Para a tradicional oração da Via Sacra na noite da Sexta-feira Santa junto ao Coliseu, em comemoração aos 10 anos da eleição do Papa Francisco, neste ano de 2023 foram recolhidos testemunhos de fiéis das diversas regiões do mundo visitadas pelo Pontífice, intitulados “Vozes de paz em um mundo de guerra”, que reproduzimos a seguir.
Para ilustrar as 14 estações, propomos as esculturas da Via Sacra da vila de Stradch (Страдч), na região de Lviv na Ucrânia, país que há mais de um ano sofre com a realidade da guerra.
Sexta-Feira Santa
Via Sacra presidida pelo Papa Francisco
Coliseu (Roma), 07 de abril de 2023
«Vozes de paz em um mundo de guerra»
Oração inicial
Senhor Jesus, Tu és «a nossa paz» (Ef 2,14).
Antes da Paixão, disseste: «Deixo-vos a
paz; dou-vos a minha paz. Não a dou como o mundo a dá» (Jo 14,27).
Senhor, precisamos da tua paz, daquela paz que não conseguimos construir só com
as nossas forças. Precisamos ouvir repetir aquelas palavras com que Tu, Ressuscitado,
por três vezes fortaleceste o coração dos discípulos: «A paz esteja convosco!»
(Jo 20,19.21.26). Jesus, que abraças a cruz por nós, vê a nossa
terra sedenta de paz, enquanto o sangue dos teus irmãos e irmãs continua a ser
derramado e as lágrimas de tantas mães, que perdem os filhos na guerra, se
misturam com as da tua santa Mãe. Também Tu, Senhor, choraste sobre Jerusalém
por não ter reconhecido o caminho da paz (cf. Lc 19,42).
E é precisamente da Terra Santa que
parte, esta noite, o caminho da cruz atrás de Ti. Vamos percorrê-lo escutando o
teu sofrimento, refletido nos irmãos e irmãs que no mundo sofreram e sofrem a
falta de paz, deixando-nos penetrar por testemunhos e ressonâncias chegados ao
ouvido e ao coração do Papa no decurso das suas viagens. São ecos de paz que
afloram nesta «terceira guerra mundial aos pedaços», gritos que vêm de países e
áreas hoje dilacerados por violências, injustiças e pobreza. Todos os lugares
onde se sofre por conflitos, ódios e perseguições estão presentes na oração
desta Sexta-feira Santa.
Senhor Jesus, no teu nascimento os
anjos proclamaram nos céus: «Paz na terra aos homens» (Lc 2,14).
Agora sobem ao céu as nossas orações para atrair «a paz à terra, um anseio
profundo dos seres humanos de todos os tempos» (Pacem in terris, n. 1).
Rezamos implorando aquela paz que nos confiaste e que não conseguimos guardar. Jesus,
da cruz abraças o mundo inteiro: perdoa os nossos erros, sara os nossos
corações, dá-nos a tua paz.
I Estação: Jesus é condenado à morte
(Vozes de paz da Terra Santa)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Então Pilatos soltou Barrabás, mandou
flagelar Jesus, e entregou-o para ser crucificado (Mt 27,26).
Barrabás ou Jesus? Devem escolher. Não
é uma escolha qualquer: trata-se de decidir onde estar, que posição tomar nas
complexas vicissitudes da vida. A paz, que todos desejamos, não nasce por si
mesma, mas aguarda uma decisão nossa. Hoje, como então, somos continuamente
chamados a escolher entre Barrabás ou Jesus: a revolta ou a mansidão, as armas
ou o testemunho, o poder humano ou a força silenciosa da pequenina semente, o
poder do mundo ou o do Espírito. Na Terra Santa, parece que a nossa escolha
recai sempre sobre Barrabás. A violência parece ser a nossa única linguagem. O
motor das retaliações recíprocas é continuamente alimentado pelo próprio
sofrimento, que muitas vezes se torna o único critério de juízo. Justiça e
perdão não conseguem dialogar. Vivemos juntos sem nos reconhecermos, um rejeitando
a existência do outro, condenando-nos mutuamente, em um círculo vicioso sem fim
e cada vez mais violento. E neste contexto carregado de ódio e rancor, também
nós somos chamados a expressar um juízo e a tomar a nossa decisão. E não
podemos fazê-lo sem olhar para Aquele condenado à morte, silencioso, perdedor,
mas sobre o Qual recaiu a nossa escolha, Jesus. Cristo convida-nos a não usar a
medida de Pilatos e da multidão, mas a reconhecer o sofrimento do outro,
colocar justiça e perdão em diálogo e desejar a salvação para todos, mesmo para
os ladrões, mesmo para Barrabás.
