Completando sua meditação sobre as suas “palavras” de Jesus na Cruz, em sua 27ª Catequese sobre a oração o Papa Bento XVI se centra no Evangelho segundo Lucas.
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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
A oração (27):
A oração de Jesus diante da morte (Lucas)
Queridos irmãos e irmãs,
Na nossa escola
de oração, na quarta-feira passada falei sobre a oração de Jesus na Cruz, tirada
do Salmo 21 (22): «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?». Agora gostaria
de continuar a meditação sobre a oração de Jesus na Cruz na iminência da morte.
Hoje pretendo refletir sobre a narração que encontramos no Evangelho de São
Lucas. O evangelista transmitiu-nos três palavras de Jesus na Cruz, duas
das quais - a primeira e a terceira - são preces dirigidas explicitamente ao
Pai. A segunda, ao contrário, é constituída pela promessa feita ao chamado “bom
ladrão”, crucificado com Ele; de fato, respondendo ao pedido do ladrão, Jesus
tranquiliza-o: «Em verdade Eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,43). Assim, na narração de Lucas
estão entrelaçadas sugestivamente as duas orações que Jesus em agonia dirige ao
Pai e o acolhimento da súplica que lhe é dirigida pelo pecador arrependido.
Jesus invoca o Pai e ao mesmo tempo ouve o pedido deste homem que muitas vezes
é chamado latro poenitens, «o ladrão penitente»
ou «o ladrão arrependido».
O diálogo entre Cristo e o ladrão penitente (Tiziano) |
Meditemos sobre
estas três preces de Jesus. Ele pronuncia a primeira imediatamente depois de ter
sido pregado na Cruz, enquanto os soldados dividem entre si as suas vestes,
como triste recompensa do seu serviço. Em certo sentido, é com este gesto que
se encerra o processo da crucificação. São Lucas escreve: «Quando chegaram ao
lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua
direita e outro à sua esquerda. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem
o que fazem!”. Depois fizeram um sorteio, repartindo entre si as roupas de
Jesus» (Lc 23,33-34). A primeira oração que Jesus dirige ao Pai é de
intercessão: pede o perdão para os seus algozes. Com isto, Jesus cumpre
pessoalmente quanto tinha ensinado no Sermão da Montanha, quando disse: «A vós
que me escutais, eu digo: Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos
odeiam» (Lc 6,27), e também tinha
prometido àqueles que sabem perdoar: «A vossa recompensa será grande e sereis
filhos do Altíssimo» (v. 35). Agora, da Cruz, Ele não só perdoa os seus
algozes, mas dirige-se diretamente ao Pai, intercedendo a favor deles.
Esta atitude de
Jesus encontra uma «imitação» comovedor no relato do apedrejamento de Santo
Estêvão, o primeiro mártir. Com efeito Estêvão, já próximo do fim, «dobrando os
joelhos, gritou com voz forte: “Senhor, não os condenes por este pecado”. E, ao
dizer isso, morreu» (At 7,60): esta
foi a sua última palavra. É significativo o confronto entre a prece de perdão
de Jesus e a do protomártir. Santo Estêvão dirige-se ao Senhor Ressuscitado e
pede que a sua morte - um gesto definido claramente com a expressão «este
pecado» - não seja atribuída aos seus lapidadores. Na Cruz, Jesus dirige-se ao
Pai e pede não só o perdão para os seus crucificadores, mas oferece também uma
leitura de quanto está a acontecer. Com efeito, segundo as suas palavras, os
homens que O crucificam «não sabem o que fazem» (Lc 23,34). Ou seja, Ele põe a ignorância, o «não saber», como
motivo do pedido de perdão ao Pai, porque esta ignorância deixa aberto o
caminho para a conversão, como acontece com as palavras que pronunciará o
centurião quando Jesus morre: «Verdadeiramente este homem era justo» (v. 47),
era o Filho de Deus. «Permanece uma consolação para todos os tempos e para
todos os homens o fato de que o Senhor, quer a respeito daqueles que realmente
não sabiam - os algozes - quer de quantos sabiam e O condenaram, põe a ignorância
como motivo do pedido de perdão; vê-a como porta que pode abrir-nos à
conversão» (Jesus de Nazaré, vol. II,
Planeta, 2011, p. 190).
A segunda
palavra de Jesus na Cruz citada por São Lucas é de esperança, é a resposta ao
pedido de um dos dois homens crucificados com Ele. Diante de Jesus, o “bom
ladrão” toma consciência de si mesmo e arrepende-se, compreende que está diante
do Filho de Deus, que torna visível a Face do próprio Deus, e pede-lhe: «Jesus,
lembra-te de mim quando entrares no teu reino» (v. 42). A resposta do Senhor a
este pedido vai muito além da súplica; com efeito, Ele diz: «Em verdade Eu te
digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso» (v. 43). Jesus está consciente de
entrar diretamente em comunhão com o Pai e de reabrir ao homem o caminho para o
Paraíso de Deus. Assim, mediante esta resposta, dá a esperança firme de que a
bondade de Deus pode tocar-nos até no último instante da vida e a prece
sincera, mesmo após uma vida errada, encontra os braços abertos do Pai bom, que
espera a vinda do filho.
