramentos;
é necessário acolhê-las e vivê-las em cada circunstância concreta, no modo de
ser dos cristãos e das comunidades eclesiais” (n. 49).
Desta forma o Santo Padre faz eco aos nn. 9-10 da Constituição Sacrosanctum Concilium, que recordam que
“a sagrada Liturgia não esgota toda a ação da Igreja”, mas é fonte e ápice que
“impele os fiéis, saciados pelos «mistérios pascais», a viverem «unidos no
amor»”.
Missa em Czestochowa, Polônia (2016) |
Ainda nesta primeira parte do capítulo, os nn. 50-52 são dedicados à
formação para a fé, destacando, no n. 51, a importância da catequese:
“Além de cuidarem de que o
ministério da Palavra, a celebração da Liturgia
e o exercício da caridade tenham em vista a edificação e fortalecimento duma fé
madura e pessoal, é preciso que as comunidades cristãs procurem propor uma catequese adaptada
aos diferentes itinerários espirituais dos fiéis segundo as respectivas idades
e estados de vida, prevendo-se ainda adequadas formas de acompanhamento
espiritual e de redescoberta do próprio Batismo. Obviamente
um ponto fundamental de referência neste trabalho há de ser o Catecismo da Igreja Católica”
(n. 51).
No mesmo n. 51 se reforça a importância de que a catequese seja
iluminada pela Sagrada Escritura, pela Liturgia e pela Tradição da Igreja. Com
efeito, a estreita relação entre Liturgia e Catequese é um tema a ser
redescoberto neste terceiro milênio.
“Referida constantemente à Palavra
de Deus, conservada na Sagrada Escritura, proclamada
na Liturgia e interpretada pela Tradição da Igreja, uma catequese orgânica
e sistemática constitui, sem sombra de dúvida, um instrumento essencial e
primário de formação dos cristãos para uma fé adulta (cf. João Paulo II, Exort.
Ap. Catechesi tradendae,
21)” (n. 51).
Após retomar o tema do diálogo na segunda parte, na terceira parte desse capítulo III, intitulada “Evangelizar a vida social”,
o Santo Padre trata da evangelização em diferentes contextos: no mundo da
cultura, nos meios de comunicação social, entre outros. Os nn. 61-62 são
dedicados à evangelização dos jovens, a qual comporta também momentos de oração
e de vivência sacramental:
“(...) devem-se promover ocasiões
de encontro entre os jovens, nos quais se favoreça um clima de escuta mútua e
de oração. Não é preciso ter medo de ser exigentes com eles no que se refere ao
seu crescimento espiritual. Seja-lhes indicado o caminho da santidade,
animando-os a tomarem decisões empenhativas no seguimento de Jesus, sustentados
por uma intensa vida sacramental”.
(n. 62).
Capítulo IV: Celebrar o Evangelho da esperança
«Ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações
de graças, honra, glória e poder para todo o sempre» (Ap 5,13)
O capítulo IV, como indica o título, é dedicado à “celebração do
Evangelho”, isto é, à Liturgia. Para nortear nosso estudo, apresentamos um
breve resumo dos temas abordados. Após a introdução ao capítulo (n. 66), este é
dividido em duas partes:
I. Redescobrir a Liturgia (nn. 67-73)
nn. 67-71: Redescobrir a Liturgia
nn. 72-73: Formação litúrgica
II. Celebrar os sacramentos (nn. 74-82)
n. 74: Introdução
n. 75: Eucaristia
nn. 76-77: Reconciliação
nn. 78-80: Liturgia das Horas e piedade popular
nn. 81-82: O dia do Senhor
O n. 66, que introduz
o capítulo, intitulado “Uma comunidade orante” recorda a dimensão
litúrgica do Livro do Apocalipse, que tem norteado as reflexões do Documento:
“O Evangelho da esperança,
anúncio da verdade que liberta (cf. Jo 8,32), deve ser celebrado. Diante do Cordeiro do Apocalipse, tem início uma
solene Liturgia de louvor e de
adoração: «Ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas ações de
graças, honra, glória e poder para todo o sempre» (Ap 5,13). A própria visão, que revela Deus e o sentido da história,
tem lugar «no dia do Senhor» (Ap 1,10),
o dia da ressurreição recordado pela assembleia dominical” (n. 66).
Missa em Fátima, Portugal (2017) |
No mesmo n. 66, a partir do dado bíblico, o Papa convida a Igreja, e
particularmente a Igreja na Europa, a ser comunidade orante, que descobre a
presença do Senhor nos sacramentos e na Liturgia:
“A Igreja, que acolhe esta revelação, é uma comunidade que reza. Ao
rezar, escuta o seu
Senhor e aquilo que o Espírito lhe diz (cf. Ap 2,1-3.22); adora, louva, agradece, e também
implora a vinda do Senhor: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22,16.20), afirmando deste modo que só d'Ele espera a
salvação.
