sábado, 15 de abril de 2023

Homilias do Patriarca de Lisboa: Semana Santa 2023 (1)

Após publicarmos nos últimos dias imagens da Semana Santa em diversas partes do mundo, trazemos aqui as homilias do Patriarca de Lisboa (Portugal), Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente, durante as celebrações da Semana Santa 2023 na Sé de Lisboa.

Dividiremos suas seis homilias em duas partes: nesta primeira postagem trazemos suas homilias para o Domingo de Ramos, a Missa Crismal e a Missa da Ceia do Senhor:

Homilia no Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor
A Cruz abarca inteiramente o mundo
Sé de Lisboa, 02 de abril de 2023

1. No primeiro trecho evangélico que escutamos, ouvimos que «tanto as multidões que vinham à frente de Jesus como as que O seguiam diziam em altos brados: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!”».
Compreende-se bem: Era a recepção entusiástica do Messias - Rei, finalmente chegado e tal como Zacarias o previra: «Exulta de alegria, filha de Sião! Eis que o teu rei vem a ti; Ele é justo e vitorioso; vem, humilde, montado num jumento, sobre um jumentinho, filho duma jumenta» (Zc 9,9).
Há tanto tempo que o esperavam, ao Filho de Davi, rei poderoso como o seu antepassado de há dez séculos! Tanto mais quanto a seguinte história de Israel não fora nada assim, desde reis que não estiveram à altura das expectativas, ao exílio e ao sucessivo domínio político e cultural de outros povos, como acontecia agora sob os romanos.
Ficara a esperança messiânica, alimentada pela tradição profética e muito forte no tempo de Jesus. Este mesmo, escolhendo entrar assim em Jerusalém, mostrava-se conhecedor e cumpridor dessa expectativa.
Como explicar então que os dias seguintes fossem como foram e terminassem de modo tão trágico, num trono em forma de cruz e numa coroa de agudos espinhos, como ouvimos depois no relato da Paixão?


Podemos adiantar que Jesus dera um sentido inesperado à sua condição de Messias e Rei. Aliás, verificamos em qualquer dos Evangelhos o seu constante cuidado em converter estes dois atributos, sem negá-los, mas dando-lhes um novo significado.
Messias, sim, mas «para anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, aos cegos a recuperação da vista, mandar em liberdade os oprimidos e proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4,18-19). Rei, também sim, como afirmará a Pilatos, mas em laços que nos prendem por dentro, na verdade que nos traz e nos convence, muito mais do que qualquer poder ou coação de fora: «Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz» (Jo 18,37).
Mas foi por não o esperarem deste modo que depressa murcharam os ramos, naqueles trágicos dias que se seguiram em Jerusalém. Com o povo em geral e até com os próprios discípulos, quando o abandonaram no horto. Não só Judas, que o traiu, mas também os outros que esperavam outro tipo de realeza e até já faziam conta dos lugares a ocupar...

2. A Semana Maior que começamos e o rito litúrgico deste dia hão de mostrar que aceitamos Jesus como de fato é e não como nos serviria melhor de outra maneira, mais temporal e logo aproveitável.
Dois mil anos depois, como aconteceu com as primeiras gerações, tão perseguidas que foram, ou como atualmente, também dificílimas no tocante à liberdade religiosa em várias partes do mundo, queremos ser do número dos que aceitam Jesus Cristo como verdadeiro rei, que nos conquista unicamente pelo amor absoluto com que nos salva e atrai. Cumpre assim o que dissera: «Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim» (Jo 12,32).
Falava da Cruz como seu trono, e assim devemos tomá-la também como critério de piedade e de ação. De piedade, atitude filial de quem se oferece com Jesus a Deus Pai, convertendo a exterioridade das práticas em manifestações de absoluta entrega a Deus, venha o que vier e aconteça o que acontecer. O próprio sofrimento, seja ele qual for, só ganha sentido quando oferecido para o bem de todos, como o de Cristo na Cruz.
A Cruz também é critério de ação, para que tudo ganhe o seu desenho, subindo para o alto em ação de graças e alargando-se para os lados em caridade verdadeira. É o primeiro sinal que recebemos no Batismo e é também a porta estreita por onde entramos no Reino.
Foi isto mesmo que pedimos na oração coleta. Façamo-lo convictamente, para coligirmos com ela os nossos sentimentos e propósitos: «Deus todo-poderoso e eterno, que, para salvar a humanidade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e suportasse a Cruz, fazei que vivamos unidos a Ele na sua Paixão para chegarmos a tomar parte na glória da sua Ressurreição». Não podemos nem devemos pedir nada mais senão isto mesmo, porque foi este o caminho de Jesus e finalmente a sua vitória. Não queiramos outra.

