Vigília Pascal na Noite Santa (Ano A)
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Sábado Santo, 08 de abril de 2022
A noite está chegando ao fim e começam já a despontar os primeiros
fulgores da aurora quando as mulheres saem para o túmulo de Jesus. Caminham com
passo incerto, olhar perdido e o coração dilacerado de dor por aquela morte que
lhes arrebatou o Amado. Mas tendo chegado lá, ao ver o túmulo vazio, invertem o
rumo, mudam de estrada; abandonam o sepulcro e correm a anunciar aos discípulos
um percurso novo: Jesus ressuscitou e espera-os na Galileia. Na
vida destas mulheres aconteceu a Páscoa, que significa passagem: de
fato, passam do caminho triste rumo ao sepulcro para uma corrida jubilosa até
junto dos discípulos, a fim de lhes dizer não só que o Senhor ressuscitou, mas
que há uma meta a alcançar imediatamente, a Galileia. O encontro com o
Ressuscitado é lá. O renascimento dos discípulos, a ressurreição do seu coração
passa pela Galileia. Entremos também nós neste caminho dos discípulos, que vai
do túmulo à Galileia.
As mulheres - diz o Evangelho - «foram visitar o sepulcro» (Mt 28,1).
Pensam que Jesus Se encontra no lugar da morte e que tudo está acabado para
sempre. Às vezes acontece também a nós pensar que a alegria do encontro com
Jesus pertença ao passado, enquanto aquilo que o presente nos dá a conhecer são
sobretudo túmulos selados: os túmulos das nossas desilusões, das nossas amarguras,
da nossa desconfiança, os túmulos do «não há mais nada a fazer», «as coisas não
mudarão jamais», «melhor gozar o dia a dia» porque «do amanhã não estamos
seguros». Também nós, se somos dominados pela dor, oprimidos pela tristeza,
humilhados pelo pecado, amargurados por algum fracasso ou pressionados por
alguma preocupação, experimentamos o gosto amargo do cansaço e vimos a alegria
apagar-se no coração.
Às vezes notamos simplesmente o peso de levar adiante a vida quotidiana,
cansados de arriscar pessoalmente contra uma espécie de muro de borracha de um
mundo onde parecem prevalecer sempre as leis do mais esperto e do mais forte.
Outras vezes sentimo-nos impotentes e desanimados perante o poder do mal, os
conflitos que dilaceram as relações, as lógicas feitas de cálculo e indiferença
que parecem governar a sociedade, o câncer da corrupção - e há tanta -, a
propagação da injustiça, os ventos gélidos da guerra. Mais ainda, talvez nos
tenhamos defrontado com a morte a roubar-nos a doce presença dos nossos entes queridos
ou tocar-nos na doença ou nas calamidades, e facilmente caímos vítimas da
desilusão e secou a fonte da esperança. Assim, por estas ou outras situações -
cada um de nós conhece as suas -, os nossos caminhos detêm-se perante túmulos e
nós ficamos imóveis chorando e lamentando, repetindo, sozinhos e impotentes, os
nossos «porquês». Aquela cadeia de «porquês»...
As mulheres na Páscoa, ao contrário, não ficam paralisadas diante de um
túmulo, mas - diz o Evangelho - «afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias
de temor e grande alegria, correram a dar a notícia aos discípulos» (Mt 28,
8). Levam a notícia que mudará para sempre a vida e a história: Cristo
ressuscitou! (v. 6). E, ao mesmo tempo guardam e transmitem a recomendação do
Senhor, o seu convite aos discípulos, ou seja, que partam para a
Galileia, porque lá O verão (v. 7). Mas, irmãos e irmãs, perguntamo-nos
hoje: que significa ir para a Galileia? Duas coisas: a primeira, sair da
clausura do Cenáculo, partindo para a região habitada pelos gentios (cf. Mt 4,15),
sair do escondimento para se abrir à missão, escapar do medo para caminhar
rumo ao futuro. A segunda - e isto é maravilhoso -, voltar às
origens, porque precisamente na Galileia é que tudo começara. Lá
o Senhor encontrara e chamara pela primeira vez os discípulos. Portanto, ir
para a Galileia é voltar à graça primordial, é readquirir a memória que
regenera a esperança, a «memória do futuro» com que fomos marcados pelo
Ressuscitado.
