sábado, 8 de abril de 2023

Meditações da Via Sacra no Coliseu 2023

Para a tradicional oração da Via Sacra na noite da Sexta-feira Santa junto ao Coliseu, em comemoração aos 10 anos da eleição do Papa Francisco, neste ano de 2023 foram recolhidos testemunhos de fiéis das diversas regiões do mundo visitadas pelo Pontífice, intitulados “Vozes de paz em um mundo de guerra”, que reproduzimos a seguir.

Para ilustrar as 14 estações, propomos as esculturas da Via Sacra da vila de Stradch (Страдч), na região de Lviv na Ucrânia, país que há mais de um ano sofre com a realidade da guerra.

Sexta-Feira Santa
Via Sacra presidida pelo Papa Francisco
Coliseu (Roma), 07 de abril de 2023

«Vozes de paz em um mundo de guerra»

Oração inicial
Senhor Jesus, Tu és «a nossa paz» (Ef 2,14).
Antes da Paixão, disseste: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não a dou como o mundo a dá» (Jo 14,27). Senhor, precisamos da tua paz, daquela paz que não conseguimos construir só com as nossas forças. Precisamos ouvir repetir aquelas palavras com que Tu, Ressuscitado, por três vezes fortaleceste o coração dos discípulos: «A paz esteja convosco!» (Jo 20,19.21.26). Jesus, que abraças a cruz por nós, vê a nossa terra sedenta de paz, enquanto o sangue dos teus irmãos e irmãs continua a ser derramado e as lágrimas de tantas mães, que perdem os filhos na guerra, se misturam com as da tua santa Mãe. Também Tu, Senhor, choraste sobre Jerusalém por não ter reconhecido o caminho da paz (cf. Lc 19,42).
E é precisamente da Terra Santa que parte, esta noite, o caminho da cruz atrás de Ti. Vamos percorrê-lo escutando o teu sofrimento, refletido nos irmãos e irmãs que no mundo sofreram e sofrem a falta de paz, deixando-nos penetrar por testemunhos e ressonâncias chegados ao ouvido e ao coração do Papa no decurso das suas viagens. São ecos de paz que afloram nesta «terceira guerra mundial aos pedaços», gritos que vêm de países e áreas hoje dilacerados por violências, injustiças e pobreza. Todos os lugares onde se sofre por conflitos, ódios e perseguições estão presentes na oração desta Sexta-feira Santa.
Senhor Jesus, no teu nascimento os anjos proclamaram nos céus: «Paz na terra aos homens» (Lc 2,14). Agora sobem ao céu as nossas orações para atrair «a paz à terra, um anseio profundo dos seres humanos de todos os tempos» (Pacem in terris, n. 1). Rezamos implorando aquela paz que nos confiaste e que não conseguimos guardar. Jesus, da cruz abraças o mundo inteiro: perdoa os nossos erros, sara os nossos corações, dá-nos a tua paz.

I Estação: Jesus é condenado à morte
(Vozes de paz da Terra Santa)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Então Pilatos soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus, e entregou-o para ser crucificado (Mt 27,26).

Barrabás ou Jesus? Devem escolher. Não é uma escolha qualquer: trata-se de decidir onde estar, que posição tomar nas complexas vicissitudes da vida. A paz, que todos desejamos, não nasce por si mesma, mas aguarda uma decisão nossa. Hoje, como então, somos continuamente chamados a escolher entre Barrabás ou Jesus: a revolta ou a mansidão, as armas ou o testemunho, o poder humano ou a força silenciosa da pequenina semente, o poder do mundo ou o do Espírito. Na Terra Santa, parece que a nossa escolha recai sempre sobre Barrabás. A violência parece ser a nossa única linguagem. O motor das retaliações recíprocas é continuamente alimentado pelo próprio sofrimento, que muitas vezes se torna o único critério de juízo. Justiça e perdão não conseguem dialogar. Vivemos juntos sem nos reconhecermos, um rejeitando a existência do outro, condenando-nos mutuamente, em um círculo vicioso sem fim e cada vez mais violento. E neste contexto carregado de ódio e rancor, também nós somos chamados a expressar um juízo e a tomar a nossa decisão. E não podemos fazê-lo sem olhar para Aquele condenado à morte, silencioso, perdedor, mas sobre o Qual recaiu a nossa escolha, Jesus. Cristo convida-nos a não usar a medida de Pilatos e da multidão, mas a reconhecer o sofrimento do outro, colocar justiça e perdão em diálogo e desejar a salvação para todos, mesmo para os ladrões, mesmo para Barrabás.

