quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Leitura litúrgica do Livro de Ezequiel (3)

“Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Ez 36,28)

Em nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Bíblia, já dedicamos duas postagens aqui no blog ao estudo do Livro de Ezequiel (Ez), um dos “profetas maiores” do Antigo Testamento, assim chamados pela extensão dos seus escritos.

Na primeira parte, após uma breve introdução à obra, analisamos sua leitura segundo o critério da composição harmônica na Missa. Na segunda parte prosseguimos a análise sob esse critério nos demais sacramentos e sacramentais e na Liturgia das Horas.

Consideramos agora, nesta terceira e última parte da pesquisa, a presença de Ezequiel nas celebrações do Rito Romano segundo o critério da leitura semicontínua, além de contemplar um texto do profeta entoado como cântico na Liturgia das Horas.

Ícone do profeta Ezequiel com a porta oriental do Templo (cf. Ez 44)

3. Leitura litúrgica do Livro de Ezequiel: Leitura semicontínua

Conforme o n. 66 do Elenco das Leituras da Missa, a leitura semicontínua consiste na proclamação dos principais textos de um livro na sequência, oferecendo aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus [1].

a) Celebração Eucarística

Nos dias de semana do Tempo Comum lemos de maneira semicontínua livros tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, várias semanas cada um, conforme sua extensão, em um ciclo bienal (ano par - ano ímpar) [2].

Assim, o Livro de Ezequiel é lido por duas semanas: na XIX e na XX semanas do Tempo Comum no ano par, concluindo a leitura de uma série de profetas pré-exílicos nas semanas anteriores.

As doze perícopes escolhidas do nosso Livro são:

XIX semana do Tempo Comum (ano par)
Segunda-feira: Ez 1,2-5.24-28c;
Terça-feira: Ez 2,8–3,4;
Quarta-feira: Ez 9,1-7; 10,18-22;
Quinta-feira: Ez 12,1-12;
Sexta-feira: Ez 16,1-15.60.63 ou Ez 16,59-63;
Sábado: Ez 18,1-10.13b.30-32 [3].

XX semana do Tempo Comum (ano par)
Segunda-feira: Ez 24,15-24;
Terça-feira: Ez 28,1-10;
Quarta-feira: Ez 34,1-11;
Quinta-feira: Ez 36,23-28;
Sexta-feira: Ez 37,1-14;
Sábado: Ez 43,1-7a [4].

A visão inicial de Ezequiel: o "tetramorfo"
(Afresco do séc. XVI - Mosteiro de Meteora, Grécia)

b) Liturgia das Horas

Também na Liturgia das Horas as leituras longas da profecia de Ezequiel estendem-se por duas semanas, no Ofício das Leituras da XXIV e da XXV semanas do Tempo Comum, igualmente precedidas por alguns profetas pré-exílicos.

As quatorze perícopes selecionadas aqui são:

Ofício das Leituras da XXIV semana do Tempo Comum
Domingo: Ez 1,3-14.22-28: Visão da glória do Senhor na terra do exílio;
Segunda-feira: Ez 2,8–3,11.16-21: A vocação de Ezequiel;
Terça-feira: Ez 8,1-6.16–9,11: Julgamento da pecadora Jerusalém;
Quarta-feira: Ez 10,18-22; 11,14-25: A glória do Senhor abandona a cidade condenada;
Quinta-feira: Ez 12,1-16: Com uma ação simbólica prediz-se a deportação do povo;
Sexta-feira: Ez 16,3.5b-7a.8-15.35.37a.40-43.59-63: Jerusalém, esposa infiel de Deus;
Sábado: Ez 18,1-13.20-32: Cada um será julgado segundo as suas obras [5].

Ofício das Leituras da XXV semana do Tempo Comum
Domingo: Ez 24,15-27: A vida do profeta é um sinal para o povo;
Segunda-feira: Ez 34,1-6.11-16.23-31: Israel, rebanho do Senhor;
Terça-feira: Ez 36,16-36: Futura restauração do povo de Deus no corpo, na alma e no espírito;
Quarta-feira: Ez 37,1-14: Visão da ressurreição do povo de Deus;
Quinta-feira: Ez 37,15-28: Anúncio da união entre Israel e Judá;
Sexta-feira: Ez 40,1-4; 43,1-12; 44,6-9: Visão sobre a restauração do templo e de Israel;
Sábado: Ez 47,1-12: Visão sobre a fonte que brotava do templo [6].

Ao longo destas duas semanas a 2ª leitura do Ofício, a leitura patrística, é tomada do Sermão 46 de Santo Agostinho, Bispo (séc. V) o chamado “Sermão sobre os pastores”, em sintonia com a imagem de Deus como pastor em Ezequiel (sobretudo no cap. 34).

Cristo, o Bom Pastor
(Auditório da Pontifícia Universidade Lateranense - Roma)

No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi traduzido para o Brasil, nosso profeta é lido por cerca de três semanas, do sábado da XXXI semana ao sábado da XXXIV semana do Tempo Comum no ano ímpar.

Aqui, precedido por Jeremias, Ezequiel encerra a leitura dos profetas até o exílio, como indica a Introdução Geral da Liturgia das Horas (n. 152): no ano ímpar “a série de leituras do Antigo Testamento apresenta, ao mesmo tempo, os livros históricos e os oráculos dos profetas, desde o Livro de Josué até a época do exílio inclusive” [7].

Além disso, sua colocação nas últimas semanas do Ano Litúrgico está em sintonia com o alcance escatológico do Livro.