Também é pedido a ti, Igreja de Deus que
vives na Europa, para seres comunidade que reza, celebrando o teu Senhor
através dos sacramentos, da Liturgia e da vida inteira. Na oração,
descobrirás a presença vivificante do Senhor. Deste modo, enraizando n'Ele toda
a tua ação, poderás propor de novo aos europeus o encontro com Ele mesmo,
esperança verdadeira e única capaz de satisfazer plenamente o anseio de Deus, oculto
nas diversas formas de busca religiosa que surgem na Europa contemporânea” (n. 66).
Entrando na primeira parte do
capítulo IV que, como vimos, convida a “Redescobrir
a Liturgia”, temos dois
parágrafos introdutórios que destacam o “sentido religioso na Europa atual”. No n. 67 se destaca que, apesar do
crescente fenômeno da secularização, há na Europa “sinais que ajudam a esboçar o rosto de uma Igreja que, acreditando, anuncia,
celebra e serve o seu Senhor”. No n. 68, por sua vez, o Papa adverte
contra uma “religiosidade vaga”, que
deve ser acolhida e purificada.
A resposta a esta “religiosidade vaga” é justamente a redescoberta do
valor da Liturgia, como exorta o Pontífice no n. 69, “Uma Igreja que celebra”:
“(...) redescobrir o
sentido do «mistério»; renovar as celebrações
litúrgicas para que sejam sinais mais eloquentes da presença de Cristo
Senhor; proporcionar novos espaços de silêncio, oração e contemplação; voltar
aos sacramentos, sobretudo à Eucaristia e à Penitência, como fontes de liberdade e de nova esperança.
Por isso, a ti, Igreja que vives na Europa,
dirijo um premente convite: sê
uma Igreja que reza, louva a Deus, reconhece-Lhe o primado absoluto e
exalta-O com jubilosa fé. Redescobre
o sentido do mistério: vive-o com humilde gratidão; testemunha-o
com alegria convicta e contagiante. Celebra
a salvação de Cristo: acolhe-a como um dom que faz de ti seu
sacramento; faz da tua vida o verdadeiro culto espiritual agradável a Deus
(cf. Rm 12,1)” (n. 69).
No n. 70 o Papa
exorta a redescobrir o verdadeiro sentido da Liturgia, apresentando alguns
elementos que serão retomados no parágrafo seguinte:
“(...) é urgente que se reavive na Igreja o autêntico sentido da Liturgia. Esta, como foi
recordado pelos Padres sinodais, é instrumento de santificação, celebração
da fé da Igreja, meio de transmissão da fé. Constitui, juntamente com a Sagrada
Escritura e os ensinamentos dos Padres da Igreja, uma fonte viva de autêntica e
sólida espiritualidade. Como bem salienta a tradição das venerandas Igrejas do
Oriente, os fiéis, através da Liturgia, entram em comunhão com a Santíssima
Trindade, experimentando como dom da graça a sua participação na natureza
divina. Ela torna-se assim antecipação da bem-aventurança final e participação
na glória celeste” (n. 70).
O n. 71 começa explicando qual é o verdadeiro sentido da Liturgia: Jesus. É necessário “pôr novamente ao
centro Jesus”, superando assim uma Liturgia que coloca o homem no centro,
seja através de uma preocupação apenas com a dimensão social, seja através do
“sentimentalismo”.
“Nas celebrações, é preciso pôr novamente ao centro Jesus,
para deixar-se iluminar e guiar por Ele. Podemos encontrar aqui uma das
respostas mais eficazes que as nossas comunidades são chamadas a dar a uma
religiosidade vaga e inconsistente. A Liturgia
da Igreja não tem como objetivo aplacar os desejos e os medos do homem, mas
escutar e acolher Jesus, o Vivente, que honra e louva o Pai, para louvá-Lo e
honrá-Lo com Ele. As celebrações eclesiais proclamam que a nossa esperança vem
de Deus, por meio de Jesus nosso Senhor” (n. 71).