Rezemos dizendo: Ilumina-nos, Senhor Jesus!
Quando cremos que temos sempre
razão...
Quando condenamos sem apelo os
irmãos...
Quando fechamos os olhos perante a
injustiça...
Quando sufocarmos o bem ao nosso
redor...
Pai nosso...
Stabat mater dolorosa, / iuxta crucem lacrimosa, /
dum pendebat Filius.
II Estação: Jesus é carregado com a
cruz
(Vozes de paz de um migrante da África
ocidental)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Sobre a cruz, carregou nossos pecados
em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a
justiça. Por suas feridas fostes curados (1Pd 2,24).
A minha “via-sacra” começou há seis
anos, quando deixei a minha cidade. Depois de 13 dias de viagem, chegamos ao
deserto e o atravessamos durante oito dias, cruzando-nos com carros queimados, latas
de água vazias, cadáveres de pessoas, até chegarmos à Líbia. Quem tinha ainda
de pagar os contrabandistas pela travessia foi encarcerado e torturado até
pagar. Alguns perderam a vida, outros o juízo. Prometeram colocar-me em um
navio para a Europa, mas as viagens foram canceladas e não nos foi restituído o
dinheiro. Lá reinava a guerra e chegamos ao ponto de deixar de prestar atenção
à violência e às balas perdidas. Encontrei trabalho como estucador para pagar
outra travessia. Por fim, subi com mais de 100 pessoas em um bote de borracha.
Navegamos durantes horas antes que um navio italiano nos salvasse. Estava cheio
de alegria, ajoelhamo-nos a agradecer a Deus; depois descobrimos que o navio
estava voltando para a Líbia. Lá fomos encerrados em um centro de detenção, o
pior lugar do mundo. Dez meses depois, eu estava de novo em um barco. Na
primeira noite, houve ondas altas: quatro caíram ao mar, conseguimos salvar dois.
Adormeci, esperando morrer. Ao acordar, vi junto de mim pessoas que sorriam.
Pescadores tunisianos pediram ajuda, o navio atracou e as ONGs deram-nos comida,
roupas e abrigo. Trabalhei para pagar outra travessia. Era a sexta vez; depois
de três dias no mar, cheguei a Malta. Fiquei nem m centro durante seis meses e
lá perdi o juízo; todas as noites, perguntava a Deus: por quê? Por quê homens
como nós devem considerar-nos inimigos? Muitas pessoas que fogem da guerra
carregam cruzes semelhantes à minha.
Rezemos dizendo: Livra-nos, Senhor Jesus!
Das condenações fáceis do
próximo...
Dos julgamentos precipitados...
Das críticas e das palavras inúteis...
Das murmurações destrutivas...
Pai nosso...
Cuius animam gementem, / contristatam et dolentem /
pertransivit gladius.
III Estação: Jesus cai pela primeira
vez
(Vozes de paz dos jovens da América
Central)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
A verdade é que ele tomava sobre si
nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse
um chagado, golpeado por Deus e humilhado! Mas ele foi ferido por causa de
nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes (Is 53,4-5).
Nós, jovens, queremos a paz. Mas muitas
vezes caímos; e a queda tem muitos nomes: deitam-nos por terra a preguiça, o medo,
o desalento e também as promessas vazias de uma vida fácil, mas desonesta,
feita de ganância e corrupção. É isto que aumenta as espirais do narcotráfico,
da violência, dos vícios e da exploração das pessoas, enquanto muitas famílias
continuam a chorar a perda dos filhos; e a impunidade de quem engana, sequestra
e mata não tem fim. Como obter a paz? Jesus, caíste sob o peso da cruz, mas
depois levantaste, tomaste de novo a cruz e, com ela, deste-nos a paz.
