Dando continuidade às suas Catequeses sobre a oração centradas nos Atos dos Apóstolos, em sua 30ª meditação o Papa Bento XVI refletiu sobre a oração da Igreja nascente no contexto da perseguição.
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 18 de abril de 2012
A oração (30):
A oração na perseguição à Igreja (At 4)
Amados irmãos e irmãs,
Depois das grandes festas, voltamos agora às Catequeses
sobre a oração. Na audiência antes da Semana Santa refletimos sobre a figura da
Bem-Aventurada Virgem Maria presente no meio dos Apóstolos em oração no momento
em que aguardavam a descida do Espírito Santo. Uma atmosfera orante acompanha
os primeiros passos da Igreja. O Pentecostes não é um episódio isolado, porque
a presença e a ação do Espírito Santo guiam e animam constantemente o caminho
da comunidade cristã. Com efeito, nos Atos dos Apóstolos, São Lucas,
além de narrar a grande efusão que se deu no Cenáculo cinquenta dias depois da
Páscoa (At 2,1-13), refere outras irrupções extraordinárias do Espírito
Santo, que se repetem na história da Igreja. E hoje desejo analisar aquela que
foi definida o «pequeno Pentecostes», que se verificou no ápice de uma fase
difícil na vida da Igreja nascente.
A Igreja orante (Catacumbas de Priscila, Roma) |
Os Atos dos Apóstolos narram que, depois da
cura de um paralítico junto do Templo de Jerusalém (At 3,1-10), Pedro e
João foram presos (At 4,1) porque anunciavam a Ressurreição de Jesus a
todo o povo (At 3,11-26). Depois de um processo sumário e de terem sido
libertados, foram ao encontro dos seus irmãos e contaram-lhes tudo o que
tiveram que suportar por causa do testemunho dado de Jesus o Ressuscitado.
Naquele momento, diz São Lucas, «todos elevaram unânimes a sua voz a Deus» (At
4,24). Aqui Lucas refere a oração mais ampla da Igreja que encontramos no Novo
Testamento, no final da qual, como ouvimos, «tremeu o lugar onde estavam
reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam
corajosamente a Palavra de Deus» (At 4,31).
Antes de considerar esta bonita oração, observamos
uma atitude de fundo importante: diante do perigo, da dificuldade, da ameaça, a
primeira comunidade cristã não procura analisar o modo como reagir, como
encontrar estratégias, como se defender, quais medidas adotar, mas, diante da
prova, põe-se em oração, entra em contato com Deus.
E que característica tem esta oração? Trata-se de
uma oração unânime e concorde de toda a comunidade, que enfrenta uma situação
de perseguição por causa de Jesus. No original grego São Lucas usa a palavra «homothumadon»
(ὁμοθυμαδὸν) - «todos juntos», «concordes» - uma palavra que é usada em outras
partes dos Atos dos Apóstolos para ressaltar esta oração perseverante e
concorde (At 1,14; 2,46). Esta concórdia é o elemento fundamental da
primeira comunidade e deveria ser sempre fundamental para a Igreja. Não é então
só a oração de Pedro e de João, que se encontraram em perigo, mas de toda a
comunidade, porque quanto os dois Apóstolos vivem não diz respeito só a eles,
mas a toda a Igreja. Face às perseguições suportadas por causa de Jesus, a
comunidade não só não se assusta nem se divide, mas está profundamente unida na
oração, como uma só pessoa, para invocar o Senhor. Diria que este é o primeiro
prodígio que se realiza quando os fiéis são postos à prova por causa da sua fé:
a unidade consolida-se, em vez de ser comprometida, porque é apoiada por uma
oração inabalável. A Igreja não deve recear as perseguições que na sua história
é obrigada a suportar, mas ter sempre confiança, como Jesus no Getsêmani, na
presença, na ajuda e na força de Deus, invocado na oração.
Demos mais um passo: o que pede a Deus a comunidade
cristã no momento de prova? Não pede a incolumidade da vida diante da
perseguição, nem que o Senhor puna aqueles que aprisionaram Pedro e João; pede
unicamente que lhe seja concedido «proclamar com toda a franqueza», corajosamente,
a Palavra de Deus (At 4,29), ou seja, reza para não perder a coragem da
fé, a coragem de anunciar a fé. Mas antes procura compreender em profundidade o
que aconteceu, procura ler os acontecimentos à luz da fé e faz isto
precisamente através da Palavra de Deus, que nos faz decifrar a realidade do
mundo.
Na oração que eleva ao Senhor, a comunidade começa recordando
e invocando a grandeza e a imensidade de Deus: «Senhor, tu criaste o céu, a
terra, o mar e tudo o que neles existe» (At 4,24). É a invocação ao
Criador: sabemos que tudo provém d’Ele, que tudo está nas suas mãos. É esta a
consciência que nos dá certeza e coragem: tudo provém d’Ele, tudo está nas suas
mãos.
