São Gregório Magno
Sermão 38 sobre os Evangelhos
Dois
preceitos de uma mesma caridade
Tenhamos
presente que a caridade se fundamenta em dois preceitos, a saber: no amor de
Deus e do próximo... Devemos observar que, ao tratar sobre o amor que devemos
ter ao próximo, põe-se regra e medida, visto que se diz: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo; mas tratando-se do amor que
se deve professar a Deus não se assinala limite algum, posto que nos diz: Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu
coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças.
Com todo... Pois somente aquele que ama
de verdade a Deus não se lembra de si mesmo... por esta mesma razão se ordenou
no Êxodo que se tingissem duas vezes de cor escarlate as cortinas que se
destinavam ao tabernáculo. Vós sois, irmãos, as cortinas do tabernáculo, que em
razão da fé ocultais em vossos corações os mistérios celestiais. Porém, as
cortinas do tabernáculo deveriam ser tingidas duas vezes de cor escarlate...
Portanto, para
que a vossa caridade esteja duas vezes tingida, é preciso que esteja abrasada
pelo amor de Deus e pelo do próximo, e de tal forma que não abandone a
contemplação de Deus pela compaixão do próximo, nem, por ocupar-se excessivamente
na contemplação de Deus, descuide a compaixão que deve ao próximo. Assim, todo
homem que vive entre os homens busque Aquele a quem ama, de modo que não
abandone aquele com quem caminha, e preste-lhe auxílio de tal maneira que, de
modo algum, separe-se d’Aquele a quem se conduz.
O amor que se
deve ao próximo se subdivide em dois preceitos, pois lemos na Escritura: O que não queres para ti, não faças a
ninguém. E o próprio Jesus disse: O
que quiseres que os outros vos façam, fazei-o vós a eles. Portanto, se
fazemos com o nosso próximo o que queremos que façam a nós, e evitamos fazer
aos demais o que não queremos que nos façam, conservaremos incólumes os
direitos da caridade.
Mas ninguém,
pelo mero fato de amar o seu próximo, pense que já tem a caridade, mas primeiro
examine a força de seu amor. Pois se alguém ama aos outros, mas não os ama por
Deus, não tem a caridade, mesmo que pense o contrário. Existe a caridade
verdadeira quando se ama ao amigo em Deus e ao inimigo por Deus. Ama por Deus
aos seus próximos aquele que os ama, se sabe amar aos que não lhe amam. Pois a
caridade costuma-se provar somente por ser contrária ao ódio. Por isso diz o
Senhor: Amai aos vossos inimigos, fazei o
bem aos que vos odeiam. Assim, pois, ama com segurança aquele que ama por
Deus aquele por quem sabe que não é amado.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 497-498. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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