Em sua terceira Catequese sobre a oração dedicada aos Atos dos Apóstolos, o Papa Bento XVI refletiu sobre a oração no contexto da eleição dos primeiros sete diáconos.
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 25 de abril de 2012
A oração (31):
O primado da oração e da Palavra (At 6)
Queridos irmãos e irmãs,
Na Catequese passada demonstrei que a Igreja, desde
os primórdios do seu caminho, teve que enfrentar situações imprevistas, novas
questões e emergências, às quais procurou dar uma resposta à luz da fé,
deixando-se orientar pelo Espírito Santo. Hoje gostaria de meditar sobre mais
uma destas situações, sobre um problema sério que a primeira comunidade cristã
de Jerusalém teve que enfrentar e resolver, como nos narra São Lucas no
capítulo sexto dos Atos dos Apóstolos, acerca da pastoral da caridade
para com as pessoas sozinhas e necessitadas de assistência e ajuda. A questão
não é secundária para a Igreja, e naquele momento corria o risco de criar
divisões internas; com efeito, o número dos discípulos ia aumentando, mas os de
língua grega começaram a queixar-se contra aqueles de língua hebraica, porque
as suas viúvas eram negligenciadas na distribuição diária dos dons (At
6,1).
Diante desta urgência, que dizia respeito a um aspecto fundamental na
vida da comunidade, ou seja, a caridade para com os fracos, os pobres e os
indefesos, e a justiça, os Apóstolos convocam todo o grupo dos discípulos.
Neste momento de emergência pastoral sobressai o discernimento realizado pelos
Apóstolos. Eles encontram-se perante a exigência primária de anunciar a Palavra
de Deus em conformidade com o mandato do Senhor, mas - embora esta seja a
exigência primária da Igreja - consideram com igual seriedade o dever da
caridade e da justiça, isto é, de assistir as viúvas e os pobres, de
providenciar com amor às situações de necessidade em que se podem encontrar os
irmãos e as irmãs, para responder ao mandato de Jesus: «Amai-vos uns aos outros,
como Eu vos amei» (Jo 15,12.17). Portanto, as duas realidades que devem
viver na Igreja - o anúncio da Palavra, o primado de Deus, e a caridade
concreta, a justiça - estão criando dificuldades e deve-se encontrar uma
solução, para que ambas possam ter o seu lugar, a sua relação necessária. A
reflexão dos Apóstolos é muito clara; como ouvimos, eles afirmam: «Não está
certo que nós deixemos a pregação da Palavra de Deus para servir às mesas. Irmãos,
é melhor que escolhais entre vós sete homens de boa fama, repletos do Espírito
e de sabedoria, e nós os encarregaremos dessa tarefa. Desse modo nós poderemos
dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra» (At 6,2-4).
Sobressaem dois dados: primeiro, desde aquele
momento na Igreja existe um ministério da caridade. A Igreja não deve apenas
anunciar a Palavra, mas também realizar a Palavra, que é caridade e verdade. E,
segundo ponto, estes homens não só devem possuir boa reputação, mas devem ser
homens cheios de Espírito Santo e de sabedoria, ou seja, não podem ser unicamente
organizadores que sabem «fazer», mas devem «fazer» no espírito da fé com a luz
de Deus, na sabedoria do coração, e, portanto, também a sua função - embora
seja sobretudo prática - é, todavia, uma função espiritual. A caridade e a
justiça não são apenas obras sociais, mas obras espirituais realizadas à luz do
Espírito Santo. Portanto, podemos dizer que esta situação é enfrentada com
grande responsabilidade por parte dos Apóstolos, que tomam esta decisão: são
escolhidos sete homens; os Apóstolos rezam para pedir a força do Espírito
Santo; e depois impõem-lhes as mãos para que se dediquem de modo particular a
esta diaconia da caridade.
Assim, na vida da Igreja, nos primeiros passos que
ela dá, medita-se de um certo modo sobre o que tinha acontecido durante a vida
pública de Jesus, na casa de Marta e Maria, em Betânia. Marta estava totalmente
concentrada no serviço da hospitalidade a oferecer a Jesus e aos seus
discípulos; Maria, ao contrário, dedica-se à escuta da Palavra do Senhor (Lc
10,38-42). Em ambos os casos, não são contrapostos os momentos da oração e da
escuta de Deus, e a atividade quotidiana, o exercício da caridade. A
admoestação de Jesus: «Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas
coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta
não lhe será tirada» (vv. 41-42), assim como a reflexão dos Apóstolos: «Nós
poderemos dedicar-nos inteiramente à oração e ao serviço da Palavra» (At
6,4), mostram a prioridade que devemos dar a Deus. Agora não gostaria de entrar
na interpretação desta perícope Marta-Maria; contudo, não se deve condenar a atividade
a favor do próximo, do outro, mas é preciso ressaltar que deve ser penetrada
interiormente também pelo espírito da contemplação. Por outro lado, Santo Agostinho
diz que esta realidade de Maria é uma visão da nossa situação do céu, portanto
na terra nunca a podemos ter completamente, mas um pouco de antecipação deve
estar presente em toda a nossa atividade. Deve estar presente inclusive a
contemplação de Deus. Não podemos perder-nos no ativismo puro, mas devemos
deixar-nos penetrar sempre na nossa atividade pela luz da Palavra de Deus e
assim aprender a caridade autêntica, o serviço verdadeiro ao outro, que não tem
necessidade de muitas coisas - precisa sem dúvida das coisas necessárias - mas
carece sobretudo do afeto do nosso coração, da luz de Deus.
