Consistório Ordinário Público para a criação de 13 novos Cardeais
Homilia
do Papa Francisco
Basílica
de São Pedro
Sábado,
28 de novembro de 2020
Jesus e os discípulos «iam
a caminho...». A cena descrita pelo evangelista Marcos (Mc 10,32-45) passa-se no caminho. E, no
mesmo ambiente, se desenrola o percurso da Igreja: o caminho da vida, da
história, que é história de salvação na medida em que o percorrermos com
Cristo, rumo ao seu Mistério Pascal. À nossa frente, sempre temos
Jerusalém. A Cruz e a Ressurreição pertencem à nossa história: são o nosso
hoje, mas constituem sempre também a meta do nosso caminho.
Este texto do Evangelho já várias vezes
acompanhou os Consistórios para a criação de novos Cardeais. Não é apenas o
«pano de fundo», mas uma «indicação de percurso» para nós, que hoje estamos a
caminho juntos com Jesus. Ele avança à nossa frente; é a força e o sentido da
nossa vida e do nosso ministério.
Assim, amados irmãos, hoje cabe a nós
medir-nos com esta Palavra evangélica.
Marcos destaca que, ao longo do
caminho, os discípulos «estavam espantados (...) estavam cheios
de medo» (v. 32). Mas por quê? Porque sabiam aquilo que os esperava em
Jerusalém; intuíam-no; melhor, sabiam-no porque Jesus já lhes falara disso,
abertamente, mais do que uma vez. O Senhor conhece o estado de ânimo daqueles
que O seguem, e isso não O deixa indiferente. Jesus nunca abandona os seus
amigos; jamais os transcura. Mesmo quando parece cortar a direito pelo seu
caminho, sempre o faz por nós: tudo o que faz, fá-lo por
nós, pela nossa salvação. E, neste caso específico dos Doze, fá-lo para
prepará-los para a provação, a fim de conseguirem estar com
Ele agora e sobretudo depois, quando Jesus já não estiver no meio
deles. Para que estejam sempre com Ele e sigam pelo
seu caminho.
Sabendo que o coração dos discípulos
está turbado, Jesus chama à parte os Doze e diz-lhes «de novo (...) o que Lhe
ia acontecer» (v. 32). Foi o que ouvimos: é o terceiro anúncio da sua Paixão,
Morte e Ressurreição. Este é o caminho do Filho de Deus, o
caminho do Servo do Senhor. E Jesus identifica-Se de
tal modo com esse caminho, que Ele próprio é este caminho: «Eu
sou o caminho» (Jo 14,6). Este caminho; e não outro.
E, neste ponto, sucede um imprevisto
que agita a situação, permitindo a Jesus revelar a Tiago e a João - na
realidade, porém, a todos os Apóstolos e a nós todos - o destino que os espera.
Imaginemos a cena: depois de voltar a explicar o que Lhe deve acontecer em
Jerusalém, Jesus fixa bem os Doze, olhos nos olhos, como se dissesse: «Está
claro?» Em seguida, retoma o caminho à cabeça do grupo. Mas, do grupo,
separam-se dois: Tiago e João. Aproximam-se de Jesus e exprimem-Lhe um desejo:
«Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua
esquerda» (Mc 10,37). E este é outro
caminho. Não é o caminho de Jesus; é outro. É o caminho de quem, talvez sem
se dar conta sequer, se aproveita do Senhor para se promover a si mesmo; o caminho
de quem - como diz São Paulo - procura os próprios interesses, e não os de
Cristo (cf. Fl 2,21).
A propósito disto compôs Santo Agostinho aquele Discurso estupendo sobre os
pastores (n. 46), que sempre nos faz bem reler no Ofício das Leituras.
Depois de ter ouvido Tiago e João,
Jesus não Se descompõe, nem Se zanga; a sua paciência é verdadeiramente
infinita! Também conosco, teve paciência, tem e terá... E responde: vós «não
sabeis o que pedis» (Mc 10,38). De
certo modo desculpa-os, mas ao mesmo tempo censura-os: «Não vos dais conta de
que estais fora do caminho». Com efeito, imediatamente depois serão
os outros dez Apóstolos a demonstrar, com a sua reação indignada contra os
filhos de Zebedeu, como todos estivessem tentados a
seguir fora do caminho.
Queridos irmãos, todos nós amamos
Jesus, todos queremos segui-Lo, mas devemos estar sempre vigilantes para
permanecer no seu caminho. Pois com os pés, com o corpo, podemos
estar com Ele, mas o nosso coração pode estar longe e levar-nos para fora
do caminho. Pensemos em tantos gêneros de corrupção na vida sacerdotal.
Assim, por exemplo, o vermelho purpúreo das vestes cardinalícias, que é a cor
do sangue, pode tornar-se, para o espírito mundano, a cor de uma distinção
eminente. E deixarás de ser o pastor próximo do povo, te sentirás apenas «a
eminência». Quando sentires isto, estás fora do caminho.
Nesta narração evangélica, sempre
impressiona o contraste nítido entre Jesus e os discípulos. Jesus
sabe-o, conhece-o e suporta-o. Mas o contraste permanece: Ele, no caminho;
os discípulos, fora do caminho. Dois percursos inconciliáveis.
Na realidade, só o Senhor pode salvar os seus amigos desvairados, em risco de
se perderem. Só a sua Cruz e a sua Ressurreição... Por eles, e por todos, Jesus
sobe a Jerusalém. Por eles, e por todos, dividirá em pedaços o seu Corpo e
derramará o seu Sangue. Por eles, e por todos, ressuscitará dos mortos e, com o
dom do Espírito, lhe perdoará e transformará. Enfim os encaminhará pelo
seu caminho.
São Marcos - como aliás São Mateus e São
Lucas - inseriram esta narração no próprio Evangelho, porque é uma Palavra que
salva, uma Palavra necessária à Igreja de todos os tempos. Apesar da má figura
que nela fazem os Doze, a mesma entrou no cânon, porque mostra a
verdade acerca de Jesus e de nós mesmos. É uma palavra salutar também
para nós hoje. Também nós, Papa e Cardeais, devemos espelhar-nos sempre nesta
Palavra de verdade. É uma espada afiada: corta, é dolorosa, mas ao mesmo tempo
cura-nos, liberta-nos, converte-nos. A conversão é precisamente isto: sair
de fora do caminho, ir para o caminho de Deus.
Que o Espírito Santo nos dê, hoje e
sempre, esta graça!
Fonte: Santa Sé
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