quarta-feira, 19 de abril de 2023

Catequese do Papa Bento XVI: A oração (29)

Neste dia em que celebramos a eleição do Papa Bento XVI (19 de abril de 2005), damos início à publicação da terceira parte das suas Catequeses sobre a oração, dedicada à oração no Novo Testamento (Atos dos Apóstolos, Cartas de Paulo e Apocalipse).

Confira a postagem com os links para todas as Catequeses sobre a oração clicando aqui.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de março de 2012
A oração (29):
A oração nos Atos dos Apóstolos

Queridos irmãos e irmãs,
Com a Catequese de hoje gostaria de começar a falar sobre a oração nos Atos dos Apóstolos e nas Cartas de São Paulo. São Lucas transmitiu-nos, como sabemos, um dos quatro Evangelhos, dedicado à vida terrena de Jesus, mas deixou-nos também aquilo que foi definido o primeiro livro sobre a história da Igreja, isto é, os Atos dos Apóstolos. Nestes dois livros um dos elementos recorrentes é precisamente a oração: de Jesus, de Maria, dos discípulos, das mulheres e da comunidade cristã. O caminho inicial da Igreja é ritmado, antes de tudo, pela obra do Espírito Santo, que transforma os Apóstolos em testemunhas do Ressuscitado até à efusão do sangue, e pela rápida difusão da Palavra de Deus rumo ao Oriente e ao Ocidente.

Todavia, antes que o anúncio do Evangelho se propague, Lucas cita o episódio da Ascensão do Ressuscitado (cf. At 1,6-9). Aos discípulos o Senhor confia o programa da sua existência votada à evangelização e diz: «Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra» (v. 8). Em Jerusalém os Apóstolos se tornaram Onze, devido à traição de Judas Iscariotes; estão reunidos em casa para rezar, e é precisamente na oração que esperam o dom prometido por Cristo Ressuscitado, o Espírito Santo.

A Virgem Maria em oração com os Apóstolos

Neste contexto de expectativa, entre a Ascensão e o Pentecostes, São Lucas menciona pela última vez Maria, a Mãe de Jesus, e os seus familiares (At 1,14). A Maria ele dedicou o início do seu Evangelho, do anúncio do Anjo ao nascimento e à infância do Filho de Deus que se fez homem. Com Maria começa a vida terrena de Jesus, e com Maria têm início também os primeiros passos da Igreja; em ambos os momentos, o clima é a escuta de Deus e o recolhimento. Portanto, hoje gostaria de meditar sobre esta presença orante da Virgem no grupo dos discípulos, que serão a primeira Igreja nascente.

Maria acompanhou com discrição todo o caminho do seu Filho durante a vida pública, até aos pés da Cruz, e agora continua a acompanhar, com uma prece silenciosa, o caminho da Igreja. Na Anunciação, na casa de Nazaré, Maria recebe o Anjo de Deus, está atenta às suas palavras, acolhe-as e responde ao desígnio divino, manifestando a sua plena disponibilidade: «Eis aqui a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). Precisamente pela atitude interior de escuta, Maria é capaz de ler a própria história, reconhecendo com humildade que é o Senhor quem age. Em visita à prima Isabel, ela irrompe em uma oração de louvor e de alegria, de celebração da graça divina, que encheu o seu coração e a sua vida, tornando-a Mãe do Senhor (Lc 1,46-55). Louvor, ação de graças e alegria: no cântico do Magnificat, Maria não olha só para aquilo que Deus realizou nela, mas também para quanto Ele fez e faz continuamente na história. Em um célebre comentário ao Magnificat, Santo Ambrósio convida a ter o mesmo espírito na oração, e escreve: «Esteja em cada um a alma de Maria para enaltecer o Senhor; esteja em cada um o espírito de Maria para exultar em Deus» (Expositio Evangelii secundum Lucam 2, 26: PL 15, 1561).

Ela também está presente no Cenáculo, em Jerusalém, na «sala de cima, onde costumavam ficar» os discípulos de Jesus (At 1,13), em um clima de escuta e de oração. Ela está presente antes que as portas se abram de par em par e eles comecem a anunciar Cristo Senhor a todos os povos, ensinando a observar tudo o que Ele tinha ordenado (Mt 28,19-20). As etapas do caminho de Maria, da casa de Nazaré à de Jerusalém, através da Cruz onde o Filho lhe confia o Apóstolo João, são marcadas pela capacidade de manter um clima perseverante de recolhimento, para meditar cada acontecimento no silêncio do seu Coração, diante de Deus (Lc 2,19-51) e, na meditação perante Deus, compreender também a Sua vontade e tornar-se capaz de aceitá-la interiormente. A presença da Mãe de Deus com os Onze, depois da Ascensão, não é então uma simples anotação histórica de algo do passado, mas adquire um significado de grande valor, porque com eles ela partilha aquilo que há de mais precioso: a memória viva de Jesus, na oração; compartilha esta missão de Jesus: conservar a memória de Jesus e assim conservar a sua presença.