Santo Ambrósio, comentando o episódio de Marta e
Maria, assim exorta os seus fiéis, e também a nós: «Procuremos também nós ter
aquilo que não nos pode ser tirado, prestando à Palavra do Senhor uma atenção
diligente, não distraída: até as sementes da palavra celeste podem perder-se,
se forem lançadas ao longo do caminho. Estimule-te também a ti, como a Maria, o
desejo de saber: esta é a obra maior e mais perfeita». E acrescenta que também
«o cuidado pelo ministério não deve distrair do conhecimento da palavra
celeste», da oração (Expositio Evangelii secundum Lucam, VII, 85: PL 15,
1720). Portanto, os santos experimentaram uma profunda unidade de vida entre
oração e ação, entre o amor total a Deus e o amor aos irmãos. São Bernardo, que
é um modelo de harmonia entre contemplação e laboriosidade, no livro De
consideratione, dedicado ao Papa Inocêncio II, para lhe oferecer algumas
reflexões a respeito do seu ministério, insiste precisamente sobre a importância
do recolhimento interior, da oração para se defender dos perigos de uma atividade
excessiva, independentemente da condição em que se encontra e da tarefa que
está cumprindo. São Bernardo afirma que as ocupações excessivas, uma vida
frenética, terminam muitas vezes por endurecer o coração e fazer sofrer o
espírito (cf. De consideratione II, 3).
É uma exortação preciosa para nós, hoje, habituados
a considerar tudo com o critério da produtividade e da eficácia. O trecho dos Atos
dos Apóstolos recorda-nos a importância do trabalho - sem dúvida, cria-se
um verdadeiro ministério - do compromisso nas atividades quotidianas que devem
ser desempenhadas com responsabilidade e dedicação, mas também a nossa
necessidade de Deus, da sua guia, da sua luz que nos dá força e esperança. Sem
a oração quotidiana, vivida com fidelidade, o nosso fazer esvazia-se, perde a
alma profunda, reduz-se a um simples ativismo que, no final, nos deixa
insatisfeitos. Há uma bonita invocação da tradição cristã, a recitar antes de
cada atividade, que reza assim: «Actiones nostras, quaesumus, Domine,
aspirando praeveni et adiuvando prosequere, ut cuncta nostra oratio et operatio
a te semper incipiat, et per te coepta finiatur», ou seja: «Inspirai, Senhor,
as nossas ações e ajudai-nos a realizá-las, para que em vós comece e em vós
termine tudo aquilo que fizermos». Cada passo da nossa vida, cada ação,
inclusive da Igreja, deve ser feita diante de Deus, à luz da sua Palavra.
Na Catequese da quarta-feira passada eu tinha
sublinhado a oração unânime da primeira comunidade cristã diante da provação e
como, precisamente na oração, na meditação sobre a Sagrada Escritura, ela pôde
compreender os acontecimentos que estavam ocorrendo. Quando a oração é
alimentada pela Palavra de Deus, podemos ver a realidade com olhos novos, com
os olhos da fé, e o Senhor, que fala à mente e ao coração, infunde nova luz no
caminho, em cada momento e em cada situação. Nós acreditamos na força da
Palavra de Deus e da oração. Também a dificuldade que a Igreja estava vivendo
diante do problema do serviço aos pobres, da questão da caridade, é superada na
oração, à luz de Deus, do Espírito Santo. Os Apóstolos não se limitam a
ratificar a escolha de Estêvão e dos outros homens, mas «oraram e impuseram as
mãos sobre eles» (At 6,6). O evangelista Lucas recordará novamente estes
gestos por ocasião da eleição de Paulo e Barnabé, onde lemos: «Depois de terem
jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir» (At 13,3).
Volta a confirmar que o serviço concreto da caridade é um serviço espiritual.
Ambas as realidades devem caminhar juntas.
Com o gesto da imposição das mãos, os Apóstolos
conferem um ministério particular a sete homens, para que lhes seja concedida a
graça correspondente. A ênfase na oração - «oraram» - é importante porque põe
em evidência precisamente a dimensão espiritual do gesto; não se trata
simplesmente de conferir um cargo, como acontece em uma organização social, mas
é um acontecimento eclesial em que o Espírito Santo se apropria de sete homens
escolhidos pela Igreja, consagrando-os na Verdade, que é Jesus Cristo: Ele é o
protagonista silencioso, presente na imposição das mãos a fim de que os eleitos
sejam transformados pelo seu poder e santificados para enfrentar os desafios
concretos, os desafios pastorais. E o relevo da oração recorda-nos, além disso,
que somente da relação íntima com Deus, cultivada todos os dias, nasce a
resposta à escolha do Senhor e é confiado cada ministério na Igreja.
Caros irmãos e irmãs, o problema pastoral que
induziu os Apóstolos a escolher e a impor as mãos sobre sete homens
encarregados do serviço da caridade, para se dedicarem à oração e ao anúncio da
Palavra, indica também a nós o primado da oração e da Palavra de Deus que,
todavia, produz depois também a obra pastoral. Para os pastores esta é a
primeira e mais preciosa forma de serviço a favor do rebanho que lhes foi
confiado. Se os pulmões da oração e da Palavra de Deus não alimentarem a
respiração da nossa vida espiritual, correremos o risco de sufocar no meio das
inúmeras atividades de cada dia: a oração é a respiração da alma e da vida. E
há outra exortação preciosa, que gostaria de sublinhar: na relação com Deus, na
escuta da sua Palavra, no diálogo com Deus, mesmo quando nos encontramos no
silêncio de uma igreja ou do nosso quarto, estamos unidos no Senhor a numerosos
irmãos e irmãs na fé, como um conjunto de instrumentos que, apesar da sua
individualidade, elevam a Deus uma única grande sinfonia de intercessão, de ação
de graças e de louvor.
Jesus na casa de Marta e Maria (Johannes Vermeer) O equilíbrio entre ação e contemplação |
Fonte: Santa Sé.
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