Impele-nos a tomar a vida em nossas mãos, impele-nos à coragem do empenho que,
na nossa língua, se diz compromisso, e significa dizer não a tantas concessões,
aos falsos compromissos que matam a paz. Estamos cheios destas concessões: não
queremos violência, mas atacamos nas redes sociais quem não pensa como nós;
queremos uma sociedade unida, mas não nos esforçamos por compreender quem temos
ao nosso lado; pior, negligenciamos quem precisa de nós. Senhor, coloca-nos no
coração o desejo de levantar alguém que está caído por terra. Como fazes Tu conosco.
Rezemos dizendo: Levanta-nos, Senhor Jesus!
Das nossas preguiças...
Das nossas quedas...
Das nossas tristezas...
De pensar que ajudar os outros não toca
a nós...
Pai nosso...
O quam tristis et afflicta / fuit illa benedicta /
Mater Unigeniti!
IV Estação: Jesus encontra a Mãe
(Vozes de paz de uma mãe da América do
Sul)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Simeão os abençoou
e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser causa tanto de queda como
de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim
serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te transpassará
a alma” (Lc 2,34-35).
Em 2012, a explosão de uma bomba
colocada pelos guerrilheiros esfacelou-me uma perna. Os estilhaços
provocaram-me dezenas de feridas no corpo. Daquele momento, recordo os gritos
das pessoas e sangue por todo o lado. Mas o que mais me aterrorizou foi ver a
minha filha de sete meses, coberta de sangue, com muitos pedaços de vidro
cravados no seu rostinho. Como deve ter sido para Maria ver o rosto de Jesus
pisado e ensanguentado! Eu, vítima daquela violência insensata, a princípio
senti raiva e ressentimento, mas depois descobri que, se espalhasse ódio,
criava ainda mais violência. Compreendi que dentro de mim e ao meu redor havia
feridas mais profundas que as do corpo. Entendi que muitas vítimas precisavam descobrir,
como eu e através de mim, que a vida para elas também não tinha acabado e que
não se pode viver de ressentimentos. Assim comecei a ajudá-las: estudei para
ensinar a prevenir os acidentes causados por milhões de minas disseminadas no
nosso território. Agradeço a Jesus e à sua Mãe por ter descoberto que enxugar
as lágrimas dos outros não é tempo perdido, mas o melhor remédio para se curar
a si mesmo.
Rezemos dizendo: Concede-nos
reconhecer-Te, Senhor Jesus!
No rosto desfigurado de quem
sofre...
Nos pequeninos e nos pobres...
Em quem pede um gesto de amor:...
Nos perseguidos por causa da
justiça...
Pai nosso...
Quae moerebat et dolebat, / pia Mater, dum
videbat / Nati poenas incliti.
V Estação: Jesus é ajudado pelo Cireneu
(Vozes de paz de três migrantes: da
África, do sul da Ásia e do Oriente Médio)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Enquanto levavam Jesus, pegaram certo Simão, de Cirene, que
voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus (Lc 23,26).
1. Sou uma pessoa ferida pelo ódio. Uma
vez experimentado, o ódio não se esquece; muda-te. O ódio assume formas
horríveis. Leva um ser humano a usar uma pistola não só para disparar contra o
outro, mas também para lhe quebrar os ossos enquanto os outros assistem. Tenho
dentro de mim um vazio de amor que me faz sentir um peso inútil. Haverá um
Cireneu para mim?
2. A minha vida é na estrada, escapei
das bombas, das facas, da fome e do sofrimento. Fui atirado para dentro de um
caminhão, escondido em porta-malas, lançado para barcos precários. Contudo a
minha viagem continuou esperando alcançar um lugar seguro, que ofereça
liberdade e oportunidades, onde possa dar e receber amor, praticar a minha fé,
onde a esperança seja real. Haverá um Cireneu para mim?
3. Com frequência me perguntam: Quem
és? Por que estás aqui? Qual é a tua situação? Esperas ficar? Para onde irás?
Não são perguntas que pretendam ferir, mas ferem. Fazem reduzir aquilo que
espero ser a um sinal nos quadrados de um formulário; devo escolher estrangeiro,
vítima, requerente de asilo, refugiado, migrante, outro, mas aquilo que
gostaria de escrever é pessoa, irmão, amigo, crente, próximo... Haverá um
Cireneu para mim?