Rezemos dizendo: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando cremos que temos sempre razão...
Quando condenamos sem apelo os irmãos...
Quando fechamos os olhos perante a injustiça...
Quando sufocarmos o bem ao nosso redor...

Pai nosso...

Stabat mater dolorosa, / iuxta crucem lacrimosa, / dum pendebat Filius.

II Estação: Jesus é carregado com a cruz
(Vozes de paz de um migrante da África ocidental)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Por suas feridas fostes curados (1Pd 2,24).

A minha “via-sacra” começou há seis anos, quando deixei a minha cidade. Depois de 13 dias de viagem, chegamos ao deserto e o atravessamos durante oito dias, cruzando-nos com carros queimados, latas de água vazias, cadáveres de pessoas, até chegarmos à Líbia. Quem tinha ainda de pagar os contrabandistas pela travessia foi encarcerado e torturado até pagar. Alguns perderam a vida, outros o juízo. Prometeram colocar-me em um navio para a Europa, mas as viagens foram canceladas e não nos foi restituído o dinheiro. Lá reinava a guerra e chegamos ao ponto de deixar de prestar atenção à violência e às balas perdidas. Encontrei trabalho como estucador para pagar outra travessia. Por fim, subi com mais de 100 pessoas em um bote de borracha. Navegamos durantes horas antes que um navio italiano nos salvasse. Estava cheio de alegria, ajoelhamo-nos a agradecer a Deus; depois descobrimos que o navio estava voltando para a Líbia. Lá fomos encerrados em um centro de detenção, o pior lugar do mundo. Dez meses depois, eu estava de novo em um barco. Na primeira noite, houve ondas altas: quatro caíram ao mar, conseguimos salvar dois. Adormeci, esperando morrer. Ao acordar, vi junto de mim pessoas que sorriam. Pescadores tunisianos pediram ajuda, o navio atracou e as ONGs deram-nos comida, roupas e abrigo. Trabalhei para pagar outra travessia. Era a sexta vez; depois de três dias no mar, cheguei a Malta. Fiquei nem m centro durante seis meses e lá perdi o juízo; todas as noites, perguntava a Deus: por quê? Por quê homens como nós devem considerar-nos inimigos? Muitas pessoas que fogem da guerra carregam cruzes semelhantes à minha.

Rezemos dizendo: Livra-nos, Senhor Jesus!
Das condenações fáceis do próximo...
Dos julgamentos precipitados...
Das críticas e das palavras inúteis...
Das murmurações destrutivas...

Pai nosso...

Cuius animam gementem, / contristatam et dolentem / pertransivit gladius.

III Estação: Jesus cai pela primeira vez
(Vozes de paz dos jovens da América Central)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um chagado, golpeado por Deus e humilhado! Mas ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes (Is 53,4-5).

