sábado, 10 de abril de 2021

Homilia: II Domingo de Páscoa - Ano B

São Gregório Magno
Sermão 26 sobre os Evangelhos
O Senhor ama aos seus discípulos, contudo, os envia ao mundo para padecer

A primeira questão que nos propõe a leitura do texto evangélico é esta: como pode ser real o corpo do Senhor depois da Ressurreição, se pôde entrar na casa estando as portas fechadas? Porém, temos de ter presente que as obras de Deus não seriam admiráveis se fossem compreensíveis para a nossa inteligência; e que a fé não tem mérito algum, se a razão humana lhe oferece todas as provas.

Mas estas mesmas obras de nosso Redentor, que em si mesmas são incompreensíveis, devemos considerá-las à luz de outras situações suas, para que as façanhas mais maravilhosas tornem críveis as coisas simplesmente admiráveis. De fato, aquele corpo do Senhor que, fechadas as portas, entrou onde estavam os discípulos, é exatamente o mesmo corpo que, no momento de seu nascimento, saiu aos olhos dos homens do seio selado da Virgem. O que tem, pois, de estranho, que ele, depois de sua Ressurreição, já eternamente triunfante, entrasse através das portas fechadas o que, vindo para morrer, saiu do seio selado da Virgem? Mas como, diante daquele corpo visível, duvidava a fé daqueles que o contemplavam, em seguida mostrou-lhes as mãos e o lado; ofereceu-se para que apalpassem aquela carne que tinha introduzido através das portas fechadas.

De uma forma maravilhosa e inestimável, nosso Redentor, após sua Ressurreição, revelou um corpo ao mesmo tempo incorruptível e palpável, para que, mostrando-o incorruptível convidasse ao prêmio, e apresentando-o palpável assegura-se a fé. Mostrou-se, pois, incorruptível e palpável, para deixar fora de dúvidas que seu corpo, depois da Ressurreição, era da mesma natureza, mas de glória distinta.

E lhes disse: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio. Isto é: como o Pai, que é Deus, enviou a mim, que sou Deus, assim também Eu, que sou homem, vos envio a vós, que sois homens. O Pai enviou ao Filho e determinou que se encarnasse para a redenção do gênero humano. Certamente quis que viesse ao mundo para padecer; entretanto, amou ao Filho a quem mandou para a Paixão. Também aos Apóstolos que Ele escolheu, o Senhor os enviou ao mundo não para gozar, mas - como Ele mesmo foi enviado - para padecer. E assim como o Filho é amado pelo Pai, mas assim mesmo é enviado a padecer, de forma semelhante os discípulos são amados pelo Senhor, mas são enviados ao mundo para padecer. Por isso Ele disse: Como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio; isto é, quando Eu vos envio ao abalo das perseguições, estou vos amando com o mesmo amor com que o Pai me ama, e que, apesar disso, fez-me vir para suportar tormentos.

A palavra “enviar” pode entender-se também de sua natureza divina. Na verdade, diz-se que o Filho é enviado pelo Pai, enquanto que é gerado pelo Pai. Na mesma ordem de coisas, o próprio Filho nos fala de enviar-nos o Espírito Santo que, sendo igual ao Pai e ao Filho, contudo não se encarnou. De fato, Ele diz: Quando vier o Paráclito, que vos enviarei desde o Pai... Se tivéssemos que interpretar a palavra “enviar” unicamente no sentido de “encarnar-se”, de modo algum poderia dizer-se do Espírito Santo que seria “enviado”, visto que nunca se encarnou. Sua missão se identifica com a processão, pela qual procede do Pai (e do Filho). Portanto, assim como se diz do Espírito que será enviado porque procede, assim também se diz corretamente do Filho que é enviado, no sentido de que é gerado.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 343-344. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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