3. Reparemos ainda no contraste entre a aclamação do princípio e a declaração do fim, dirigidas a Jesus por intervenientes bem distintos. No princípio, o povo de Jerusalém aclama o “Filho de Davi”, afinal tão seu e demasiadamente seu. No fim, tendo Jesus expirado, será um estrangeiro e os que o conduziram à morte a confessarem-no de outro modo: «O centurião e os que com ele guardavam Jesus (...) disseram: “Este era verdadeiramente Filho de Deus”».
É também para nós um desafio, este salto qualitativo. Ronda-nos a tentação de O retermos para nós, para as nossas intenções próprias ou mais próximas. Ultrapassemo-la, proclamando a filiação divina de Jesus, que sendo de Deus é de Deus para todos.
Com isto compreendamos a evangelização que nos cumpre, na sua dupla dimensão, ou seja, na profundidade e na largueza de um Reino que tem o trono na Cruz. Não fiquemos no discurso “baixo” que torneia as dificuldades da vida, própria e alheia, e mais adormece do que acorda para o que ela é realmente, no seu drama pessoal ou coletivo.
O que é essencial e próprio de Cristo é que n’Ele Deus nos salva, bem por dentro das vicissitudes humanas - pessoais ou alheias, sociais ou eclesiais que sejam - que passam a ser suas também. Por isso aceitou beber o cálice até ao fim, para que nenhuma gota da realidade humana ficasse fora da misericórdia divina, que nem dispensa a justiça nem desiste de ninguém.
Desta profundidade inaudita não desistamos nunca, porque a caridade tem esse tamanho e expressão. Disto mesmo convictos, não fujamos da Cruz, único lugar onde cabemos todos, na comunhão com Cristo, que só nela nos salva.
Testemunhar e oferecer a Cruz é a substância única da evangelização a fazer, aproximando mutuamente a oferta da caridade de Cristo e as necessidades imediatas ou mais profundas de quem encontrarmos ou procurarmos. O mundo é vasto e complexo, mas a Cruz abarca-o inteiramente, com a caridade de Quem nela se ofereceu, por nós e para nós.
Só deste modo podemos compreender o entusiasmo que tem envolvido a Cruz que, de diocese em diocese, vai preparando a próxima Jornada Mundial da Juventude. É uma simples Cruz, mas atrai multidões, com atitudes múltiplas de devoção sincera. Dela se desprende a salvação do mundo - como Cristo a oferece de modo inteiramente seu, para ser inteiramente nosso.

Homilia na Missa Crismal
Muito mais vos recompensará o próprio Deus!
Sé de Lisboa, 06 de abril de 2023