Rezemos dizendo: Perdoa-nos,
Senhor Jesus!
Desprezamos-Te nos desventurados:...
Ignoramos-Te nos necessitados de
ajuda...
Abandonamos-Te nos inermes...
Não Te servimos nos doentes...
Pai nosso...
Quis est homo qui non fleret, / Matrem
Christi si videret / in tanto supplicio?
VI Estação: A Verônica limpa o rosto de
Jesus
(Vozes de paz de um sacerdote religioso
da Península Balcânica)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
“Vinde, benditos de meu Pai! Recebei
como herança o reino preparado desde a criação do mundo! Pois eu estava com
fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era
estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente
e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar” (Mt 25,34-36).
Eu era um pároco de 40 anos quando
chegou a guerra: agentes armados entraram na casa paroquial e levaram-me para
um campo onde passei quatro meses. Foram terríveis: privados das mínimas
condições de higiene, sofríamos fome e sede, sem podermos nos lavar e barbear;
éramos maltratados fisicamente, espancados e torturados com vários objetos.
Levavam-me para fora, inclusive cinco vezes ao dia, sobretudo de noite,
chamando-me pároco e batendo-me. Quebraram-me, para além do mais, três costelas
e ameaçaram me arrancar as unhas, verter sal nas feridas e esfolar-me vivo. Uma
vez foi tão difícil resistir que implorei ao guarda que me matasse, convencido
como estava de que era isso mesmo que eles iriam fazer. O guarda respondeu-me:
«Não morrerás assim facilmente; por ti receberemos em troca 150 dos nossos».
Aquelas palavras reacenderam em mim a esperança de sobreviver. Mas não teria
sido capaz de suportar todo aquele mal sozinho, sem Deus: a oração, repetida no
coração, fez maravilhas. E a Providência chegou sob a forma de ajudas e comida,
através de uma mulher muçulmana, Fátima, que conseguiu chegar até mim abrindo
caminho através do ódio. Foi para mim como a Verônica para Jesus. Agora, até ao
fim dos meus dias, dou testemunho dos horrores da guerra, e grito: Jamais a
guerra!
Rezemos dizendo: Dá-nos o teu
olhar, Senhor Jesus!
Para amar quem não é amado...
Para socorrer quem se perdeu na
estrada...
Para cuidar de quem sofre
violência...
Para acolher quem se arrepende do
mal...
Pai nosso...
Quis non posset contristati / piam matrem
comtemplari / dolentem cum Filio?
VII Estação: Jesus cai pela segunda vez
(Vozes de paz de dois adolescentes do
norte de África)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
“Senhor, quando foi que te vimos com
fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos
como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi
que te vimos doente ou preso e fomos te visitar?”. Então o rei lhes responderá:
“Em verdade eu vos digo que, todas as vezes que fizestes isso a um dos menores
de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,37-40).
1. Chamo-me Joseph, tenho 16 anos.
Cheguei ao campo de deslocados com os meus pais em 2015, onde vivo há oito
anos. Se houvesse paz, teria ficado na minha casa, onde nasci, e gozado a
infância. Aqui a vida não é boa. Temo pelo futuro, meu e dos outros
adolescentes. Por que sofremos no campo de deslocados? Por causa dos conflitos
em curso no meu país, flagelado pela guerra desde que existe. Sem paz, não
conseguiremos levantar-nos. Uma vez e outra promete-se a paz, mas continua-se a
cair sob o peso da guerra, a nossa cruz. Agradeço a Deus, que nos ergue como um
pai, e a muitos homens generosos que talvez nunca conhecerei e que,
ajudando-nos, permitem-nos sobreviver.
2. Sou Johnson e, desde 2014, vivo em outro
campo para deslocados, bloco B, setor 2. Tenho 14 anos e frequento a terceira série.
Aqui a vida não é boa, muitas crianças não vão à escola, porque não há
professores nem escolas para todos, o lugar é demasiado pequeno e superlotado,
não há espaço sequer para jogar futebol. Queremos a paz para poder voltar para
casa. A paz é boa, a guerra é má. Gostaria de dizê-lo aos líderes do mundo. E,
a todos os amigos, peço que rezem pela paz.