Vemos assim o que faz a Páscoa do Senhor: impele-nos a seguir em frente,
sair da sensação de derrota, rolar a pedra dos sepulcros onde muitas vezes
encerramos a esperança, olhar o futuro com confiança, porque Cristo ressuscitou
e mudou a direção da história; mas, para consegui-lo, a Páscoa do Senhor
leva-nos ao nosso passado de graça, faz-nos regressar à Galileia, onde teve
início a nossa história de amor com Jesus, onde ocorreu o primeiro chamado. Em
outras palavras, pede-nos para reviver o momento, a situação, a experiência em
que encontramos o Senhor, experimentamos o seu amor e recebemos um olhar novo e
luminoso sobre nós mesmos, sobre a realidade, sobre o mistério da vida. Irmãos
e irmãs, para ressuscitar, recomeçar, retomar o caminho, precisamos sempre voltar
à Galileia, isto é, voltar não a um Jesus abstrato, ideal, mas à memória viva,
à memória concreta e palpitante do primeiro encontro com Ele. Sim, para
caminhar devemos recordar; para ter esperança devemos nutrir a memória. E este
é o convite: recorda e caminha! Se recuperares o primeiro
amor, o deslumbramento e a alegria do encontro com Deus, seguirás para a
frente. Recorda e caminha.
Recorda a tua Galileia e caminha para a tua Galileia. É o «lugar» onde
conheceste pessoalmente Jesus, onde Ele deixou de ser, para ti, um personagem
histórico como outros, tornando-Se a pessoa da tua vida: não um
Deus distante, mas o Deus próximo, que te conhece melhor do que ninguém e te
ama mais do que qualquer outra pessoa. Irmão, irmã, traz à memória a Galileia,
a tua Galileia: a Galileia do teu chamado, daquela Palavra de Deus que, em um
momento concreto, foi dirigida precisamente a ti; daquela forte experiência no
Espírito, da grande alegria do perdão sentida depois daquela Confissão, daquele
momento intenso e inesquecível de oração, daquela luz que se acendeu no teu
íntimo e transformou a tua vida, daquele encontro, daquela peregrinação... Cada
um de nós sabe onde se encontra a sua Galileia, cada um de nós conhece o
próprio lugar da ressurreição interior, lugar inicial, fundante, que mudou as
coisas. Não podemos deixá-lo no passado, o Ressuscitado convida-nos a ir até lá
para celebrar a Páscoa. Recorda a tua Galileia, trá-la à memória,
reaviva-a hoje mesmo. Volta àquele primeiro encontro. Interroga-te como e
quando foi, reconstrói o seu contexto, tempo e lugar, repassa a emoção e as
sensações, revive as suas cores e sabores. Com efeito, tu sabes, foi quando
esqueceste aquele primeiro amor, quando olvidaste aquele primeiro encontro que
começou a depositar-se o pó no teu coração. E experimentaste a tristeza e, como
para os discípulos, tudo parecia carecido de perspectiva, com um rochedo
selando a esperança. Mas hoje, irmão, irmã, a força da Páscoa convida a rolar
para fora as pedras da desilusão e da desconfiança; o Senhor, perito em
derrubar as pedras tumulares do pecado e do medo, quer iluminar a tua memória
santa, a tua recordação mais bela, tornar atual aquele primeiro encontro com
Ele. Recorda e caminha: volta para Ele, redescobre a graça da ressurreição de
Deus em ti! Volta à Galileia, volta à tua Galileia.
Irmãos, irmãs, sigamos Jesus até à Galileia, encontrando-O e adorando-O
lá onde Ele espera cada um de nós. Revivamos a beleza daquele momento em que,
depois de tê-Lo descoberto vivo, O proclamamos Senhor da nossa vida. Voltemos à
Galileia, à Galileia do primeiro amor, cada um volte à sua própria Galileia, a
do primeiro encontro, e ressurjamos para uma vida nova!
Fonte: Santa Sé.
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