1. Vivemos este tempo com duas referências maiores que, quer pela delicadeza do assunto quer pela dimensão da tarefa, se tornam marcantes para todos nós.
A primeira refere-se ao que temos feito e devemos fazer para superar a crise dos abusos de menores e pessoas vulneráveis, apoiando as vítimas e prevenindo o futuro. Às vítimas, dirijo de novo o pedido de perdão institucional e convicto, bem como a disposição de apoiar quem necessite - no site do Patriarcado está o endereço da nossa Comissão Diocesana de Proteção de Menores, sempre disponível e ativo.
Desde que em 2019 criamos a Comissão Diocesana, temos trabalhado nesse sentido e presentemente ainda mais, com o seguimento de casos que nos tocam de perto. Com tudo isto e o mais que se faça, compartilho a disposição firme de fazer das nossas comunidades lugares saudáveis e seguros, servidos por agentes pastorais, ordenados ou leigos, à altura de uma missão que o tempo torna particularmente sensível e exigente. Todos estamos comprometidos nisto e certamente não falharemos.
A segunda referência, de sinal bem diverso, é à Jornada Mundial da Juventude, que nos trará dentro em breve uma multidão juvenil dos cinco continentes, como nunca tivemos ocasião de receber.
Esta dimensão da Jornada, cujo principal protagonista será o próprio Papa, requereu a anuência e a colaboração substancial das entidades civis, que desde o primeiro momento a consideraram de grande interesse nacional e local. Exigiu também uma mobilização absolutamente inédita dos jovens que integram os diversos comitês paroquiais, vicariais, diocesanos e local (central), criando uma grande rede de planejamento e ação que poderá constituir a base de uma pastoral juvenil renovada nas nossas dioceses.
Como tenho dito em várias ocasiões, não podemos desaproveitar esta oportunidade para o rejuvenescimento da Igreja em Portugal, contando agora e depois com tantos milhares de jovens e com a experiência criativa e responsabilizada que assim ganharam. Neste sentido, o maior impacto da Jornada, além dos dias em que decorre, será o seu depois


2. Caríssimos padres, dentro de momentos renovareis as promessas sacerdotais. Respondereis, tanto por voz como por sentimento profundo, a esta pergunta: Quereis viver mais intimamente unidos a Cristo e configurar-vos com Ele, renunciando a vós mesmos e permanecendo fiéis aos compromissos que, por amor de Cristo e da sua Igreja, aceitastes alegremente no dia da vossa ordenação sacerdotal?
Deixai-me soletrar um pouco esta pergunta, tão essencial e decisiva como é. A primeira frase diz respeito à intimidade crescente da nossa união a Cristo e à configuração com Ele. É caminho a percorrer sempre e cada vez mais.
Obviamente a resposta é “sim”, mas existencialmente sabemos que é exigente e desafiante. Lembramos como os primeiros de nós, naquele grupo dos doze escolhidos pelo próprio Cristo, tanto o confessaram prontamente no princípio como depois tiveram de se converter ao que Ele realmente era e lhes pedia. No Getsêmani fugiram todos, um traiu-o e outro negou-o. Teve de recuperá-los, uma vez Ressuscitado.
Também Ressuscitado chamou a nós, pedindo-nos união verdadeira e configuração mais nítida consigo, Sacerdote e Pastor. Só assim nos realizaremos no serviço à sua Igreja. Neste sentido, a oração, a meditação da Palavra e a vivência profunda dos sacramentos que celebramos e recebemos são a primeira condição do apostolado.
A pergunta continua lembrando a renúncia a nós mesmos e a fidelidade aos compromissos que, por amor de Cristo e da sua Igreja, aceitamos alegremente no dia da nossa ordenação sacerdotal.
Renúncia a nós mesmos e fidelidade aos compromissos que assumimos são certamente atos de vontade, mas indicam sobretudo o essencial da condição cristã que tem em Cristo a primeira realização.
Como Filho de Deus, teve por alimento a vontade do Pai (Jo 4,34), e agrega-nos nesta filiação exatamente pela mesma atitude, raiz de todos os compromissos sacerdotais. São todos para servir um Povo que é de Deus e não nosso, o que só faremos se a vontade de Deus, unicamente ela, ocupar inteiramente o nosso coração e a nossa vida. Teremos de dizer sempre e convictamente “Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu!”.
A pergunta conclui lembrando a alegria que seguramente sentimos no dia da nossa ordenação sacerdotal. É bom retê-la e revivê-la, sobretudo quando algum cansaço do corpo ou da alma, ou alguma dificuldade maior nos fizer esquecer dela.
Os dias da ordenação e da subsequente Missa Nova foram geralmente preenchidos pela alegria dos outros que nos viram padres e pela nossa, que desejamos sê-lo. Mas também aqui e para além desse momento, “a alegria do Senhor é a nossa fortaleza”. E é com esta que devemos contar - e só com ela contar, para que a nossa perdure, com um contentamento que tem em Deus a sua fonte e garantia. Lembremos o que Jesus disse aos discípulos, sobre o verdadeiro lugar da alegria: «Não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc 10,20).