Rezemos dizendo: Fortalece-nos,
Senhor Jesus!
Na hora da provação...
Na fadiga de construir pontes de
fraternidade...
Ao levarmos a nossa cruz....
Ao darmos testemunho do
Evangelho...
Pai nosso...
Pro peccatis suae gentis / vidit Jesum in
tormentis / et flagellis subditum.
VIII Estação: Jesus encontra as
mulheres de Jerusalém
(Vozes de paz do sudeste asiático)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Seguia Jesus uma grande multidão do
povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por Ele (Lc 23,27).
Jesus, levas a tua cruz. E penso que
também o meu país leva a sua cruz. Somos um povo que ama a paz, mas estamos
esmagados pela cruz do conflito: da violência, dos deslocamentos internos, dos
ataques aos lugares de culto... É um fardo pesado, Jesus, que arrastamos em uma
“via-sacra” que parece não ter fim. As lágrimas das nossas mães choram a fome
dos seus filhos. E, como elas, também eu não tenho muitas palavras para rezar,
mas tantas lágrimas para oferecer. Senhor, o cortejo que Te conduzia ao Calvário
era tremendo, mas, por entre a multidão brutalizada pelo mal, abriram caminho
mulheres que choravam. Foram elas que Te deram força, mães que viam em Ti não
um condenado, mas um filho. Também entre nós, saiu da multidão uma mulher, que
se tornou mãe no espírito para muitos, a qual, em defesa do seu povo, se
ajoelhou diante do poder com as armas em riste e, disposta a dar a vida, com
mansidão invocou paz e reconciliação. Jesus, agora como então, na macabra confusão
do ódio, nasce a dança da paz. E nós, cristãos, queremos ser instrumentos de
paz. Converte-nos a Ti, Jesus, e dá-nos força, porque só Tu és a nossa força.
Rezemos dizendo: Converte-nos,
Senhor Jesus!
De traficar armas sem escrúpulos de
consciência...
De destinar o dinheiro para armamentos
em vez de alimentos...
Da escravidão do dinheiro que provoca
guerras e injustiças:..
Para que as lanças se transformem em
foices...
Pai nosso...
Eia, mater, fons amoris, / me sentire vim
doloris / fac, ut tecum lugeam.
IX Estação: Jesus cai pela terceira vez
(Vozes de paz de uma consagrada da
África Central)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Em verdade, em verdade vos digo: Se o
grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo;
mas, se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas
quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna (Jo 12,24-25).
No dia 05 de dezembro de 2013, às 5h da
manhã, fui acordada pelas armas. Os rebeldes estavam invadindo a capital.
Muitos corriam e procuravam esconder-se, mas bastava cruzar-se com uma bala
perdida para morrer. Foi o início de sofrimentos indescritíveis: assassinatos,
perda de familiares, amigos e colegas. A minha irmã desapareceu e nunca mais
voltou, fato este imensamente traumático para nosso, pai que nos deixaria
alguns anos depois, na sequência de uma breve doença. Eu continuava chorando.
Naquele vale de lágrimas e de «porquês»... pensei em Jesus. Também Ele caiu sob
o peso da violência, a ponto de dizer na cruz: «Meu Deus, por que Me
abandonaste?» Juntava os meus «porquês» aos d’Ele e em mim abriu caminho uma
resposta: ama como Jesus te ama. Foi a luz no meio da escuridão.
Compreendi que devia haurir força do ato de amar. Desde então, sempre que há um
mínimo de calma, vou à Missa. Para chegar à paróquia, devo percorrer um longo caminho
e atravessar pelo menos três postos de controle rebeldes. Mas, Missa após
Missa, cresceu em mim uma certeza: apesar de ter perdido praticamente tudo,
inclusive a casa onde cresci, tudo passa, exceto Deus. Isto
levantou-me o ânimo e, com alguns amigos, começamos a reunir crianças, que brincavam
de soldados, para lhes transmitir, a eles que são o futuro, os valores
evangélicos da ajuda mútua, do perdão, da honestidade, para que o sonho da paz
se torne realidade.