Nós, jovens, queremos a paz. Mas muitas vezes caímos; e a queda tem muitos nomes: deitam-nos por terra a preguiça, o medo, o desalento e também as promessas vazias de uma vida fácil, mas desonesta, feita de ganância e corrupção. É isto que aumenta as espirais do narcotráfico, da violência, dos vícios e da exploração das pessoas, enquanto muitas famílias continuam a chorar a perda dos filhos; e a impunidade de quem engana, sequestra e mata não tem fim. Como obter a paz? Jesus, caíste sob o peso da cruz, mas depois levantaste, tomaste de novo a cruz e, com ela, deste-nos a paz. Impele-nos a tomar a vida em nossas mãos, impele-nos à coragem do empenho que, na nossa língua, se diz compromisso, e significa dizer não a tantas concessões, aos falsos compromissos que matam a paz. Estamos cheios destas concessões: não queremos violência, mas atacamos nas redes sociais quem não pensa como nós; queremos uma sociedade unida, mas não nos esforçamos por compreender quem temos ao nosso lado; pior, negligenciamos quem precisa de nós. Senhor, coloca-nos no coração o desejo de levantar alguém que está caído por terra. Como fazes Tu conosco.

Rezemos dizendo: Levanta-nos, Senhor Jesus!
Das nossas preguiças...
Das nossas quedas...
Das nossas tristezas...
De pensar que ajudar os outros não toca a nós...

Pai nosso...

O quam tristis et afflicta / fuit illa benedicta / Mater Unigeniti!

IV Estação: Jesus encontra a Mãe
(Vozes de paz de uma mãe da América do Sul)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te transpassará a alma” (Lc 2,34-35).

Em 2012, a explosão de uma bomba colocada pelos guerrilheiros esfacelou-me uma perna. Os estilhaços provocaram-me dezenas de feridas no corpo. Daquele momento, recordo os gritos das pessoas e sangue por todo o lado. Mas o que mais me aterrorizou foi ver a minha filha de sete meses, coberta de sangue, com muitos pedaços de vidro cravados no seu rostinho. Como deve ter sido para Maria ver o rosto de Jesus pisado e ensanguentado! Eu, vítima daquela violência insensata, a princípio senti raiva e ressentimento, mas depois descobri que, se espalhasse ódio, criava ainda mais violência. Compreendi que dentro de mim e ao meu redor havia feridas mais profundas que as do corpo. Entendi que muitas vítimas precisavam descobrir, como eu e através de mim, que a vida para elas também não tinha acabado e que não se pode viver de ressentimentos. Assim comecei a ajudá-las: estudei para ensinar a prevenir os acidentes causados por milhões de minas disseminadas no nosso território. Agradeço a Jesus e à sua Mãe por ter descoberto que enxugar as lágrimas dos outros não é tempo perdido, mas o melhor remédio para se curar a si mesmo.

Rezemos dizendo: Concede-nos reconhecer-Te, Senhor Jesus!
No rosto desfigurado de quem sofre...
Nos pequeninos e nos pobres...
Em quem pede um gesto de amor:...
Nos perseguidos por causa da justiça...

Pai nosso...

Quae moerebat et dolebat, / pia Mater, dum videbat / Nati poenas incliti.

V Estação: Jesus é ajudado pelo Cireneu
(Vozes de paz de três migrantes: da África, do sul da Ásia e do Oriente Médio)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Enquanto levavam Jesus, pegaram certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus (Lc 23,26).

1. Sou uma pessoa ferida pelo ódio. Uma vez experimentado, o ódio não se esquece; muda-te. O ódio assume formas horríveis. Leva um ser humano a usar uma pistola não só para disparar contra o outro, mas também para lhe quebrar os ossos enquanto os outros assistem. Tenho dentro de mim um vazio de amor que me faz sentir um peso inútil. Haverá um Cireneu para mim?
2. A minha vida é na estrada, escapei das bombas, das facas, da fome e do sofrimento. Fui atirado para dentro de um caminhão, escondido em porta-malas, lançado para barcos precários. Contudo a minha viagem continuou esperando alcançar um lugar seguro, que ofereça liberdade e oportunidades, onde possa dar e receber amor, praticar a minha fé, onde a esperança seja real. Haverá um Cireneu para mim?
3. Com frequência me perguntam: Quem és? Por que estás aqui? Qual é a tua situação? Esperas ficar? Para onde irás? Não são perguntas que pretendam ferir, mas ferem. Fazem reduzir aquilo que espero ser a um sinal nos quadrados de um formulário; devo escolher estrangeiro, vítima, requerente de asilo, refugiado, migrante, outro, mas aquilo que gostaria de escrever é pessoa, irmão, amigo, crente, próximo... Haverá um Cireneu para mim?