3. Caríssimos padres, quero dizer-vos uma última coisa, porque também última será certamente a Missa Crismal em que vos falo na presente condição.
E a palavra que vos deixo é de gratidão a vós e de ação de graças a Deus, pelo presbitério que integrei como padre, Bispo Auxiliar e desde 2013 como Patriarca. Gratidão preenchida por tantos nomes bem concretos de sacerdotes do clero secular e regular que aqui serviram ou servem o Povo de Deus - lembrando especialmente os que neste ano celebram vinte e cinco, cinquenta ou sessenta anos de ordenação e sem esquecer todos os outros, vivos na terra ou já no Céu.
Tantos nomes, tantas palavras, tantos gestos de caridade pastoral de que eu próprio beneficiei e beneficio. E muitos mais que diariamente repartis com as comunidades, instituições e pessoas que servis com grande dedicação e uma entrega que só Deus inteiramente conhece e recompensará a cem por um.
É certo que as falhas, reais ou supostas, de algum são mais midiatizadas do que a caridade pastoral do magnífico conjunto que integrais. Dois milênios que já levamos, vistos mais de perto, mostram que também aqui “nada há de novo debaixo do sol” (Ecl 1,9). Ainda que não esqueçamos a seguinte advertência do Catecismo da Igreja Católica: «Todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos. A Igreja reúne, pois, em si pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação» (n. 827).
Nada nos demite da obrigação de correspondermos cada vez mais e melhor à graça que nos salva e envia. Mas que a tristeza não encubra o bem que fazeis e a realidade que tão positivamente sois, confirmada por tantos que beneficiam da vossa ação. Podeis tomar para vós o que o profeta Isaías nos disse há pouco: «Vós sereis chamados “Sacerdotes do Senhor” e tereis o nome de “Ministros do nosso Deus”. Eu lhes darei fielmente a recompensa e firmarei com eles uma aliança eterna».
Agradeço-vos muito e sempre. Muito mais vos recompensará o próprio Deus!

Homilia na Missa Vespertina da Ceia do Senhor
Amou-os até ao fim
Sé de Lisboa, 06 de abril de 2023

1. Iniciando o sagrado Tríduo Pascal celebramos a Ceia do Senhor, como Paulo a lembrou na primeira narração que temos dela. Parece tão simples e preenche a história inteira - nossa, da Igreja e mesmo de quem não a conheça ainda: «O Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim.” Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim”. E prosseguia: “Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha”» (1Cor 11,23-26).
Somos cristãos como memória viva do Senhor Jesus e unicamente assim. Memória viva, celebrada e comungada, para que também por nós repasse o que nos cerca. Por isso mesmo, cada Celebração Eucarística conclui com um “Ide!”, de Cristo em nós, para chegar a todos.
E é anúncio da Morte do Senhor, porque a sua Morte foi do tamanho da sua entrega, por nós e para nós. Entrega que, sendo total, como só uma humanidade divinamente preenchida poderia sê-lo, venceu a limitação que a morte nos traz, para ressuscitar na vida que nos dá. Lembremos a propósito esta exclamação de Paulo, em outra das suas Cartas, tão viva e contagiante como é: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. E a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim» (Gl 2,20).
E assim será, até que Ele venha, ou seja, até que a vida crucificada e ressuscitada de Jesus seja universal e patente em toda a largueza do mundo, na quantidade e qualidade que tem, como criação, humanidade, civilização e cultura. Podemos concluir que uma vida verdadeiramente eucarística é a comunhão e expansão da vida oferecida e ressuscitada do Senhor Jesus. Cabe-nos a nós levá-la a toda a parte, sobretudo a tantas situações em que a morte parece sepultar os corpos ou as almas.