Rezemos dizendo: Cura-nos,
Senhor Jesus!
Do medo de não ser amados...
Do medo de não ser compreendidos...
Do medo de ser esquecidos:...
Do medo de falhar...
Pai nosso...
Fac ut ardeat cor meum / in amando Christum
Deum, / ut sibi complaceam.
X Estação: Jesus é despojado das suas
vestes
(Vozes de paz dos jovens da Ucrânia e
da Rússia)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Os soldados crucificaram Jesus e
repartiram as suas roupas, tirando a sorte, para ver que parte caberia a cada
um. (...) Assim se cumpria a Escritura que diz: “Repartiram entre si as
minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica” (Mc 15,24; Jo 19,24).
1. No ano passado, meu pai e minha mãe
pegaram meu irmão mais novo e eu para nos trazer à Itália, onde a nossa avó
trabalha há mais de vinte anos. Saímos de Mariupol durante a noite. Na
fronteira, os soldados bloquearam o meu pai, dizendo-lhe que devia permanecer
na Ucrânia para combater. Nós prosseguimos de ônibus por mais dois dias.
Chegado à Itália, senti-me triste. Senti-me despojado de tudo: completamente
nu. Não conhecia a língua, nem tinha qualquer amigo. Minha avó esforçava-se por
me fazer sentir feliz, mas a única coisa que eu dizia era que queria voltar
para casa. Por fim, a minha família decidiu regressar à Ucrânia. Aqui a
situação continua a ser difícil; há guerra por todo o lado, a cidade está
destruída. Mas, no coração, ficou-me aquela certeza de que falava a minha avó
quando eu chorava: «Verás que tudo passa. E, com a ajuda do bom Deus, voltará a
paz».
2. Eu, ao contrário, sou um rapaz russo...
Enquanto o digo vem-me quase um sentido de culpa, mas ao mesmo tempo não
compreendo o porquê e sinto-me mal duas vezes. Despojado da felicidade e de
sonhos para o futuro. Há dois anos vejo chorar minha avó e minha mãe. Uma carta
informou-nos que o meu irmão mais velho morreu (recordo-o ainda no dia em que
fez 18 anos, sorridente e resplandecente como o sol; e tudo isto apenas algumas
semanas antes de partir para uma longa viagem). Todos nos diziam que devíamos
estar orgulhosos, mas em casa só havia tanto sofrimento e tristeza. A mesma
coisa aconteceu com meu pai e meu avô: também eles partiram e não sabemos mais
nada. Com muito medo, algum dos meus colegas de escola sussurrou ao meu ouvido
que há a guerra. Regressado a casa escrevi uma oração: Jesus, por favor, faz
com que haja paz no mundo inteiro e que todos possamos ser irmãos.
Rezemos dizendo: Purifica-nos,
Senhor Jesus!
Do ressentimento e do rancor...
Das palavras e reações violentas...
Das atitudes que criam divisões...
Da procura de brilhar, humilhando os
outros...
Pai nosso...
Sancta Mater, istud agas, / Crucifixi fige
plagas / cordi meo valide.
XI Estação: Jesus é pregado na cruz
(Vozes de paz de um jovem do Oriente Médio)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Com Jesus foram crucificados dois ladrões, um à direita e
outro à esquerda. Os que ali passavam o insultavam, balançando a cabeça e
dizendo: “Ah! Tu que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-te a
ti mesmo, descendo da cruz!” (Mc 15,27-30).
Em 2012 grupos de extremistas armados
invadiram o nosso bairro, matando a rajadas de metralhadora quem se encontrava
nas sacadas e nos condomínios. Eu tinha nove anos. Recordo a angústia da minha
mãe e do meu pai; à noite, encontrávamo-nos abraçados e rezando, cientes de uma
nova e duríssima realidade à nossa frente. A guerra tornava-se cada dia mais
horrenda. Por longos períodos faltava luz e água, e abriram-se poços por toda a
parte. A comida era um problema diário. Em 2014, enquanto estávamos na sacada,
explodiu uma bomba em frente de casa, arremessando-nos para dentro e
cobrindo-nos de vidros e estilhaços. Poucos meses depois, outra bomba alcançou
o quarto dos meus pais, que se salvaram por milagre e decidiram com relutância
deixar o país. Começou outro calvário, porque, depois de duas tentativas para
obter um visto, não tínhamos alternativa senão embarcar. Arriscamos a vida,
permanecemos em uma rocha à espera do amanhecer e de um navio da guarda
costeira. Salvos, os habitantes do lugar acolheram-nos de braços abertos,
compreendendo as nossas dificuldades. A guerra foi a cruz da nossa vida. A
guerra mata a esperança. No nosso país, mais ainda depois das terríveis
calamidades naturais, muitas famílias, crianças e idosos estão sem esperança.