Rezemos dizendo: Perdoa-nos, Senhor Jesus!
Desprezamos-Te nos desventurados:...
Ignoramos-Te nos necessitados de ajuda...
Abandonamos-Te nos inermes...
Não Te servimos nos doentes...

Pai nosso...

Quis est homo qui non fleret, / Matrem Christi si videret / in tanto supplicio?

VI Estação: A Verônica limpa o rosto de Jesus
(Vozes de paz de um sacerdote religioso da Península Balcânica)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


“Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o reino preparado desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar” (Mt 25,34-36).

Eu era um pároco de 40 anos quando chegou a guerra: agentes armados entraram na casa paroquial e levaram-me para um campo onde passei quatro meses. Foram terríveis: privados das mínimas condições de higiene, sofríamos fome e sede, sem podermos nos lavar e barbear; éramos maltratados fisicamente, espancados e torturados com vários objetos. Levavam-me para fora, inclusive cinco vezes ao dia, sobretudo de noite, chamando-me pároco e batendo-me. Quebraram-me, para além do mais, três costelas e ameaçaram me arrancar as unhas, verter sal nas feridas e esfolar-me vivo. Uma vez foi tão difícil resistir que implorei ao guarda que me matasse, convencido como estava de que era isso mesmo que eles iriam fazer. O guarda respondeu-me: «Não morrerás assim facilmente; por ti receberemos em troca 150 dos nossos». Aquelas palavras reacenderam em mim a esperança de sobreviver. Mas não teria sido capaz de suportar todo aquele mal sozinho, sem Deus: a oração, repetida no coração, fez maravilhas. E a Providência chegou sob a forma de ajudas e comida, através de uma mulher muçulmana, Fátima, que conseguiu chegar até mim abrindo caminho através do ódio. Foi para mim como a Verônica para Jesus. Agora, até ao fim dos meus dias, dou testemunho dos horrores da guerra, e grito: Jamais a guerra!

Rezemos dizendo: Dá-nos o teu olhar, Senhor Jesus!
Para amar quem não é amado...
Para socorrer quem se perdeu na estrada...
Para cuidar de quem sofre violência...
Para acolher quem se arrepende do mal...

Pai nosso...

Quis non posset contristati / piam matrem comtemplari / dolentem cum Filio?

VII Estação: Jesus cai pela segunda vez
(Vozes de paz de dois adolescentes do norte de África)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


“Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te visitar?”. Então o rei lhes responderá: “Em verdade eu vos digo que, todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,37-40).

1. Chamo-me Joseph, tenho 16 anos. Cheguei ao campo de deslocados com os meus pais em 2015, onde vivo há oito anos. Se houvesse paz, teria ficado na minha casa, onde nasci, e gozado a infância. Aqui a vida não é boa. Temo pelo futuro, meu e dos outros adolescentes. Por que sofremos no campo de deslocados? Por causa dos conflitos em curso no meu país, flagelado pela guerra desde que existe. Sem paz, não conseguiremos levantar-nos. Uma vez e outra promete-se a paz, mas continua-se a cair sob o peso da guerra, a nossa cruz. Agradeço a Deus, que nos ergue como um pai, e a muitos homens generosos que talvez nunca conhecerei e que, ajudando-nos, permitem-nos sobreviver.
2. Sou Johnson e, desde 2014, vivo em outro campo para deslocados, bloco B, setor 2. Tenho 14 anos e frequento a terceira série. Aqui a vida não é boa, muitas crianças não vão à escola, porque não há professores nem escolas para todos, o lugar é demasiado pequeno e superlotado, não há espaço sequer para jogar futebol. Queremos a paz para poder voltar para casa. A paz é boa, a guerra é má. Gostaria de dizê-lo aos líderes do mundo. E, a todos os amigos, peço que rezem pela paz.