A última menção de Maria nos dois escritos de São Lucas está inserida no dia de sábado: o dia do descanso de Deus depois da Criação, o dia do silêncio depois da Morte de Jesus e da expectativa da sua Ressurreição. E é neste episódio que se arraiga a tradição de Santa Maria no sábado. Entre a Ascensão do Ressuscitado e o primeiro Pentecostes cristão, os Apóstolos e a Igreja reúnem-se com Maria para esperar com ela o dom do Espírito Santo, sem o qual não podemos tornar-nos testemunhas. Ela, que já o recebeu para gerar o Verbo encarnado, compartilha com toda a Igreja a expectativa do mesmo dom, para que no coração de cada crente «se forme Cristo» (Gl 4,19). Se não há Igreja sem Pentecostes, também não há Pentecostes sem a Mãe de Jesus, porque ela viveu de modo único aquilo que a Igreja experimenta todos os dias sob a ação do Espírito Santo. São Cromácio de Aquileia comenta assim a anotação dos Atos dos Apóstolos: «Portanto, a Igreja congregou-se na sala de cima juntamente com Maria, Mãe de Jesus, e com os seus irmãos. Por conseguinte, não se pode falar de Igreja, se não estiver presente Maria, Mãe do Senhor... A Igreja de Cristo encontra-se onde se anuncia a Encarnação de Cristo através da Virgem, e onde os Apóstolos, que são irmãos do Senhor, pregam ali ouve-se o Evangelho» (Sermão 30, 1: SC 164, 135).

O Concílio Vaticano II quis ressaltar de modo particular este vínculo, que se manifesta visivelmente na oração conjunta de Maria e dos Apóstolos, no mesmo lugar, à espera do Espírito Santo. A Constituição Dogmática Lumen gentium afirma: «Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos “perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus” (At 1,14); e vemos também Maria implorando, com as suas orações, o dom daquele Espírito que já descera sobre ela na Anunciação» (n. 59). O lugar privilegiado de Maria é a Igreja, onde é «saudada como membro eminente e inteiramente singular... seu modelo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade» (ibid., n. 53).

Então, venerar a Mãe de Jesus na Igreja significa aprender dela a ser comunidade que reza: esta é uma das características essenciais da primeira descrição da comunidade cristã, delineada nos Atos dos Apóstolos (At 2,42). Muitas vezes, a oração é determinada por situações de dificuldade, por problemas pessoais que nos levam a dirigir-nos ao Senhor para receber luz, consolação e ajuda. Maria convida a abrir as dimensões da oração, a dirigir-nos a Deus não só na necessidade, nem só para nós mesmos, mas de modo unânime, perseverante e fiel, com «um só coração e uma só alma» (At 4,32).

Caros amigos, a vida humana atravessa várias fases de passagem, com frequência difíceis e exigentes, que requerem escolhas inadiáveis, renúncias e sacrifícios. A Mãe de Jesus foi posta pelo Senhor em momentos decisivos da história da salvação, e soube responder sempre com plena disponibilidade, fruto de um vínculo profundo com Deus amadurecido na oração assídua e intensa. Entre a sexta-feira da Paixão e o domingo da Ressurreição, a ela foi confiado o discípulo predileto e, com ele, toda a comunidade dos discípulos (Jo 19,26). Entre a Ascensão e o Pentecostes, ela encontra-se com e na Igreja em oração (At 1,14). Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Maria exerce esta sua maternidade até ao fim da história. Confiemos-lhe cada fase da nossa existência pessoal e eclesial, também a da nossa passagem final. Maria ensina-nos a necessidade da oração e indica-nos que só com um vínculo constante, íntimo e cheio de amor com o seu Filho podemos sair da «nossa casa», de nós mesmos, com coragem, para alcançar os confins do mundo e anunciar em toda a parte o Senhor Jesus, Salvador do mundo.


Fonte: Santa Sé.

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