Em nome de Jesus, que abriu os braços na cruz, estendei a mão ao meu povo!
Rezemos dizendo: Cura-nos,
Senhor Jesus!
Da incapacidade de dialogar...
Da difidência e da suspeita...
Da impaciência e da pressa...
Do egoísmo e do isolamento...
Pai nosso...
Tui Nati vulnerati, / tam dignati pro me
pati, / poenas mecum divide.
XII Estação: Jesus morre, perdoando aos
seus assassinos
(Vozes de paz de uma mãe do ocidente
asiático)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”.
(...) Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra até
às três horas da tarde, pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário
rasgou-se pelo meio, e Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o
meu espírito”. Dizendo isso, expirou (Lc 23,34.44-46).
No dia 06 de agosto de 2014 a cidade
foi despertada pelas bombas. Os terroristas estavam à porta. Três semanas
antes, tinham invadido as cidades e as aldeias vizinhas, tratando-as
cruelmente. Por isso fugimos, mas, pouco dias depois, regressamos a casa. Uma
manhã, enquanto estávamos nos nossos trabalhos e as crianças brincavam às
portas de casas, ressoou no ar um tiro de morteiro. Saí a correr. Já não se
ouviam as vozes das crianças, mas aumentavam os gritos dos adultos. O meu
filho, o seu primo e a jovem vizinha que estava a preparar-se para o matrimônio
foram atingidos: mortos. A morte destes três anjos impeliu-nos a fugir: se não
fossem eles, ficando na cidade, teríamos inevitavelmente caído nas mãos dos
terroristas. Não é fácil aceitar esta realidade. Contudo a fé ajuda-me a
esperar, porque me lembra que os mortos estão nos braços de Jesus. E nós,
sobreviventes, procuramos perdoar ao agressor, porque Jesus perdoou aos seus
carrascos. Nas nossas mortes, cremos em Ti, Senhor da vida. Queremos seguir-Te
e testemunhar que o teu amor é mais forte do que tudo o resto.
Rezemos dizendo: Ensina-nos,
Senhor Jesus!
A amar como Tu nos amaste...
A perdoar, como Tu nos perdoaste...
A dar o primeiro passo para nos
reconciliarmos...
A praticar o bem sem exigir
retribuição...
Pai nosso...
Vidit suum dulcem Natum / morientem desolatum
/ cum emisit spiritum.
XIII Estação: Jesus é descido da cruz
(Vozes de paz de uma religiosa da África
oriental)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
“Quem nos separará do amor de Cristo?
Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? (...) Em tudo
isso, somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou!” (Rm 8,35.37).
Era o dia 07 de setembro de 2022, dia
em que, no nosso país, recordamos o Acordo com o qual finalmente se reconheceu
ao nosso povo o direito à plena independência, quando de repente aconteceu algo
que quebrou a alegria: uma religiosa, missionária desde sempre nas nossas
terras, foi morta. Os terroristas entraram em casa e, sem piedade, tiraram-lhe
a vida. O dia da vitória transformou-se em derrota: o medo e a incerteza
inundaram os nossos corações. A experiência de centenas de famílias que viram a
morte trágica dos seus entes queridos tornou-se realidade: o corpo sem vida da
irmã jazia nos nossos braços. Não é fácil assistir à morte violenta de um
familiar, de um amigo, de um vizinho, assim como não é fácil ver a casa e os
próprios bens reduzidos a cinzas... o futuro torna-se escuro. Mas esta é a vida
do meu povo, é a minha vida. Porém, como nos foi testemunhado e aprendemos na
escola da Virgem de Nazaré, que acolheu nos braços Jesus já morto e O
contemplou com amor iluminado pela fé, nunca devemos deixar de encontrar a
coragem de sonhar um futuro de esperança, paz e reconciliação. É
que o amor de Cristo Ressuscitado foi derramado nos nossos corações; Ele é a
nossa paz, é Ele a nossa verdadeira vitória. E nada nos separará jamais do seu
amor.