Retomando a “tradição das Igrejas do Oriente” mencionada no n. 70, se
reforça que a Liturgia é antes de tudo obra da Santíssima Trindade (como
indicado pelo Catecismo da Igreja
Católica, nn. 1077-1112):
“Trata-se de viver a Liturgia como obra da Santíssima Trindade. Nos mistérios
celebrados, é o Pai que trabalha para nós; é Ele que nos fala, perdoa, escuta,
dá o seu Espírito; a Ele nos dirigimos, a Ele escutamos, louvamos, invocamos. É
Jesus que atua para a nossa santificação, tornando-nos participantes do seu
mistério. É o Espírito Santo que age com a sua graça e faz de nós o Corpo de
Cristo, a Igreja” (n. 71).
Missa em Dublin, Irlanda (2018) |
Ainda retomando o que foi dito no n. 70, se recorda a dimensão
“escatológica” da Liturgia, enquanto participação na Liturgia celeste, como
ensina a Constituição Sacrosanctum
Concilium, citada abaixo:
“A Liturgia deve ser vivida como anúncio e antecipação da glória futura, meta última da nossa
esperança. De fato, como ensina o Concílio, «pela Liturgia da terra
participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de
Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos, (...) até nosso Senhor
Jesus Cristo aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória» (Sacrosanctum Concilium, 8)” (n. 71).
Por fim, os últimos dois parágrafos desta primeira parte do capítulo
(nn. 72-73) tratam do tema da “Formação
litúrgica”. O Papa inicia o n. 72 recordando que esta formação deve ser contínua
e diz respeito a todos: ministros ordenados, religiosos e leigos. A formação
também não pode basear-se em critérios arbitrários, mas sim colaborar na
redescoberta do sentido do mistério:
“A verdadeira renovação, longe de servir-se de atos
arbitrários, consiste em desenvolver cada vez melhor a consciência do sentido
do mistério, para fazer das Liturgias
momentos de comunhão com o mistério grande e sagrado da Santíssima Trindade.
Celebrando as ações sagradas como relacionamento com Deus e acolhimento dos
seus dons, expressão de autêntica vida espiritual, a Igreja na Europa poderá
verdadeiramente alimentar a sua esperança e oferecê-la a quem a perdeu” (n.
72).
No n. 73, por sua vez, o Santo Padre insiste que a formação seja
acompanhada de uma autêntica espiritualidade, promovendo assim a “mistagogia litúrgica”,
isto é, a iniciação sempre crescente no sentido do mistério:
“(...) é necessário um grande
esforço de formação. Tendo
como finalidade favorecer a compreensão do verdadeiro sentido das celebrações
da Igreja e ainda uma adequada instrução sobre os ritos, tal formação requer
uma autêntica espiritualidade e a educação para vivê-la em plenitude. Por
conseguinte, há que promover ainda mais uma verdadeira «mistagogia litúrgica», com a participação ativa de todos os fiéis, cada qual segundo as
próprias competências, nas ações sagradas, particularmente na Eucaristia”
(n. 73).
A segunda parte do capítulo
IV é intitulada “Celebrar os
sacramentos”. O cuidado na
celebração e na pastoral dos sacramentos, evitando assim sua banalização, são
destacados no n. 74:
“Um lugar de grande relevo há de
ser reservado à celebração dos sacramentos, enquanto atos de Cristo e da Igreja, ordenados
a prestar culto a Deus, à santificação dos homens e à edificação da comunidade
eclesial. Sabendo que neles age o próprio Cristo por meio do Espírito Santo, sejam celebrados com o máximo cuidado e
criando as condições adequadas. As Igrejas particulares do continente terão a
peito reforçar a sua pastoral dos
sacramentos para dar a conhecer a sua verdade profunda. Os Padres sinodais
puseram em evidência esta necessidade, para contrastar dois perigos: por um
lado, certos ambientes eclesiais parecem ter perdido o genuíno sentido do
sacramento e poderiam banalizar os mistérios celebrados; por outro, muitos batizados,
seguindo costumes e tradições, continuam a recorrer aos sacramentos em momentos
significativos da sua existência, mas não vivem de acordo com as indicações da
Igreja” (n. 74).
Na sequência são tratados particularmente dois sacramentos: a Eucaristia
(n. 75) e a Reconciliação (nn. 76-77). O parágrafo sobre a Eucaristia recorda
sua importância, citando alguns documentos eclesiais:
“A Eucaristia, dom
supremo de Cristo à Igreja, torna sacramentalmente presente o sacrifício de
Cristo oferecido pela nossa salvação: «Na santíssima Eucaristia, está contido
todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa» (Presbyterorum
Ordinis, 5). Nela, «fonte e centro de toda a vida cristã» (Lumen gentium,
11), bebe a Igreja, na sua peregrinação, achando lá a fonte de toda a
esperança. De fato, a Eucaristia «dá estímulo à nossa caminhada na história,
lançando uma semente de ativa esperança na dedicação diária de cada um aos seus
próprios deveres» (João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 20).