Em seguida a comunidade reconhece o modo como Deus
agiu na história - começa com a criação e prossegue na história -, como esteve
próximo do seu povo mostrando-se um Deus que se interessa pelo homem, que não
se retirou, que não abandona o homem, sua criatura. Neste ponto é citado explicitamente
o Salmo 2, à luz do qual é lida a situação de dificuldade que a Igreja está a
viver naquele momento. O Salmo 2 celebra a entronização do rei de Judá, mas
refere-se profeticamente à vinda do Messias, contra o qual nada poderão fazer a
rebelião, a perseguição, a injustiça dos homens: «Por que se enfureceram as
nações, e os povos imaginaram coisas vãs? Os reis da terra se insurgem e os
príncipes conspiram unidos contra o Senhor e contra o seu Messias’» (At
4,25-26; Sl 2,2). Profeticamente o Salmo já diz isto acerca do Messias,
e é característica em toda a história esta rebelião dos poderosos contra o
poder de Deus. Precisamente lendo a Sagrada Escritura, que é Palavra de Deus, a
comunidade pode dizer a Deus na sua oração: «Foi assim que aconteceu nesta
cidade... uniram-se contra Jesus, teu santo servo, a quem ungiste, a fim de
executarem tudo o que a tua mão e a tua vontade haviam predeterminado que
sucedesse» (At 4,27-28). O que aconteceu é lido à luz de Cristo, que é a
chave para compreender também a perseguição; a Cruz, que é sempre a chave para
a Ressurreição. A oposição a Jesus, a sua Paixão e Morte, são relidas, através
do Salmo 2, como realização do projeto de Deus Pai para a salvação do mundo.
Encontra-se aqui também o sentido da experiência de perseguição que a primeira
comunidade cristã está vivendo; esta primeira comunidade não é uma simples
associação, mas uma comunidade que vive em Cristo; portanto, o que lhe acontece
faz parte do desígnio de Deus. Como aconteceu com Jesus, também os discípulos
encontram oposição, incompreensão, perseguição. Na oração, a meditação sobre a
Sagrada Escritura à luz do mistério de Cristo ajuda a ler a realidade presente
no interior da história de salvação que Deus realiza no mundo, sempre à sua
maneira.
Precisamente por isto o pedido que a primeira
comunidade cristã de Jerusalém formula a Deus na oração não é para ser
defendida, poupada à prova, ao sofrimento, não é a prece para ter sucesso, mas
unicamente a de poder proclamar com «parresia», isto é, com franqueza,
com liberdade, com coragem, a Palavra de Deus (At 4,29).
Acrescenta depois o pedido que este anúncio seja
acompanhado pela mão de Deus, para que se cumpram curas, sinais, prodígios (At
4,30), isto é, que a bondade de Deus seja visível, como força que transforma a
realidade, que muda o coração, a mente, a vida dos homens e traga a novidade
radical do Evangelho.
No final da oração - escreve São Lucas - «tremeu o
lugar onde estavam reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e
anunciavam corajosamente a Palavra de Deus» (At 4,31): o lugar tremeu,
isto é, a fé tem a força de transformar a terra e o mundo. O mesmo Espírito que
falou por meio do Salmo 2 na oração da Igreja, irrompe na casa e enche o
coração de todos os que invocaram o Senhor. Isto é o fruto da oração coral que
a comunidade cristã eleva a Deus: a efusão do Espírito, dom do Ressuscitado que
ampara e guia o anúncio livre e corajoso da Palavra de Deus, que estimula os
discípulos do Senhor a sair sem receio para levar a boa nova até aos confins do
mundo.
Também nós, queridos irmãos, devemos saber levar os
acontecimentos da nossa vida quotidiana à nossa oração, para procurar o seu
significado profundo. E como a primeira comunidade cristã, também nós,
deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus, através da meditação sobre a
Sagrada Escritura, podemos aprender a ver que Deus está presente na nossa vida,
presente também e precisamente nos momentos difíceis, e que tudo - até as
coisas incompreensíveis - faz parte de um desígnio superior de amor no qual a
vitória final sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte é verdadeiramente a
vitória do bem, da graça, da vida, de Deus.
Como para a primeira comunidade cristã, a oração
ajuda-nos a ler a história pessoal e coletiva na perspectiva mais justa e fiel,
a de Deus. E também nós queremos renovar o pedido do dom do Espírito Santo, que
aqueça o coração e ilumine a mente, para reconhecer como o Senhor realiza as
nossas invocações segundo a sua vontade de amor e não segundo as nossas ideias.
Guiados pelo Espírito de Jesus Cristo, seremos capazes de viver com serenidade,
coragem e alegria qualquer situação da vida e, com São Paulo, orgulhar-nos «de
nossas tribulações, sabendo que a tribulação gera a constância, a constância
leva a uma virtude provada, a virtude provada desabrocha em esperança»: aquela
esperança que «não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,3-5).
O Papa Bento XVI preside a Missa da Solenidade de Pentecostes (2012) |
Fonte: Santa Sé.
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