Às portas do Tríduo Pascal, trazemos aqui a última Catequese de Bento XVI sobre a oração na vida de Jesus, dedicada ao seu silêncio. Com esta meditação se encerra a segunda parte das Catequeses sobre a oração do Papa alemão, proferidas entre 2011 e 2012.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 07 de março de 2012
A oração (28): O silêncio de Jesus
Queridos irmãos e irmãs,
Nas Catequeses anteriores
falei sobre a oração de Jesus e não gostaria de concluir esta reflexão sem meditar
brevemente acerca do tema do silêncio de Jesus, tão importante na relação com
Deus.
Na Exortação
Apostólica pós-sinodal Verbum Domini fiz referência ao papel que o silêncio adquire
na vida de Jesus, sobretudo no Gólgota: «Aqui vemo-nos colocados diante da
“Palavra da cruz” (1Cor 1,18). O
Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque “disse” a Si mesmo até calar,
nada retendo do que nos devia comunicar» (n. 12). Diante deste silêncio da
cruz, São Máximo, o Confessor, põe nos lábios da Mãe de Deus a seguinte
expressão: «Fica sem palavras a Palavra do Pai, o qual fez todas as criaturas
que falam; sem vida estão os olhos apagados d’Aquele por cuja palavra e por
cujo aceno se move tudo o que tem vida» (A
vida de Maria, n. 89; in: Textos
marianos do primeiro milênio, vol. 2, Roma, 1989, p. 253).
A cruz de Cristo
não mostra somente o silêncio de Jesus como sua última palavra ao Pai, mas
revela também que Deus fala por meio
do silêncio: «O silêncio de Deus, a
experiência da distância do Onipotente e Pai é etapa decisiva no caminho terreno
do Filho de Deus, Palavra encarnada. Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento
que lhe causou tal silêncio fê-lo lamentar: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?” (Mc 15,34; Mt 27,46). Avançando na obediência até o
último suspiro de vida, na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele
entregou-Se no momento da passagem, através da morte, para a vida eterna: “Pai,
em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)» (Verbum Domini,
n. 21). A experiência de Jesus na cruz é profundamente reveladora da situação
do homem que reza e do ápice da oração: depois de ter ouvido e reconhecido a
Palavra de Deus, devemos medir-nos também com o silêncio de Deus, expressão
importante da própria Palavra divina.
A dinâmica de
palavra e silêncio que caracteriza a oração de Jesus em toda a sua existência
terrena, sobretudo na cruz, diz respeito também à nossa vida de oração, em duas
direções.
A primeira é a
que se refere ao acolhimento da Palavra de Deus. É necessário o silêncio
interior e exterior para que tal palavra possa ser ouvida. E este é um ponto
particularmente difícil para nós, no nosso tempo. Com efeito, a nossa é uma
época na qual não se favorece o recolhimento; aliás, às vezes a impressão é de
que as pessoas têm medo de se separar, mesmo por um instante, do rio de
palavras e de imagens que marcam e enchem os dias. Por isso, na já mencionada
Exortação Verbum
Domini recordei a necessidade de nos educarmos para o valor do
silêncio: «Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja
significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade
interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os mistérios de Cristo
estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra pode encontrar morada em
nós, como aconteceu em Maria, mulher inseparável da Palavra e do silêncio» (n.
66). Este princípio - que sem silêncio não se sente, não se ouve, não se recebe
uma palavra - é válido sobretudo para a oração pessoal, mas também para as
nossas Liturgias: para facilitar uma escuta autêntica, elas devem ser também
ricas de momentos de silêncio e de acolhimento não verbal. É sempre válida a
observação de Santo Agostinho: Verbo
crescente, verba deficiunt - «Quando o Verbo de Deus cresce, as palavras do
homem falham» (cf. Sermão 288,
5: PL 38, 1307; Sermão 120, 2: PL 38,
677). Os Evangelhos apresentam com frequência, sobretudo nas escolhas
decisivas, Jesus que se retira totalmente sozinho para um lugar afastado das
multidões e dos próprios discípulos para rezar no silêncio e viver a sua
relação filial com Deus. O silêncio é capaz de escavar um espaço interior no
nosso íntimo para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra permaneça em
nós, a fim de que o amor por Ele se arraigue na nossa mente e no nosso coração
e anime a nossa vida. Portanto, a primeira direção: voltar a aprender o
silêncio, a abertura à escuta, que nos abre ao próximo, à Palavra de Deus.
Porém, há uma
segunda importante relação do silêncio com a oração. Com efeito, não há apenas
o nosso silêncio para nos dispor à escuta da Palavra de Deus; muitas vezes, na
nossa oração, encontramo-nos diante do silêncio de Deus, experimentamos quase
um sentido de abandono, parece-nos que Deus não ouve e não responde. Mas este
silêncio de Deus, como aconteceu também para Jesus, não marca a sua ausência. O
cristão sabe bem que o Senhor está presente e escuta, mesmo na escuridão da
dor, da rejeição e da solidão. Jesus garante aos discípulos e a cada um de nós
que Deus conhece bem as nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida.
