quarta-feira, 26 de abril de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (34)

Na terceira parte das suas Catequeses sobre a oração, dedicada ao Novo Testamento, após meditar sobre os Atos dos Apóstolos, o Papa Bento XVI passou a refletir sobre a oração nas Cartas de Paulo.

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 16 de maio de 2012
A oração (34):
A oração nas Cartas de Paulo

Queridos irmãos e irmãs,
Nas últimas Catequeses pudemos meditar sobre a oração nos Atos dos Apóstolos, e hoje gostaria de começar a falar da oração nas Cartas de São Paulo, o Apóstolo das nações. Antes de tudo, gostaria de observar que não é ocasional que as suas Cartas sejam introduzidas e terminem com expressões de oração: no início, ação de graças e louvor, e no final, bons votos a fim de que a graça de Deus oriente o caminho das comunidades às quais se dirigem as Cartas. Entre a fórmula de abertura - «Dou graças ao meu Deus, por meio de Jesus Cristo» (Rm 1,8) - e os votos finais - «A graça do Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós!» (1Cor 16,23) - desenvolvem-se os conteúdos das Cartas do Apóstolo. A oração de São Paulo se manifesta em uma grande riqueza de formas que vão da ação de graças à bênção, do louvor ao pedido e à intercessão, do hino à súplica: uma variedade de expressões que demonstra como a oração envolve e penetra todas as situações da vida, tanto pessoais como das comunidades às quais se dirige.

São Paulo escrevendo suas Cartas

Um primeiro elemento que o Apóstolo quer fazer-nos compreender é que a oração não deve ser vista como uma simples boa obra realizada por nós a favor de Deus, uma ação nossa. É antes de tudo uma dádiva, fruto da presença viva, vivificadora do Pai e de Jesus Cristo em nós. Na Carta aos Romanos escreve: «O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis» (Rm 8,26). E sabemos como é verdadeiro aquilo que o Apóstolo diz: «Não sabemos o que pedir», «Não sabemos orar como convém». Desejamos rezar, mas Deus está distante, não dispomos das palavras, da linguagem para falar com Deus, nem sequer o pensamento. Só podemos abrir-nos, pôr o nosso tempo à disposição de Deus, esperar que Ele nos ajude a entrar em um diálogo verdadeiro. O Apóstolo diz: precisamente esta falta de palavras, esta ausência de palavras, e, no entanto, este desejo de entrar em contato com Deus, é oração que o Espírito Santo não só entende, mas leva, interpreta junto de Deus. É precisamente esta nossa debilidade que se torna, através do Espírito Santo, verdadeira oração, contato autêntico com Deus. O Espírito Santo é o intérprete que nos faz compreender, a nós mesmos e a Deus, o que queremos dizer.

Na oração nós experimentamos, mais do que em outras dimensões da existência, a nossa debilidade, a nossa pobreza e o fato de sermos criaturas, porque somos colocados diante da onipotência e da transcendência de Deus. E quanto mais progredimos na escuta e no diálogo com Deus, para que a oração se torne o suspiro quotidiano da nossa alma, tanto mais compreendemos também o sentido do nosso limite, não apenas diante das situações concretas de cada dia, mas inclusive na própria relação com o Senhor. Então, aumenta em nós a necessidade de nos confiarmos, de nos entregarmos cada vez mais a Ele; compreendemos que «não sabemos rezar como convém» (Rm 8,26). E é o Espírito Santo que ajuda a nossa incapacidade, ilumina a nossa mente e aquece o nosso coração, orientando o nosso dirigir-nos a Deus. Para São Paulo, a oração é acima de tudo o agir do Espírito Santo na nossa humanidade, para assumir a nossa debilidade e para nos transformar de homens vinculados às realidades materiais em homens espirituais. Na Primeira Carta aos Coríntios, diz: «Nós não recebemos o espírito do mundo, mas recebemos o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons da graça que Deus nos concedeu. Desses dons também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com a sabedoria aprendida do Espírito: assim, ajustamos uma linguagem espiritual às realidades espirituais» (1Cor 2,12-13). Com o seu habitar na nossa fragilidade humana, o Espírito Santo transforma-nos, intercede por nós e conduz-nos rumo às alturas de Deus.

É com esta presença do Espírito Santo que se realiza a nossa união com Cristo, porque se trata do Espírito do Filho de Deus, no qual nos tornamos filhos. São Paulo fala do Espírito de Cristo (Rm 8,9), e não apenas do Espírito de Deus. É óbvio: se Cristo é o Filho de Deus, o seu Espírito é também Espírito de Deus e assim, se o Espírito de Deus, Espírito de Cristo, já se tornou muito próximo de nós no Filho de Deus e Filho do homem, o Espírito de Deus torna-se também espírito humano e toca-nos; podemos entrar na comunhão do Espírito. É como se dissesse que não só Deus Pai se fez visível na Encarnação do Filho, mas também o Espírito de Deus se manifesta na vida e na ação de Jesus, de Jesus Cristo, que viveu, foi crucificado, morreu e ressuscitou. O Apóstolo recorda que «ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor”, a não ser no Espírito Santo» (1Cor 12,3). Por conseguinte, o Espírito orienta o nosso coração rumo a Jesus Cristo, de modo que «já não somos nós que vivemos; é Cristo que vive em nós» (cf. Gl 2,20). Nas suas Catequeses sobre os Sacramentos, refletindo sobre a Eucaristia, Santo Ambrósio afirma: «Quem se inebria do Espírito está enraizado em Cristo» (De Sacramentis 5, 3, 17: PL 16, 450).