Rezemos dizendo: Fortalece-nos, Senhor Jesus!
Na hora da provação...
Na fadiga de construir pontes de fraternidade...
Ao levarmos a nossa cruz....
Ao darmos testemunho do Evangelho...

Pai nosso...

Pro peccatis suae gentis / vidit Jesum in tormentis / et flagellis subditum.

VIII Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém
(Vozes de paz do sudeste asiático)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Seguia Jesus uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por Ele (Lc 23,27).

Jesus, levas a tua cruz. E penso que também o meu país leva a sua cruz. Somos um povo que ama a paz, mas estamos esmagados pela cruz do conflito: da violência, dos deslocamentos internos, dos ataques aos lugares de culto... É um fardo pesado, Jesus, que arrastamos em uma “via-sacra” que parece não ter fim. As lágrimas das nossas mães choram a fome dos seus filhos. E, como elas, também eu não tenho muitas palavras para rezar, mas tantas lágrimas para oferecer. Senhor, o cortejo que Te conduzia ao Calvário era tremendo, mas, por entre a multidão brutalizada pelo mal, abriram caminho mulheres que choravam. Foram elas que Te deram força, mães que viam em Ti não um condenado, mas um filho. Também entre nós, saiu da multidão uma mulher, que se tornou mãe no espírito para muitos, a qual, em defesa do seu povo, se ajoelhou diante do poder com as armas em riste e, disposta a dar a vida, com mansidão invocou paz e reconciliação. Jesus, agora como então, na macabra confusão do ódio, nasce a dança da paz. E nós, cristãos, queremos ser instrumentos de paz. Converte-nos a Ti, Jesus, e dá-nos força, porque só Tu és a nossa força.

Rezemos dizendo: Converte-nos, Senhor Jesus!
De traficar armas sem escrúpulos de consciência...
De destinar o dinheiro para armamentos em vez de alimentos...
Da escravidão do dinheiro que provoca guerras e injustiças:..
Para que as lanças se transformem em foices...

Pai nosso...

Eia, mater, fons amoris, / me sentire vim doloris / fac, ut tecum lugeam.

IX Estação: Jesus cai pela terceira vez
(Vozes de paz de uma consagrada da África Central)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna (Jo 12,24-25).

No dia 05 de dezembro de 2013, às 5h da manhã, fui acordada pelas armas. Os rebeldes estavam invadindo a capital. Muitos corriam e procuravam esconder-se, mas bastava cruzar-se com uma bala perdida para morrer. Foi o início de sofrimentos indescritíveis: assassinatos, perda de familiares, amigos e colegas. A minha irmã desapareceu e nunca mais voltou, fato este imensamente traumático para nosso, pai que nos deixaria alguns anos depois, na sequência de uma breve doença. Eu continuava chorando. Naquele vale de lágrimas e de «porquês»... pensei em Jesus. Também Ele caiu sob o peso da violência, a ponto de dizer na cruz: «Meu Deus, por que Me abandonaste?» Juntava os meus «porquês» aos d’Ele e em mim abriu caminho uma resposta: ama como Jesus te ama. Foi a luz no meio da escuridão. Compreendi que devia haurir força do ato de amar. Desde então, sempre que há um mínimo de calma, vou à Missa. Para chegar à paróquia, devo percorrer um longo caminho e atravessar pelo menos três postos de controle rebeldes. Mas, Missa após Missa, cresceu em mim uma certeza: apesar de ter perdido praticamente tudo, inclusive a casa onde cresci, tudo passa, exceto Deus. Isto levantou-me o ânimo e, com alguns amigos, começamos a reunir crianças, que brincavam de soldados, para lhes transmitir, a eles que são o futuro, os valores evangélicos da ajuda mútua, do perdão, da honestidade, para que o sonho da paz se torne realidade.