Mas meditemos sobre
as últimas palavras de Jesus agonizante. O evangelista narra: Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão
cobriu toda a terra até às três horas da tarde, pois o sol parou de brilhar. A
cortina do santuário rasgou-se pelo meio, e Jesus deu um forte grito: “Pai, em
tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso, expirou» (vv. 44-46). Alguns
aspectos desta narração são diferentes em relação ao contexto oferecido em Marcos
e Mateus. As três horas de escuridão em Marcos não são descritas, enquanto em
Mateus são ligadas a uma série de vários acontecimentos apocalípticos, como o
tremor de terra, a abertura dos sepulcros e os mortos que ressuscitam (Mt 27,51-53). Em Lucas, as horas de
escuridão têm a sua causa no eclipsar-se do sol, mas nesse momento verifica-se
inclusive a laceração do véu do templo. Deste modo, a narração lucana apresenta
dois sinais, de certo modo paralelos, no céu e no templo. O céu perde a sua
luz, a terra desaba, enquanto no templo, lugar da presença de Deus, se rasga o
véu que protege o santuário. A morte de Jesus caracteriza-se explicitamente
como evento cósmico e litúrgico; em especial, marca o início de um novo culto, em
um templo não construído por homens, porque é o Corpo do próprio Jesus, Morto e
Ressuscitado, que congrega os povos, unindo-os no Sacramento do seu Corpo e
Sangue.
A prece de Jesus
neste momento de sofrimento - «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» - é um
forte grito de confiança extrema e total em Deus. Tal oração expressa a plena
consciência de não estar abandonado. A invocação inicial - «Pai» - recorda a
sua primeira declaração, quando tinha doze anos. Então, permaneceu por três
dias no templo de Jerusalém, cujo véu agora se rasgou. E quando os pais lhe
manifestaram a sua preocupação, respondeu: «Por que me procuráveis? Não sabeis
que devo estar na casa de meu Pai?» (Lc
2,49). Do início ao fim, o que determina completamente o sentir de Jesus, as
suas palavras, os seus gestos, é a relação singular com o Pai. Na Cruz, Ele
vive plenamente no amor esta sua relação filial com Deus, que anima a sua
oração.
As palavras
proferidas por Jesus após a invocação: «Pai», retomam uma expressão do Salmo 30:
«Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito,» (v. 6). Estas palavras não
são uma simples citação; ao contrário, manifestam uma decisão firme: Jesus «entrega-se»
ao Pai em um gesto de abandono total. Estas palavras são uma prece de
«entrega», cheia de confiança no amor de Deus. A oração de Jesus diante da
morte é dramática, como o é para cada homem, mas ao mesmo tempo está imbuída da
calma profunda que nasce da confiança no Pai e da vontade de se entregar
totalmente a Ele. No Getsêmani, quando começou a luta final e a oração mais
intensa e estava para ser «entregue nas mãos dos homens» (Lc 9,44), o seu suor tornou-se «como gotas de sangue que caíam no
chão » (Lc 22,44). Mas o seu Coração
obedecia totalmente à vontade do Pai, e por isso «um anjo do céu» veio
confortá-lo (vv. 42-43). Ora, nos últimos instantes, Jesus dirige-se ao Pai,
dizendo quais são realmente as mãos às quais Ele entrega toda a sua existência.
Antes de partir em viagem rumo a Jerusalém, Jesus tinha insistido com os seus
discípulos: «Prestai bem atenção às palavras que vou dizer: O Filho do Homem
vai ser entregue nas mãos dos homens» (Lc
9,44). Agora que a vida está para deixá-Lo, Ele sela na prece a última decisão:
Jesus deixou-se entregar «nas mãos dos homens», mas é nas mãos do Pai que
entrega o seu espírito; assim - como diz o evangelista João - «tudo está consumado»
(Jo 19,30), o supremo gesto de amor é levado até ao fim, ao limite e
mais além.
Caros irmãos e
irmãs, as palavras de Jesus na Cruz nos últimos instantes da sua vida terrena
oferecem indicações exigentes para a nossa oração, mas também a abrem a uma
confiança segura e a uma esperança firme. Jesus, que pede ao Pai para perdoar
quantos O crucificam, convida-nos ao difícil gesto de rezar também por aqueles
que são injustos conosco, que nos
prejudicaram, sabendo perdoar sempre, a fim de que a luz de Deus possa iluminar
o seu coração; e convida-nos a viver, na nossa oração, a mesma atitude de
misericórdia e de amor que Deus tem por nós: «Perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», recitamos diariamente no
«Pai nosso». Ao mesmo tempo, Jesus, que na hora extrema da morte se confia totalmente
nas mãos de Deus Pai, comunica-nos a certeza de que, por mais duras que sejam
as provas, por mais difíceis os problemas, por mais pesado o sofrimento, nunca
estaremos fora das mãos de Deus, das mãos que nos criaram, que nos sustentam e
que nos acompanham no caminho da existência, porque guiadas por um amor
infinito e fiel.
O Papa adora a Cruz durante a Celebração da Paixão |
Fonte: Santa Sé.
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