Rezemos dizendo: Tem piedade de
nós, Senhor Jesus!
Bom Pastor, que dás a vida pelo teu
rebanho:...
Tu que, morrendo, destruíste a
morte...
Tu que, do coração transpassado, fazes
jorrar a Vida...
Tu que, do sepulcro, iluminas a
História...
Pai nosso...
Fac me tecum pie flere / Crucifixo condolere
/ donec ego vixero.
XIV Estação: Jesus é colocado no
sepulcro
(Vozes de paz de jovens moças da África
meridional)
Nós vos adoramos, Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
R. Porque pela vossa Santa Cruz
remistes o mundo.
Depois disso, José de Arimateia... pediu a Pilatos para
tirar o corpo de Jesus. Pilatos consentiu. Então José veio tirar o corpo de
Jesus. Chegou também Nicodemos... Levou uns trinta
quilos de perfume feito de mirra e aloés. Então tomaram o corpo de Jesus e
envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho (Jo 19,38-40).
Era o entardecer de uma sexta-feira
quando os rebeldes invadiram a nossa aldeia, tomaram como reféns todos aqueles
que puderam, deportaram quem encontraram e carregaram-nos com aquilo que saquearam.
No caminho, mataram muitos homens com balas ou facas. As mulheres foram levadas
para um parque. Todos os dias éramos maltratadas no corpo e na alma. Despojadas
de roupa e de dignidade, vivíamos nuas para não fugir. Por Deus, um dia, quando
nos mandaram buscar água ao rio, consegui escapar. Ainda hoje a nossa província
é um lugar de lágrimas e sofrimento. Quando o Papa veio ao nosso continente,
depositamos ao pé da cruz de Jesus as roupas dos homens armados, que ainda nos
metem medo. Em nome de Jesus perdoamos-lhes por tudo o que nos fizeram. Pedimos
ao Senhor a graça de uma convivência pacífica e humana. Sabemos e acreditamos
que o sepulcro não é a última habitação, mas todos somos chamados a uma nova
vida na Jerusalém celeste.
Rezemos dizendo: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Na esperança que não desilude: Guarda-nos,
Senhor Jesus!
Na luz que não se apaga: Guarda-nos,
Senhor Jesus!
No perdão que renova o coração: Guarda-nos,
Senhor Jesus!
Na paz que nos torna
bem-aventurados: Guarda-nos, Senhor Jesus!
Pai nosso...
Quando corpus morietur, / fac ut animae
donetur / paradisi gloria. Amen.
Oração final: «14 obrigados»
Senhor Jesus, Palavra eterna do Pai, por
nós fizeste-Te silêncio. E, no silêncio que nos guia até ao teu sepulcro, há
ainda uma palavra que Te queremos dizer, repassando o caminho da Via-Sacra
percorrida contigo: obrigado!
Obrigado, Senhor Jesus, pela mansidão
que confunde a arrogância.
Obrigado pela coragem com que abraçaste
a cruz.
Obrigado pela paz que jorra das tuas
feridas.
Obrigado por nos teres dado a tua santa
Mãe como nossa Mãe.
Obrigado pelo amor demonstrado diante
da traição.
Obrigado por teres mudado as lágrimas
em sorriso.
Obrigado por teres amado a todos sem
excluir ninguém.
Obrigado pela esperança que infundes na
hora da provação.
Obrigado pela misericórdia que sara as
misérias.
Obrigado por Te teres despojado de tudo
para nos enriquecer.
Obrigado por teres mudado a cruz em
árvore da vida.
Obrigado pelo perdão que ofereceste aos
teus assassinos.
Obrigado por teres derrotado a morte.
Obrigado, Senhor Jesus, pela luz que
acendeste nas nossas noites e, reconciliando todas as divisões, tornaste-nos a
todos irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus.
Pai nosso…
Bênção
Fonte: Santa Sé.
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