Indicamos a seguir em negrito as leituras “inéditas” em relação ao ciclo anual [8]:

Ofício das Leituras da XXXI semana do Tempo Comum (Ciclo bienal: ano ímpar)
Sábado: como no ciclo anual (domingo da XXIV semana).

Ofício das Leituras da XXXII semana do Tempo Comum (Ciclo bienal: ano ímpar)
Domingo: como no ciclo anual (segunda-feira da XXIV semana);
Segunda-feira: Ez 5,1-17: Com uma ação simbólica prediz-se a destruição de Jerusalém;
Terça a quinta-feira: como no ciclo anual (terça à quinta-feira da XXIV semana);
Sexta-feira: Ez 13,1-16: Oráculo contra os falsos profetas;
Sábado: Ez 14,12-23: Salvação dos justos e ruína dos pecadores.

Ofício das Leituras da XXXIII semana do Tempo Comum (Ciclo bienal: ano ímpar)
Domingo: como no ciclo anual (sexta-feira da XXIV semana);
Segunda-feira: Ez 17,3-15.19-24: Oráculo sobre a ruína e a restauração;
Terça-feira: como no ciclo anual (sábado da XXIV semana);
Quarta-feira: Ez 20,27-44: História da infidelidade de Israel;
Quinta-feira: como no ciclo anual (domingo da XXV semana);
Sexta-feira: Ez 28,1-19: Oráculo contra Tiro, a cidade orgulhosa;
Sábado: como no ciclo anual (segunda-feira da XXV semana).

Ofício das Leituras da XXXIV semana do Tempo Comum (Ciclo bienal: ano ímpar)
Domingo: Solenidade de Cristo Rei (com uma leitura própria do Apocalipse);
Segunda a quarta-feira: como no ciclo anual (terça à quinta-feira da XXV semana);
Quinta-feira: Ez 38,14–39,10: Saberão que Eu sou o Senhor;
Sexta-feira e sábado: como no ciclo anual (sexta-feira e sábado da XXV semana).

Visão dos "ossos secos" de Ez 37
(Gustave Doré - séc. XIX)

Como no ciclo anual, aqui a leitura patrística também é tomada do “Sermão sobre os pastores” de Santo Agostinho nas primeiras duas semanas, enquanto na XXXIV semana faz-se uma leitura semicontínua do Sermão 95 de São Leão Magno, Papa (séc. V), o “Sermão sobre as Bem-aventuranças” (lido entre a XXII e a XXIII semanas no ciclo anual, acompanhando a leitura semicontínua de Jeremias).

Por fim, além das leituras longas no Ofício, temos três leituras breves do nosso profeta nas outras Horas, distribuídas em duas das quatro semanas do Saltério:

- nas Laudes do domingo da II semana: Ez 36,25-27 [9], o célebre texto pascal, sobre o qual já falamos nas postagens anteriores, com a promessa da água viva e do coração novo;

- na Hora Média (15h) da segunda-feira da II semana: Ez 34,31 [10], texto no qual Deus se apresenta como o nosso pastor: “sois as ovelhas de minha pastagem...”;

- nas Laudes do domingo da III semana: Ez 37,12b-14 [11], a promessa de restauração através da “ressurreição dos mortos”, imagem adequada ao domingo, “Páscoa semanal”.

Vale lembrar, porém, que essas leituras são proferidas apenas no Tempo Comum, uma vez que os Tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa possuem leituras próprias.

4. Leitura litúrgica do Livro de Ezequiel: Cântico

Antes de concluir nosso estudo sobre a presença do Livro de Ezequiel nas celebrações litúrgicas é mister contemplar o texto de Ez 36,24-28, entoado como cântico na Liturgia das Horas.

Na recitação ordinária da Liturgia das Horas, os cânticos do Antigo Testamento estão distribuídos nas Laudes das quatro semanas do Saltério. Assim, encontramos o cântico de Ez 36,24-28 nas Laudes do sábado da IV semana [12], sob o título “Deus renovará o seu povo”.

Neste contexto, confira uma Catequese do Papa São João Paulo II sobre o cântico clicando aqui.

Além das Laudes, os cânticos veterotestamentários aparecem nas Vigílias. Estas não fazem parte da recitação ordinária da Liturgia das Horas, podendo ser rezadas de modo facultativo junto ao Ofício das Leituras dos domingos e solenidades [13].

O nosso texto consta, pois, como II cântico das Vigílias na Quaresma e na Semana Santa [14], recordando o tema quaresmal do perdão dos pecados e, de certa forma, prefigurando a leitura da mesma perícope na Vigília Pascal, em chave batismal.

Profeta Ezequiel no Menorah do Knesset - Jerusalém

Notas:
[1] cf. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] ibid., p. 105.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, p. xxx.
[4] ibid., p. xxx.
[5] OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. IV, pp. 216.220.224.228.232.235.239.
[6] ibid., v. IV, pp. 244.248.252.256.259.262.266.
[7] ALDAZÁBAL, José. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas - Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 88.
[8] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[9] OFÍCIO DIVINO, v. III, p. 763; v. IV, p. 717.
[10] ibid., v. III, p. 787; v. IV, p. 741.
[11] ibid., v. III, p. 903; v. IV, p. 857.
[12] ibid., v. I, p. 986; v. II, p. 1394; v. III, p. 1151; v. IV, p. 1105.
[13] cf. ALDAZÁBAL, op. cit., 2010, p. 63.
[14] OFÍCIO DIVINO, v. II, p. 1967. Os outros dois cânticos aqui são Jr 14,17-21 e Lm 5,1-7.15-17.19-21.

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