Ele ensina aos discípulos: «Quando orardes, não useis muitas palavras, como
fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não
sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o
peçais» (Mt 6,7-8): um coração
atento, silencioso e aberto é mais importante que muitas palavras. Deus
conhece-nos no íntimo, mais do que nós mesmos, e ama-nos: e saber isto deve ser
suficiente. Na Bíblia, a experiência de Jó é particularmente significativa a
este propósito. Em pouco tempo este homem perde tudo: familiares, bens, amigos
e saúde; parece mesmo que a atitude de Deus para com ele é a do abandono, do
silêncio total. No entanto, Jó, na sua relação com Deus, fala com Ele, clama a
Deus; na sua oração, não obstante tudo, conserva intacta a sua fé e, no fim, descobre
o valor da sua experiência e do silêncio de Deus. E assim no final,
dirigindo-se ao Criador, pode concluir: «Eu tinha ouvido falar de ti, mas agora
são os meus olhos que te veem» (Jó
42,5): todos nós conhecemos Deus quase só por ter ouvido falar dele, e quanto mais
abertos permanecemos ao seu e ao nosso silêncio, tanto mais começamos a
conhecê-lo realmente. Esta confiança extrema que se abre ao encontro profundo
com Deus amadureceu no silêncio. São Francisco Xavier rezava, dizendo ao
Senhor: Eu amo-te, não porque podeis conceder-me o paraíso ou condenar-me ao
inferno, mas porque Vós sois o meu Deus. Amo-vos porque Vós sois Vós!
Aproximando-nos
da conclusão das reflexões sobre a oração de Jesus, voltam à mente alguns
ensinamentos do Catecismo
da Igreja Católica:
«O drama da oração nos é plenamente revelado no Verbo que se faz carne e habita
entre nós. Procurar compreender a sua oração através do que as suas testemunhas
nos dizem dela no Evangelho é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça
ardente: primeiro, contemplando-O a Ele mesmo em oração; depois, escutando como
Ele nos ensina a rezar, para, finalmente, conhecermos como é que Ele atende a
nossa oração» (n. 2598). E como é que Jesus nos ensina a rezar? No Compêndio do Catecismo
da Igreja Católica encontramos uma resposta clara: «Jesus ensina-nos
a rezar, não só com a oração do Pai nosso»
- certamente o ato central do ensinamento do modo como rezar - «mas também com
a sua própria oração. Assim, para além do conteúdo, ensina-nos as disposições
requeridas para uma verdadeira oração: a pureza do coração que procura o Reino
e perdoa aos inimigos; a confiança audaz e filial que se estende para além do
que sentimos e compreendemos; a vigilância que protege o discípulo da tentação»
(n. 544).
Percorrendo os
Evangelhos vimos como o Senhor é, para a nossa oração, interlocutor, amigo,
testemunha e mestre. Em Jesus revela-se a novidade do nosso diálogo com Deus: a
oração filial, que o Pai espera dos seus filhos. E de Jesus aprendemos como a
oração constante nos ajuda a interpretar a nossa vida, a fazer as nossas escolhas,
a reconhecer e a acolher a nossa vocação, a descobrir os talentos que Deus nos
concedeu, a cumprir diariamente a sua vontade, único caminho para realizar a
nossa existência.
Para nós, muitas
vezes preocupados com a eficácia funcional e com os resultados concretos que
alcançamos, a prece de Jesus indica que temos necessidade de parar, de viver
momentos de intimidade com Deus, «desapegando-nos» da confusão de todos os dias,
para ouvir, para ir à «raiz» que sustenta e alimenta a vida. Um dos momentos
mais bonitos da oração de Jesus é precisamente quando Ele, para enfrentar
doenças, dificuldades e limites dos seus interlocutores, se dirige ao seu Pai
em oração e assim ensina a quantos estão ao seu redor onde é necessário
procurar a fonte para ter esperança e salvação. Já recordei, como exemplo
comovedor, a oração de Jesus no túmulo de Lázaro. O evangelista João narra: «Tiraram
então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, eu te dou
graças porque me ouviste. Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa
do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste”. Tendo dito isso,
exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!”» (Jo 11,41-43). Mas o ponto mais alto de profundidade na oração ao
Pai, Jesus alcança-o no momento da Paixão e Morte, quando pronuncia o extremo
«sim» ao desígnio de Deus e mostra como a vontade humana encontra o seu
cumprimento precisamente na adesão plena à vontade divina, e não na oposição.
Na oração de Jesus, no seu grito na Cruz, confluem «todas as desolações da
humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todas as súplicas
e intercessões da história da salvação... E eis que o Pai as acolhe e atende,
para além de toda a esperança, ao ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se
consuma o drama da oração na economia da criação e da salvação» (Catecismo da Igreja
Católica, n. 2606).
Caros irmãos e
irmãs, peçamos com confiança ao Senhor para viver o caminho da nossa oração
filial, aprendendo quotidianamente do Filho Unigênito que se fez homem por nós
como deve ser o modo de nos dirigirmos a Deus. As palavras de São Paulo sobre a
vida cristã em geral são válidas também para a nossa oração: «Tenho certeza de
que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os poderes celestiais, nem o
presente nem o futuro, nem as forças cósmicas, nem a altura nem a profundeza,
nem outra criatura qualquer serão capazes de nos separar do amor de Deus por
nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8,38-39).
Fonte: Santa Sé.
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