Rezemos dizendo: Cura-nos, Senhor Jesus!
Do medo de não ser amados...
Do medo de não ser compreendidos...
Do medo de ser esquecidos:...
Do medo de falhar...

Pai nosso...

Fac ut ardeat cor meum / in amando Christum Deum, / ut sibi complaceam.

X Estação: Jesus é despojado das suas vestes
(Vozes de paz dos jovens da Ucrânia e da Rússia)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Os soldados crucificaram Jesus e repartiram as suas roupas, tirando a sorte, para ver que parte caberia a cada um. (...) Assim se cumpria a Escritura que diz: “Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica” (Mc 15,24; Jo 19,24).

1. No ano passado, meu pai e minha mãe pegaram meu irmão mais novo e eu para nos trazer à Itália, onde a nossa avó trabalha há mais de vinte anos. Saímos de Mariupol durante a noite. Na fronteira, os soldados bloquearam o meu pai, dizendo-lhe que devia permanecer na Ucrânia para combater. Nós prosseguimos de ônibus por mais dois dias. Chegado à Itália, senti-me triste. Senti-me despojado de tudo: completamente nu. Não conhecia a língua, nem tinha qualquer amigo. Minha avó esforçava-se por me fazer sentir feliz, mas a única coisa que eu dizia era que queria voltar para casa. Por fim, a minha família decidiu regressar à Ucrânia. Aqui a situação continua a ser difícil; há guerra por todo o lado, a cidade está destruída. Mas, no coração, ficou-me aquela certeza de que falava a minha avó quando eu chorava: «Verás que tudo passa. E, com a ajuda do bom Deus, voltará a paz».
2. Eu, ao contrário, sou um rapaz russo... Enquanto o digo vem-me quase um sentido de culpa, mas ao mesmo tempo não compreendo o porquê e sinto-me mal duas vezes. Despojado da felicidade e de sonhos para o futuro. Há dois anos vejo chorar minha avó e minha mãe. Uma carta informou-nos que o meu irmão mais velho morreu (recordo-o ainda no dia em que fez 18 anos, sorridente e resplandecente como o sol; e tudo isto apenas algumas semanas antes de partir para uma longa viagem). Todos nos diziam que devíamos estar orgulhosos, mas em casa só havia tanto sofrimento e tristeza. A mesma coisa aconteceu com meu pai e meu avô: também eles partiram e não sabemos mais nada. Com muito medo, algum dos meus colegas de escola sussurrou ao meu ouvido que há a guerra. Regressado a casa escrevi uma oração: Jesus, por favor, faz com que haja paz no mundo inteiro e que todos possamos ser irmãos.

Rezemos dizendo: Purifica-nos, Senhor Jesus!
Do ressentimento e do rancor...
Das palavras e reações violentas...
Das atitudes que criam divisões...
Da procura de brilhar, humilhando os outros...

Pai nosso...

Sancta Mater, istud agas, / Crucifixi fige plagas / cordi meo valide.

XI Estação: Jesus é pregado na cruz
(Vozes de paz de um jovem do Oriente Médio)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Com Jesus foram crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Os que ali passavam o insultavam, balançando a cabeça e dizendo: “Ah! Tu que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!” (Mc 15,27-30).

Em 2012 grupos de extremistas armados invadiram o nosso bairro, matando a rajadas de metralhadora quem se encontrava nas sacadas e nos condomínios. Eu tinha nove anos. Recordo a angústia da minha mãe e do meu pai; à noite, encontrávamo-nos abraçados e rezando, cientes de uma nova e duríssima realidade à nossa frente. A guerra tornava-se cada dia mais horrenda. Por longos períodos faltava luz e água, e abriram-se poços por toda a parte. A comida era um problema diário. Em 2014, enquanto estávamos na sacada, explodiu uma bomba em frente de casa, arremessando-nos para dentro e cobrindo-nos de vidros e estilhaços. Poucos meses depois, outra bomba alcançou o quarto dos meus pais, que se salvaram por milagre e decidiram com relutância deixar o país. Começou outro calvário, porque, depois de duas tentativas para obter um visto, não tínhamos alternativa senão embarcar. Arriscamos a vida, permanecemos em uma rocha à espera do amanhecer e de um navio da guarda costeira. Salvos, os habitantes do lugar acolheram-nos de braços abertos, compreendendo as nossas dificuldades. A guerra foi a cruz da nossa vida. A guerra mata a esperança. No nosso país, mais ainda depois das terríveis calamidades naturais, muitas famílias, crianças e idosos estão sem esperança. Em nome de Jesus, que abriu os braços na cruz, estendei a mão ao meu povo!