E agora gostaria de pôr em evidência três consequências da nossa vida cristã quando deixamos agir em nós, não o espírito do mundo, mas o Espírito de Cristo, como princípio interior de todo o nosso agir.

Antes de tudo, mediante a oração animada pelo Espírito, somos postos em condições de abandonar e ultrapassar todas as formas de medo ou de escravidão, vivendo a liberdade autêntica dos filhos de Deus. Sem a oração, que alimenta todos os dias o nosso estar em Cristo, em uma intimidade que aumenta progressivamente, encontramo-nos na condição descrita por São Paulo na Carta aos Romanos: não fazemos o bem, que queremos, mas sim o mal, que não queremos (cf. Rm 7,19). E esta é a expressão da alienação do ser humano, da destruição da nossa liberdade, pelas circunstâncias do nosso ser para o pecado original: queremos o bem, que não fazemos, e fazemos aquilo que não queremos, ou seja, o mal. O Apóstolo quer fazer-nos compreender que não é antes de tudo a nossa vontade que nos liberta destas condições, nem sequer a Lei, mas sim o Espírito Santo. E dado que «onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2Cor 3,17), mediante a oração nós experimentamos a liberdade concedida pelo Espírito: uma liberdade autêntica, que é libertação do mal e do pecado para o bem e para a vida, para Deus. A liberdade do Espírito, acrescenta São Paulo, nunca se identifica com a libertinagem, nem com a possibilidade de fazer a escolha do mal, mas sim com o fruto do Espírito, que é «caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência» (Gl 5,22-23). Esta é a liberdade autêntica: poder realmente seguir o desejo do bem, da alegria verdadeira, da comunhão com Deus, e não ser oprimido pelas circunstâncias que nos impelem a outros rumos.

Uma segunda consequência que se verifica na nossa vida, quando deixamos agir em nós o Espírito de Cristo, é que a relação com o próprio Deus se torna tão profunda, que não chega a ser impedida por qualquer realidade ou situação. Então compreendemos que com a oração nós não somos libertados das provações nem dos sofrimentos, mas podemos vivê-los em união com Cristo, com os seus sofrimentos, na esperança de participar também da sua glória (cf. Rm 8,17). Na nossa oração, nós muitas vezes pedimos a Deus para ser libertados do mal físico e espiritual, e o fazemos com grande confiança. No entanto, com frequência temos a impressão de que não somos escutados, e então corremos o risco de desanimarmos e de não perseverarmos. Na realidade, não há clamor humano que não seja escutado por Deus, e precisamente na oração constante e fiel nós compreendemos com São Paulo que «os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós» (Rm 8,18). A oração não nos isenta da prova e dos sofrimentos, mas, ao contrário - diz São Paulo - nós «estamos interiormente gemendo, aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo» (Rm 8,23); ele diz que a oração não nos isenta do sofrimento, mas permite-nos vivê-lo e enfrentá-lo com uma força renovada, com a mesma confiança de Jesus, que - segundo a Carta aos Hebreus - «nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus» (Hb 5,7). A resposta de Deus Pai ao Filho, aos seus fortes clamores e lágrimas, não foi a libertação dos sofrimentos, da cruz ou da morte, mas foi uma concessão muito maior, uma resposta muito mais profunda; através da Cruz e da Morte, Deus respondeu com a Ressurreição do seu Filho, com a nova vida. A oração animada pelo Espírito Santo leva-nos, também a nós, a viver todos os dias o caminho da vida com as suas provações e os seus sofrimentos, na esperança completa, na confiança em Deus que responde como respondeu ao Filho.

E, em terceiro lugar, a oração do fiel abre-se também às dimensões da humanidade e de toda a criação, assumindo a criação, «que está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus» (Rm 8,19). Isto significa que a oração, sustentada pelo Espírito de Cristo que fala no íntimo de nós mesmos, jamais permanece fechada em si mesma, nunca é uma oração apenas para mim, mas abre-se à partilha dos sofrimentos do nosso tempo, dos outros. Torna-se intercessão pelo próximo, e deste modo libertação de mim mesmo, canal de esperança para toda a criação, expressão daquele amor de Deus, que é derramado nos nossos corações através do Espírito que nos foi comunicado (cf. Rm 5,5). E precisamente este é um sinal de uma oração verdadeira, que não termina em nós mesmos, mas abre-se aos outros e assim liberta-me, assim contribui para a redenção do mundo.

Diletos irmãos e irmãs, São Paulo ensina-nos que na nossa oração devemos abrir-nos à presença do Espírito Santo, que ora em nós com gemidos inefáveis, para nos levar a aderir a Deus com todo o nosso coração e com todo o nosso ser. O Espírito de Cristo torna-se a força da nossa oração «fraca», a luz da nossa oração «apagada», o fogo da nossa prece «árida», conferindo-nos a verdadeira liberdade interior, ensinando-nos a viver enfrentando as provações da nossa existência, na certeza de que não estamos sozinhos, abrindo-nos aos horizontes da humanidade e da criação, que «está gemendo como que em dores de parto» (Rm 8,22).

Papa Bento XVI na Basílica de São Paulo fora-dos-muros (Roma)

Fonte: Santa Sé.

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