Todos somos convidados
a confessar a fé na Eucaristia,
«penhor da glória futura», seguros de que a comunhão com Cristo, agora vivida
como peregrinos na existência mortal, antecipa o encontro supremo daquele dia
em que «seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é» (1Jo 3,2). A Eucaristia é uma
«amostra de eternidade no tempo», é presença divina e comunhão com ela;
memorial da Páscoa de Cristo, é por sua natureza portadora da graça na história
humana. Abre para o futuro de Deus; sendo comunhão com Cristo, com o seu Corpo
e o seu Sangue, ela é participação na vida eterna de Deus (cf.
João Paulo II, Audiência Geral, 25
de outubro de 2000, 2)” (n. 75).
Missa em Blaj, Romênia (2019) |
A redescoberta do sacramento da Reconciliação, por sua vez, acompanhada
da formação da consciência, é apresentada como resposta ao fenômeno do
relativismo. O Papa insiste, porém, que a forma deste sacramento é a confissão
individual dos pecados seguida da absolvição. As “absolvições coletivas” não
são uma forma alternativa do sacramento, mas sim um recurso extraordinário em
situações bem específicas:
“(...) é necessário que o sacramento da Reconciliação seja
revitalizado na Igreja da Europa. Há que reafirmar, porém, que a forma deste
sacramento é a confissão pessoal dos pecados seguida da absolvição individual.
Tal encontro do penitente com o sacerdote deve ser promovido de todas as formas
previstas no rito do Sacramento.
Perante a perda generalizada do sentido do pecado e o acentuar-se de uma
mentalidade eivada de relativismo e subjetivismo em campo moral, é preciso que
cada comunidade eclesial providencie uma séria formação das consciências. Os
padres sinodais insistiram para que seja claramente reconhecida a verdade do
pecado pessoal e a necessidade do perdão pessoal de Deus através do ministério
do sacerdote. As absolvições coletivas não são uma forma alternativa de
administrar o sacramento da Reconciliação (cf. João Paulo
II, Motu proprio Misericordia Dei,
4)” (n. 76).
Na sequência, no n. 77, João Paulo II dirige-se diretamente aos
sacerdotes, exortando-os a serem disponíveis no atendimento das confissões,
acolhendo os fiéis com misericórdia, mas sem relativizar a lei moral da Igreja:
“Dirijo-me aos sacerdotes, exortando-os a
disponibilizarem-se generosamente para atender a confissão e a darem eles
mesmos o exemplo aproximando-se regularmente do sacramento da Penitência. (...)
Além disso, prestem particular atenção às condições concretas de vida em que se
encontram os fiéis e procurem pacientemente levá-los a reconhecerem as
exigências da lei moral cristã, ajudando-os a viverem o sacramento como um
encontro feliz com a misericórdia do Pai celeste (cf.
João Paulo II, Carta aos
sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa, 17 de março de 2002, 4)”
(n. 77).
Com o título de “Oração e
vida”,
os nn. 78-80 recordam outras formas de oração, litúrgicas e não litúrgicas. A
primeira delas é o culto eucarístico fora da Missa:
“A par da Celebração Eucarística,
é preciso promover também outras formas de oração comunitária, ajudando a descobrir a ligação que existe
entre elas e a oração litúrgica. De modo particular, conservando viva a
tradição da Igreja latina, sejam promovidas as diversas manifestações do culto
eucarístico fora da Missa: adoração pessoal, exposição e
procissão, entendidas como expressão de fé na presença real do Senhor que permanece
no Sacramento do Altar” (n. 78).
Na sequência o Papa recomenda outra forma de oração litúrgica: a
Liturgia das Horas.
“Na celebração pessoal e
comunitária da Liturgia das Horas, que se
reveste de singular valor mesmo para os fiéis leigos, como lembrou o Concílio
Vaticano II (cf. Sacrosanctum
Concilium, 100), procure-se ensinar a ver a referida conexão com o
mistério eucarístico” (n. 78).
Por fim, neste mesmo parágrafo, motivam-se também as orações
não-litúrgicas: primeiramente a oração em família, que se torna uma verdadeira
“Liturgia doméstica”, e mesmo a oração pessoal, que nos ajuda a viver
melhor a oração litúrgica.