Rezemos dizendo: Cura-nos, Senhor Jesus!
Da incapacidade de dialogar...
Da difidência e da suspeita...
Da impaciência e da pressa...
Do egoísmo e do isolamento...

Pai nosso...

Tui Nati vulnerati, / tam dignati pro me pati, / poenas mecum divide.

XII Estação: Jesus morre, perdoando aos seus assassinos
(Vozes de paz de uma mãe do ocidente asiático)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”. (...) Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra até às três horas da tarde, pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário rasgou-se pelo meio, e Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso, expirou (Lc 23,34.44-46).

No dia 06 de agosto de 2014 a cidade foi despertada pelas bombas. Os terroristas estavam à porta. Três semanas antes, tinham invadido as cidades e as aldeias vizinhas, tratando-as cruelmente. Por isso fugimos, mas, pouco dias depois, regressamos a casa. Uma manhã, enquanto estávamos nos nossos trabalhos e as crianças brincavam às portas de casas, ressoou no ar um tiro de morteiro. Saí a correr. Já não se ouviam as vozes das crianças, mas aumentavam os gritos dos adultos. O meu filho, o seu primo e a jovem vizinha que estava a preparar-se para o matrimônio foram atingidos: mortos. A morte destes três anjos impeliu-nos a fugir: se não fossem eles, ficando na cidade, teríamos inevitavelmente caído nas mãos dos terroristas. Não é fácil aceitar esta realidade. Contudo a fé ajuda-me a esperar, porque me lembra que os mortos estão nos braços de Jesus. E nós, sobreviventes, procuramos perdoar ao agressor, porque Jesus perdoou aos seus carrascos. Nas nossas mortes, cremos em Ti, Senhor da vida. Queremos seguir-Te e testemunhar que o teu amor é mais forte do que tudo o resto.

Rezemos dizendo: Ensina-nos, Senhor Jesus!
A amar como Tu nos amaste...
A perdoar, como Tu nos perdoaste...
A dar o primeiro passo para nos reconciliarmos...
A praticar o bem sem exigir retribuição...

Pai nosso...

Vidit suum dulcem Natum / morientem desolatum / cum emisit spiritum.

XIII Estação: Jesus é descido da cruz
(Vozes de paz de uma religiosa da África oriental)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


“Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? (...) Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou!” (Rm 8,35.37).

Era o dia 07 de setembro de 2022, dia em que, no nosso país, recordamos o Acordo com o qual finalmente se reconheceu ao nosso povo o direito à plena independência, quando de repente aconteceu algo que quebrou a alegria: uma religiosa, missionária desde sempre nas nossas terras, foi morta. Os terroristas entraram em casa e, sem piedade, tiraram-lhe a vida. O dia da vitória transformou-se em derrota: o medo e a incerteza inundaram os nossos corações. A experiência de centenas de famílias que viram a morte trágica dos seus entes queridos tornou-se realidade: o corpo sem vida da irmã jazia nos nossos braços. Não é fácil assistir à morte violenta de um familiar, de um amigo, de um vizinho, assim como não é fácil ver a casa e os próprios bens reduzidos a cinzas... o futuro torna-se escuro. Mas esta é a vida do meu povo, é a minha vida. Porém, como nos foi testemunhado e aprendemos na escola da Virgem de Nazaré, que acolheu nos braços Jesus já morto e O contemplou com amor iluminado pela fé, nunca devemos deixar de encontrar a coragem de sonhar um futuro de esperança, paz e reconciliação. É que o amor de Cristo Ressuscitado foi derramado nos nossos corações; Ele é a nossa paz, é Ele a nossa verdadeira vitória. E nada nos separará jamais do seu amor.

