São Cirilo de Alexandria
Comentário sobre o Evangelho de São João
Bem-aventurados
os que creram sem terem visto
Tomé, resistindo
a crer em um primeiro momento, foi pronto na confissão, e em um instante foi
curado de sua incredulidade. De fato, haviam transcorrido somente oito dias, e
Cristo removeu os obstáculos da incredulidade ao mostrar-lhe as cicatrizes dos
cravos e seu lado aberto.
Após ter entrado
milagrosamente através das portas fechadas - milagrosamente, já que todo corpo
terreno e extenso busca uma entrada adequada ao mesmo, e para entrar requer um
espaço em proporção à sua magnitude -, nosso Senhor Jesus Cristo com toda a
espontaneidade descobriu seu lado para Tomé e lhe mostrou as chagas impressas
em sua carne, confirmando, a propósito de Tomé, a fé de todos os crentes.
Somente de Tomé
de diz que afirmou: Se não vejo em suas
mãos o sinal dos cravos, se não meto o dedo no furo dos cravos, e não meto a
mão em seu lado, não crerei. Porém, o pecado da incredulidade era, de certo
modo, comum a todos, e sabemos que o entendimento dos demais discípulos não
esteve livre de dúvidas, apesar de afirmarem a Tomé: Vimos o Senhor.
E como não
acabavam de crer pela alegria, e continuavam atônitos, Cristo lhes disse: Tendes aqui algo para comer? Eles lhe
ofereceram um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles. Vês
como a dúvida da incredulidade não fez unicamente presa em Tomé, mas que este
vírus atacou também o entusiasmo dos demais discípulos?
Portanto, a admiração
tornava os discípulos lentos na fé. Mas, na realidade, para quem observa e vê,
não existe desculpa alguma de incredulidade; por isso Tomé fez uma correta
confissão quando disse: Meu Senhor e meu
Deus!
Jesus lhe disse:
Tomé, creste porque me viste?
Bem-aventurados os que creram sem terem visto. Esta expressão do Salvador
está cheia de uma singular providência e pode ser-nos de grande utilidade.
Realmente, também nesta ocasião Cristo visava o bem de nossas almas, porque Ele
é bom e quer que todos os homens se
salvem e cheguem ao conhecimento da verdade, conforme está escrito. Tudo
isso é digno de admiração.
Portanto, era
mister tolerar com paciência as reservas de Tomé e aos outros discípulos que
acreditavam que Ele era um espírito ou um fantasma, e, para oferecer ao mundo
inteiro a credibilidade da fé, mostrar os sinais dos cravos e a chaga do lado,
e também se alimentar fora do que estava acostumado e sem necessidade nenhuma,
a fim de eliminar completamente todo motivo de incredulidade naqueles que buscavam
provas para sua própria utilidade.
Mas aquele que
aceita o que não vê e crê ser verdade o que o doutor lhe comunica, este
demonstra uma adesão fervorosa ao pregador. Por isso se declara bem-aventurado
a todo aquele que assente com a fé mediante a pregação dos Apóstolos que, ao
dizer de Lucas, foram testemunhas oculares das obras e ministros da palavra. A
eles nós devemos obedecer, isto se realmente aspiramos à vida eterna e
estimamos o que realmente vale habitar nas moradas eternas.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 346-347. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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