Missa em Bari, Itália (2020) - Encontro dos Bispos do Mediterrâneo |
No parágrafo seguinte (n. 79) o Santo Padre recorda a piedade popular,
que enriquece a vivência da Liturgia e do Ano Litúrgico. Uma vez que em 2003,
quando foi promulgada esta Exortação, a Igreja celebrava o “Ano do Rosário”, é
destacada essa oração:
“Reserve-se uma especial atenção
também à piedade popular. Esta, presente em larga escala nas diversas
regiões da Europa através das confrarias, das peregrinações e procissões nos
numerosos santuários, enriquece o caminho do Ano Litúrgico, inspirando usos e
costumes familiares e sociais. Todas estas formas devem ser objeto duma
cuidadosa pastoral de promoção e renovamento, ajudando a desenvolver tudo o que
nelas seja genuína expressão da sabedoria do povo de Deus. Tal é, sem dúvida, o
santo rosário. Neste ano que lhe é dedicado, apraz-me recomendar mais uma vez a
sua recitação, porque «o rosário, quando descoberto no seu pleno significado,
conduz ao âmago da vida cristã, oferecendo uma ordinária e fecunda oportunidade
espiritual e pedagógica para a contemplação pessoal, a formação do povo de Deus
e a nova evangelização» (João Paulo II, Carta Ap. Rosarium Virginis Mariae, 3)”
(n. 79).
Não obstante sua riqueza, se adverte para os abusos na piedade popular,
sendo necessário sempre “evangelizá-la”, vivendo-a em harmonia com a Liturgia.
Pode ajudar neste sentido a reflexão do “Diretório
sobre piedade popular e Liturgia” (publicado em 2002).
“No campo da piedade popular, é
preciso vigiar constantemente sobre aspectos ambíguos de determinadas
manifestações, preservando-as de desvios secularistas, de consumismos
imprudentes ou mesmo de riscos de superstição, para mantê-las sob formas
maturas e autênticas. Há que realizar uma obra pedagógica, explicando como a
piedade popular deve ser vivida sempre de harmonia com a Liturgia da Igreja e
em conexão com os sacramentos” (n. 79).
O tema da “Oração e vida” é
concluído no n. 80 com a exortação a viver toda a existência quotidiana como «culto
espiritual agradável a Deus» (cf. Rm 12,1).
O último tema tratado neste capítulo IV é “dia do Senhor”, isto é, o
domingo. Após lamentar, no n. 81, as diversas circunstâncias que têm levado à
perda do sentido deste dia, o Papa exorta no n. 82 à sua redescoberta, citando
sua Carta Dies Domini:
“Renovo, pois, o convite para
se recuperar o significado mais
profundo do dia do Senhor: seja
santificado com a participação na Eucaristia
e com um repouso rico de alegria cristã e de fraternidade. Seja celebrado como
centro de todo o culto, incessante prenúncio da vida sem fim, que reaviva a
esperança e anima a caminhar. Por isso, não haja medo de defendê-lo contra qualquer ataque e esforçar-se por que seja
salvaguardado na organização do trabalho, para que possa ser um dia
para o homem a bem da sociedade inteira. De fato, se o domingo for privado do
seu significado originário e deixar de haver nele possibilidade de dar espaço
adequado à oração, ao repouso, à união e à alegria, pode acontecer que «o homem
permaneça encerrado num horizonte tão restrito, que já não lhe permite ver o
“céu”. Então, mesmo bem trajado, torna-se intimamente incapaz de “festejar”» (João Paulo II, Carta Ap. Dies Domini, 4). E, sem a dimensão da festa, a esperança
não encontraria uma casa onde habitar” (n. 82).
Capítulo V: Servir o Evangelho da esperança
«Conheço as tuas obras, a tua caridade, o teu serviço, a tua fé, a tua
paciência» (Ap 2,19)
O capítulo V é dedicado ao serviço da caridade. Em sua segunda parte, intitulada “Servir o homem na sociedade” temos a última referência à Liturgia na Exortação, quando o Papa trata do tema
da família.
Aqui se exorta à adequada preparação dos
jovens para o sacramento do Matrimônio, uma preparação em “estilo catecumenal”
que continue o acompanhamento após a celebração:
“Um cuidado particular deve ser
reservado à educação para o amor nos jovens e noivos, através de
específicos itinerários de preparação para a celebração do sacramento do matrimônio, ajudando-os a viverem castamente até esse
momento. Na sua obra educadora, a Igreja estenderá a sua solicitude aos
recém-casados, acompanhando-os também depois da celebração das núpcias” (n.
92).
Nossa Senhora de Fátima |
Concluímos assim nosso percurso pelos documentos dos cinco Sínodos
continentais em preparação ao Grande Jubileu do ano 2000. No mês de janeiro de
2021 analisaremos sob a perspectiva da Liturgia também a Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, promulgada pelo
Papa João Paulo II no encerramento do Jubileu e em vista do novo milênio.
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