Rezemos dizendo: Tem piedade de nós, Senhor Jesus!
Bom Pastor, que dás a vida pelo teu rebanho:...
Tu que, morrendo, destruíste a morte...
Tu que, do coração transpassado, fazes jorrar a Vida...
Tu que, do sepulcro, iluminas a História...

Pai nosso...

Fac me tecum pie flere / Crucifixo condolere / donec ego vixero.

XIV Estação: Jesus é colocado no sepulcro
(Vozes de paz de jovens moças da África meridional)

Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.


Depois disso, José de Arimateia... pediu a Pilatos para tirar o corpo de Jesus. Pilatos consentiu. Então José veio tirar o corpo de Jesus. Chegou também Nicodemos... Levou uns trinta quilos de perfume feito de mirra e aloés. Então tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no, com os aromas, em faixas de linh(Jo 19,38-40).

Era o entardecer de uma sexta-feira quando os rebeldes invadiram a nossa aldeia, tomaram como reféns todos aqueles que puderam, deportaram quem encontraram e carregaram-nos com aquilo que saquearam. No caminho, mataram muitos homens com balas ou facas. As mulheres foram levadas para um parque. Todos os dias éramos maltratadas no corpo e na alma. Despojadas de roupa e de dignidade, vivíamos nuas para não fugir. Por Deus, um dia, quando nos mandaram buscar água ao rio, consegui escapar. Ainda hoje a nossa província é um lugar de lágrimas e sofrimento. Quando o Papa veio ao nosso continente, depositamos ao pé da cruz de Jesus as roupas dos homens armados, que ainda nos metem medo. Em nome de Jesus perdoamos-lhes por tudo o que nos fizeram. Pedimos ao Senhor a graça de uma convivência pacífica e humana. Sabemos e acreditamos que o sepulcro não é a última habitação, mas todos somos chamados a uma nova vida na Jerusalém celeste.

Rezemos dizendo: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na esperança que não desilude: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na luz que não se apaga: Guarda-nos, Senhor Jesus!
No perdão que renova o coração: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na paz que nos torna bem-aventurados: Guarda-nos, Senhor Jesus!

Pai nosso...

Quando corpus morietur, / fac ut animae donetur / paradisi gloria. Amen.

Oração final: «14 obrigados»

Senhor Jesus, Palavra eterna do Pai, por nós fizeste-Te silêncio. E, no silêncio que nos guia até ao teu sepulcro, há ainda uma palavra que Te queremos dizer, repassando o caminho da Via-Sacra percorrida contigo: obrigado!
Obrigado, Senhor Jesus, pela mansidão que confunde a arrogância.
Obrigado pela coragem com que abraçaste a cruz.
Obrigado pela paz que jorra das tuas feridas.
Obrigado por nos teres dado a tua santa Mãe como nossa Mãe.
Obrigado pelo amor demonstrado diante da traição.
Obrigado por teres mudado as lágrimas em sorriso.
Obrigado por teres amado a todos sem excluir ninguém.
Obrigado pela esperança que infundes na hora da provação.
Obrigado pela misericórdia que sara as misérias.
Obrigado por Te teres despojado de tudo para nos enriquecer.
Obrigado por teres mudado a cruz em árvore da vida.
Obrigado pelo perdão que ofereceste aos teus assassinos.
Obrigado por teres derrotado a morte.
Obrigado, Senhor Jesus, pela luz que acendeste nas nossas noites e, reconciliando todas as divisões, tornaste-nos a todos irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus.

Pai nosso…

Bênção


Fonte: Santa Sé

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