Dando continuidade às suas reflexões sobre a a oração nas Cartas de Paulo, em sua 35ª Catequese sobre a oração o Papa Bento XVI destacou como o Espírito nos ensina a invocar a Deus como “Abbá”, Pai.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 23 de maio de 2012
A oração (35):
O Espírito e o “Abbá”
Queridos irmãos e irmãs,
Na quarta-feira passada demonstrei
como São Paulo diz que o Espírito Santo é o grande mestre da oração e nos
ensina a dirigir-nos a Deus com os termos carinhosos dos filhos, chamando-lhe:
«Abbá!», «Pai!». Assim fez Jesus; também no momento mais dramático da
sua vida terrena, Ele nunca perdeu a confiança no Pai, e sempre O invocou com a
intimidade do Filho amado. No Getsêmani, quando sente a angústia da morte, a
sua oração é: «Abbá! Pai! Tudo te é possível: afasta de mim este cálice!
Contudo, não seja feito o que eu quero, mas sim o que tu queres!» (Mc 14,
36).
Ícone de Deus como Abbá |
Desde os primeiros passos do seu
caminho a Igreja acolheu esta invocação e fê-la própria, sobretudo na oração do
Pai nosso, na qual recitamos quotidianamente: «Pai... seja feita a vossa
vontade, assim na terra como no céu» (Mt 6,9-10). Nas Cartas de São
Paulo encontramo-la duas vezes. Como há pouco ouvimos, o Apóstolo dirige-se aos
gálatas com as seguintes palavras: «E porque sois filhos, Deus enviou aos
nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! Ó Pai!”» (Gl 4,6).
E no centro daquele cântico ao Espírito que é o capítulo oito da Carta
aos Romanos, São Paulo afirma: «De fato, vós não recebestes um espírito de
escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos
adotivos, no qual todos nós clamamos: “Abbá! Ó Pai!”» (Rm 8,15).
O Cristianismo não é uma
religião do medo, mas sim da confiança e do amor ao Pai que nos ama. Estas duas
afirmações profundas falam-nos do envio e do acolhimento do Espírito Santo, o
dom do Ressuscitado, que faz de nós filhos em Cristo, o Filho Unigênito, e
insere-nos em uma relação filial com Deus, relação de confiança profunda, como
a das crianças; uma relação filial análoga à de Jesus, embora a origem e a
consistência sejam diferentes: Jesus é o Filho eterno de Deus que se fez carne;
quanto a nós, tornamo-nos filhos n’Ele, no tempo, mediante a fé e os Sacramentos
do Batismo e da Confirmação; graças a estes dois Sacramentos somos inseridos no
Mistério Pascal de Cristo. O Espírito Santo é o dom precioso e necessário que
nos torna filhos de Deus, que realiza aquela adoção filial à qual são chamados
todos os seres humanos porque, como esclarece a bênção divina da Carta
aos Efésios, «em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo,
para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. Ele nos
predestinou para sermos os seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo»
(Ef 1,4-5).
Talvez o homem de hoje não sinta
a beleza, a grandeza e conforto profundo contidos na palavra «pai», com a qual
podemos dirigir-nos a Deus na oração, porque hoje em dia a figura paterna com
frequência não está suficientemente presente, e também muitas vezes não é
suficientemente positiva na vida quotidiana. A ausência do pai, o problema de
um pai ausente na vida do filho é uma grande chaga do nosso tempo, e por isso
torna-se difícil compreender na sua profundidade o que significa que Deus é Pai
para nós. Do próprio Jesus, da sua relação filial com Deus, podemos aprender o
que quer dizer propriamente «pai», qual é a natureza autêntica do Pai que está
nos céus. Alguns críticos da religião afirmaram que falar do «Pai», de Deus, seria
uma projeção dos nossos pais para o céu. Mas é verdade o contrário: no
Evangelho, Cristo mostra-nos quem é pai e como é um pai autêntico, de tal forma
que podemos intuir a verdadeira paternidade, aprender também a paternidade
genuína. Pensemos nas palavras de Jesus no Sermão da Montanha, onde Ele diz: «Amai
os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim vos tornareis
filhos do vosso Pai que está nos céus» (Mt 5,44-45). É precisamente
o amor de Jesus, o Filho Unigénito - que chega ao dom de Si mesmo na cruz - que
nos revela a verdadeira natureza do Pai: Ele é o Amor, e também nós, na nossa
oração de filhos, entramos neste circuito de amor, amor de Deus que purifica as
nossas aspirações e as nossas atitudes caracterizadas pelo fechamento, pela autossuficiência
e pelo egoísmo, típicos do homem velho.
Portanto, poderíamos dizer que
em Deus o ser Pai tem duas dimensões. Antes de tudo, Deus é nosso Pai porque é
nosso Criador. Cada um de nós, cada homem e cada mulher, é um milagre de Deus,
é desejado por Ele e conhecido pessoalmente por Ele. Quando o Livro do
Gênesis afirma que o ser humano é criado à imagem de Deus (Gn
1,27), quer expressar precisamente esta realidade: Deus é o nosso Pai, e para
Ele nós não somos seres anônimos, impessoais, mas temos um nome. E um versículo
dos Salmos emociona-me, quando o recito: «Vossas mãos me modelaram», reza o
salmista (Sl 118, 73). Cada um de nós pode expressar, com esta
imagem bonita, a relação pessoal com Deus: «As tuas mãos me modelaram. Tu me pensaste,
me criaste e me desejaste».