2. O trecho evangélico que escutamos diz-nos que «antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13,1).
Até ao fim... Ao fim do seu percurso terreno, certamente, como depois terminaria na Cruz, com a oferta total da sua vida, por nós e para nós. Essa mesma que lembramos e celebramos, não como quem a repete, mas como quem a aprofunda e assimila sempre mais.
Não devemos dizer que celebramos ou participamos em muitas Missas, porque existe apenas aquela que o Senhor assinalou na Ceia e realizou na Cruz. Devemos dizer, isso sim, que não deixamos de celebrar e participar na única Missa de sempre, porque como os antigos mártires e os que agora arriscam a vida para participar nela, não podemos viver sem a Eucaristia.
Mas demos à expressão um sentido mais do que temporal, porque a narrativa prossegue com o lava-pés aos discípulos e a ordem de o fazermos igualmente uns aos outros. Significará que o fim é também aprendermos com Jesus a servirmos com humildade e prontidão os nossos irmãos e a fazermos disto mesmo a finalidade e a eternização das nossas vidas, porque «o amor jamais passará» (1Cor 13,8).
Assim insiste o evangelista mais adiante, no mesmo “discurso de despedida”: «É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15,12-13).
O amor aos irmãos não era novidade na tradição bíblica. Novidade sim era atingir este extremo e tocar tal fim, de amar como Jesus nos ama e dar a vida por quem se ama. Como de novo João lembrará na sua Primeira Carta: «Foi com isto que ficamos a conhecer o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos» (1Jo 3,16).
Amar até ao fim... Nada menos do que isto significa e nos exige a Ceia do Senhor, anunciando o seu Corpo entregue e o seu Sangue derramado, como aconteceria na Cruz, último sinal do amor de Deus por nós. Não é comunhão ocasional ou desatenta em um momento chamativo de uma cerimônia entre outras: é expressão autêntica do compromisso em atingir o mesmo fim de salvar-se salvando os outros, pela graça de Quem desse modo nos amou e salvou primeiro.
Assim compreendemos como tantos cristãos e cristãs que hoje veneramos nos altares foram profundamente eucarísticos, para desse modo ganharem de Cristo a graça de um amor maior do que todas as dificuldades que surgissem. Foram até ao fim e agora estão com Cristo a ajudarem-nos na mesma senda que trilharam. Mesmo que estreita seja a senda, como nos avisou também Jesus: «Quão apertado é o caminho que conduz à vida...» (Mt 7,14).

3. Levemos a advertência muito a sério. Até com a seriedade que as circunstâncias atuais nos impõem, na vida do mundo mais próximo ou mais afastado e mesmo da Igreja como deve ser.
Na verdade, quando assistimos a esta “guerra mundial em pedaços”, como o Papa Francisco designa a soma de conflitos que não se resolvem e vão em crescendo, martirizando tantas pessoas e países inteiros; quando encontramos tanta dificuldade em resolver problemas básicos de habitação garantida, alimentação suficiente, educação bastante, salário digno, ou saúde para todos; ou mesmo quando na nossa vida de Igreja, pessoal ou comunitária, deparamos com problemas que nunca deveriam existir ou ter existido... Quando tudo isto e muito mais se acumula de negativo e contraditório com boas vontades e boas ações, que felizmente não faltam, concluímos que nos amamos pouco ou não o fazemos até ao fim.
Porque amar até ao fim, mesmo na Cruz que nos abre à ressurreição das vidas, significa um interesse permanente e efetivo pelo bem dos outros e uma compreensão da existência como dádiva, que só assim se realiza plenamente, quando faz do bem dos outros o seu próprio bem.
Porque amar até ao fim é nunca deixar de fazê-lo, sem desistência nem cansaço, como Cristo foi e nos permite ser, advertindo também: «Quem permanece em mim e Eu nele, esse dará muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5).
Uma vida eucarística, em suma, não episódica, mas constantemente levada e aprofundada, recebendo e partilhando o Corpo e Sangue de Jesus, tornados nossos para chegarem a todos. Seja este o maior fruto do Tríduo que começamos, para nunca desistirmos no caminho do bem!
Em seguida, o rito do lava-pés dirige-se hoje a voluntários internacionais que trabalham generosamente na preparação da Jornada Mundial da Juventude. Vieram dos cinco continentes, para também chegarem a este confim ocidental da Europa e fazer dele um lugar para os jovens do mundo inteiro. Também deste modo irão até ao fim. Graças a Deus por eles, graças pelo que nos dão a nós!

† Manuel, Cardeal-Patriarca



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