No último dia 25 de outubro o Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel Clemente, celebrou a Santa Missa na Catedral Patriarcal de Santa Maria Maior, a Sé de Lisboa, na Solenidade do aniversário da sua Dedicação, dando início à etapa diocesana do próximo Sínodo dos Bispos:
Homilia na Solenidade da Dedicação da Sé
Um templo vivo, comunitário e expansivo
Irmãos caríssimos
Celebramos a Dedicação da
nossa Sé Patriarcal de Lisboa com renovados sentimentos de unidade e missão.
Unidade para a missão, como
sequência inevitável e recíproca, pois não há missão que não seja conjunta,
mesmo quando pessoalmente efetivada, e porque nada nos une mais e melhor do que
uma tarefa comum.
Nisso mesmo se reconhece
sinodalmente a Igreja, como aquela “caravana” (synodía) em que o jovem Jesus foi a Jerusalém com Maria e José (cf. Lc 2,44). Ou como
aquele grupo dos Doze e algumas mulheres que com ele seguiram mais tarde, de
cidade em cidade e de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do
Reino de Deus (cf. Lc 8,1-2).
Fixemos estes dois pontos absolutamente inseparáveis: caminhavam juntos e
transmitiam o Evangelho vivo que consigo levavam e era o próprio Cristo. Todo o
caminho sinodal que estamos a fazer, do nosso Sínodo Diocesano (2014-2021) para
o Sínodo dos Bispos (2023), é muito mais do que mera reforma de estruturas, em
que aliás continuaremos a insistir, para todos sermos mais corresponsáveis em
ministérios e serviços. Define-se e concretiza-se como caminho com Cristo,
necessariamente comunitário e teologicamente orientado.
Necessariamente comunitário, não só para evitar subjetivismos e protagonismos
desenquadrados, mas sobretudo porque a comunidade é o lugar por excelência do
encontro de Cristo vivo entre os seus: «Onde estiverem dois ou três reunidos em
meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18,20). E teologicamente
orientado, por ser caminho para Deus Pai, realizado e celebrado «por Cristo,
com Cristo e em Cristo, na unidade do Espírito Santo». Também a própria vida
divina se poderá considerar “sinodal”, em si mesma e no que faz, como Jesus
esclareceu: «O meu Pai continua a realizar obras até aqui, e eu também
continuo!» (Jo 5,17).
São muito sugestivas estas
imagens evangélicas, para nos entendermos como Igreja na cidade e no mundo. É
de um grupo em movimento que se trata, mesmo que com pausas e lugares certos de
encontro e celebração. Sem esquecer que a celebração se conclui sempre com um
“Ide...”. Esta própria Sé tem inscrito no pórtico um versículo missionário:
«Por toda a terra se expandiu o som...» (Sl 18,5), lembrando as Igrejas que diretamente
ou indiretamente tiveram origem em Lisboa.
Hoje em dia, com imigrantes e
residentes de mais de uma centena de povos e variadas religiões e culturas,
temos ao pé da porta uma missão de torna-viagem, que nem nos dispensa de olhar
para mais longe nem nos exime de trabalhar bem perto. Mais uma vez relembro e
aplico à nossa diocese o número 46 da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Ecclesia
in Europa, de São João Paulo II: «A Europa faz parte já daqueles espaços
tradicionalmente cristãos, onde, para além de uma nova evangelização, se requer
em determinados casos a primeira evangelização. (...) Mesmo no “velho”
continente existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna necessária
uma verdadeira e própria missio ad gentes».
Somos Igreja sinodal, porque
assim nos redescobrimos e com maior urgência, em comunhão e missão. E aqui
mesmo, na cidade e seus arredores, onde se concentra tanta variedade de povos e
culturas. Temos de colaborar com a sociedade em geral, tecendo uma
interculturalidade que nos aproxime, com mútuo respeito e partilha, e não
ficando por uma mera pluriculturalidade que nos tornasse indiferentes ao melhor
do que cada um transporta e criasse guetos impermeáveis e desconfiados entre
si.
Aliás, é altura de
redescobrirmos o essencial do que o Evangelho nos oferece, precisamente quando
o oferecemos a quem não o conheça nem nunca tenha ouvido falar dele. Neste
sentido, podemos dizer que nos reencontraremos para além de nós e com o que oferecermos
aos outros; e também com o que deles pudermos receber, em sinodalidade mais
alargada.
Já temos na Igreja de Lisboa
várias comunidades católicas nacionais, que se encontram e celebram nas suas
próprias línguas, além da nossa que já sabem ou vão aprendendo e enriquecendo.
Contamos com elas para serem parte muito especial e integrante do nosso caminho
sinodal e missionário.
O Evangelho que escutamos (Jo 2,13-22) fala-nos da indignação de
Jesus quando viu o templo transformado no que não devia ser: «Tirai isto daqui!
- bradou Ele aos vendedores e cambistas - Não façais da Casa de Meu Pai casa de
comércio». Isto no relato de São João. Os paralelos dos outros evangelistas
acentuam que o templo era e devia ser “casa de oração”.
É um ponto a reter,
pastoralmente também. Há muito a fazer, com criatividade e empenho, para que os
nossos templos sejam isso mesmo e ofereçam à cidade espaços de celebração
comunitária e também de silêncio meditativo e orante. Dignos espaços, onde a
lembrança de Deus proporcione a cada um a lembrança de si mesmo, no que tem de
mais profundo e tantas vezes escondido aos próprios olhos, pela vida que muito
corre e dispersa.
A purificação do templo antigo, como Jesus a fez naquele dia, também passa hoje
por aqui. Esta Sé, como outros templos da cidade, é de fato um monumento,
culturalmente atrativo e relevante. Mas, se monumento significa a lembrança de
algo, importa esclarecer que é essencialmente lugar de anamnese da vida que
Jesus entregou por todos nós, para nos reencontrarmos também como filhos de
Deus e verdadeiramente irmãos. Se assim não for, a cultura desliga-se do culto
e esvazia-se de si mesma.
Ouvimos também no Evangelho há
pouco proclamado: «Jesus respondeu-lhes: “Arrasai este Templo, e eu o
levantarei em três dias.” (...) Jesus falava do templo do seu corpo». Sim,
irmãos, esta nossa Catedral de pedra é muito mais do que um monumento entre
outros da cidade. É, pela sua própria arquitetura, pelas palavras e os ritos
litúrgicos, pelo espaço que entra no íntimo de quem realmente a compreende,
como que um sacramental de Cristo, que em si nos incorpora, como templo vivo,
comunitário e expansivo. Não é por acaso que a fase diocesana do Sínodo dos
Bispos se inicia aqui: a primeira igreja da diocese é sinal da ampla casa de
nós todos.
Também assim se começará a
cumprir a profecia que ouvimos, falando por Deus e dirigida a todos: «A minha
casa será chamada casa de oração para todos os povos» (Is 56,7). Da nossa parte, requer-se autenticidade eclesial,
litúrgica e missionária, acolhendo, celebrando e propondo em conjunto. Deus só
espera que o façamos, para realizar tudo o mais, sendo Ele próprio a operar em
nós o querer e o agir (cf. Fl 2,13).
Avancemos pois, para que a
dedicação desta Sé relembre e ative a dedicação de todos, em convicta
sinodalidade missionária!
Sé de Lisboa, 25 de outubro de
2021.
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Fonte: Patriarcado de Lisboa.
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