Mas isso ainda não é suficiente.
O Espírito de Cristo abre-nos então a uma segunda dimensão da paternidade de
Deus, para além da criação, porque Jesus é o «Filho» em sentido integral, «consubstancial
ao Pai», como professamos no Credo. Tornando-se um ser humano como nós,
mediante a Encarnação, a Morte e a Ressurreição, Jesus por sua vez acolhe-nos
na sua humanidade e no seu próprio ser Filho, e assim também nós podemos entrar
na sua pertença específica a Deus. Sem dúvida o nosso ser filhos de Deus não
contém a plenitude de Jesus: devemos ser cada vez mais filhos, ao longo do
caminho de toda a nossa existência cristã, crescendo no seguimento de Cristo,
na comunhão com Ele, para entrar sempre mais intimamente na relação de amor com
Deus Pai, que ampara a nossa vida. É esta realidade fundamental que nos é
proporcionada quando nos abrimos ao Espírito Santo e Ele nos faz dirigir a
Deus, dizendo-lhe: «Abbá!», «Pai! ». Realmente passamos para além da
criação na adoção com Jesus; estamos verdadeiramente unidos em Deus e somos
filhos de um modo novo, em uma dimensão renovada.
Mas agora gostaria de voltar a
meditar sobre os dois trechos de São Paulo que estamos considerando, acerca
daquela ação do Espírito Santo na nossa oração. Também aqui são duas passagens
que se correspondem, embora contenham um matiz diverso. Com efeito, na Carta
aos Gálatas o Apóstolo afirma que o Espírito clama em nós: «Abbá!
Pai!»; na Carta aos Romanos diz que somos nós que clamamos: «Abbá!
Pai!». E São Paulo quer nos fazer compreender que a oração cristã nunca é,
jamais acontece, unilateralmente, de nós para Deus, mas constitui a expressão
de uma relação recíproca em que Deus age primeiro: é o Espírito Santo que clama
em nós, e nós podemos clamar porque o impulso provém do Espírito Santo. Não
poderíamos rezar, se não estivesse gravado na profundidade do nosso coração o
desejo de Deus, o ser filhos de Deus. Desde que existe, o homo sapiens está
sempre à procura de Deus, procura falar com Ele, porque Deus inscreveu a Si
mesmo nos nossos corações. Por conseguinte, a primeira iniciativa vem de Deus
e, mediante o Batismo, Deus age de novo em nós, o Espírito Santo age em nós; é
o primeiro iniciador da oração, para que depois possamos realmente falar com Deus
e dizer a Deus: «Abbá!». Portanto, a sua presença abre a nossa oração e
a nossa vida, abre aos horizontes da Trindade e da Igreja.
Além disso, nós compreendemos -
este é o segundo aspecto - que a oração do Espírito de Cristo em nós e a nossa
n’Ele não é apenas um gesto individual, mas um ato de toda a Igreja. Quando
rezamos, abre-se o nosso coração, entramos em comunhão não só com Deus, mas
precisamente com todos os filhos de Deus, porque somos um só. E quando nos
dirigimos ao Pai em nosso ambiente interior, no silêncio e no recolhimento,
nunca estamos sós. Quem fala com Deus não está sozinho. Estamos na grande
oração da Igreja, fazemos parte de uma grandiosa sinfonia que a comunidade
cristã espalhada por todas as partes da terra e em todas as épocas eleva a Deus;
sem dúvida, os músicos e os instrumentos são diferentes - e este é um elemento
de riqueza - mas a melodia de louvor é uma só e está em harmonia. Então, cada
vez que clamamos e dizemos: «Abbá! Pai!», é a Igreja, toda a comunhão
dos homens em oração, que sustenta a nossa invocação, e a nossa invocação é a
invocação da Igreja. Isto se reflete na riqueza dos carismas, dos ministérios e
das tarefas que desempenhamos na comunidade. São Paulo escreve aos cristãos de
Corinto: «Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de
ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo
Deus que realiza tudo em todos.» (1Cor 12,4-6). A oração guiada
pelo Espírito Santo, que nos faz dizer: «Abbá! Pai!» com Cristo e em
Cristo, nos insere no único grande mosaico da família de Deus na qual cada um
ocupa um lugar e desempenha um papel importante, em profunda unidade com tudo.
Mais uma anotação: nós
aprendemos a clamar «Abbá! Pai!» também com Maria, a Mãe do Filho de
Deus. O cumprimento da plenitude do tempo do qual São Paulo fala na Carta
aos Gálatas (Gl 4,4) verifica-se no momento do «sim» de Maria,
da sua adesão plena à vontade de Deus: «Eis aqui a serva do Senhor» (Lc 1,38).
Amados irmãos e irmãs,
aprendamos a apreciar na nossa oração a beleza de ser amigos, ou melhor, filhos
de Deus, de poder invocá-Lo com a confidência e a confiança que uma criança tem
em relação aos pais que o amam. Abramos a nossa oração à obra do Espírito
Santo, para que em nós clame a Deus: «Abbá! Pai!», e a fim de que a
nossa oração se transforme, mude constantemente o nosso pensar, o nosso agir,
para torná-lo cada vez mais conforme com o do Filho Unigênito, Jesus Cristo.
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Fonte: Santa Sé.
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