“Porque Tu, Senhor
Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada
eternamente” (2Sm 7,29)
Em nossa série sobre a leitura litúrgica da Sagrada Escritura, iniciamos na postagem anterior o estudo dos Livros
de Samuel (que na Bíblia hebraica são um só, razão pela qual os
contemplamos juntos). Após uma breve introdução, consideramos sua leitura nas
celebrações do Rito Romano a partir do critério da composição harmônica. Passemos
agora a analisar o critério da leitura semicontínua.
3. Leitura litúrgica
dos Livros de Samuel: Leitura
semicontínua
A leitura semicontínua, mencionada no n. 66 do Elenco das Leituras da Missa [1],
consiste na leitura dos principais textos de um livro na sequência, de modo a
oferecer aos fiéis um contato mais amplo com a Palavra de Deus.
a) Celebração
Eucarística
Na Celebração
Eucarística, a leitura semicontínua dos Livros
de Samuel situa-se entre a I e a IV
semanas do Tempo Comum do ano par. Com efeito, nos dias de semana do Tempo
Comum leem-se alternadamente livros tanto do Antigo quanto do Novo Testamento,
várias semanas cada um (segundo sua extensão), oferecendo uma visão de conjunto
dos principais acontecimentos da história da salvação [2].
As perícopes escolhidas dos nossos livros são:
I semana do Tempo
Comum (ano par):
Segunda-feira: 1Sm
1,1-8;
Terça-feira: 1Sm
1,9-20;
Quarta-feira: 1Sm
3,1-10.19-20;
Quinta-feira: 1Sm
4,1-11;
Sexta-feira: 1Sm
8,4-7.10-22a;
Sábado: 1Sm
9,1-4.17-19; 10,1a [3].
II semana do Tempo
Comum (ano par):
Segunda-feira: 1Sm
15,16-23;
Terça-feira: 1Sm
16,1-13;
Quarta-feira: 1Sm
17,32-33.37.40-51;
Quinta-feira: 1Sm
18,6-9; 19,1-7;
Sexta-feira: 1Sm
24,3-21;
Sábado: 2Sm
1,1-4.11-12.19.23-27 [4].
III semana do Tempo
Comum (ano par):
Segunda-feira: 2Sm
5,1-7.10;
Terça-feira: 2Sm
6,12b-15.17-19;
Quarta-feira: 2Sm
7,4-17;
Quinta-feira: 2Sm
7,18-19.24-29;
Sexta-feira: 2Sm
11,1-4a.5-10a.13-17;
Sábado: 2Sm
12,1-7a.10-17 [5].
IV semana do Tempo
Comum (ano par):
Segunda-feira: 2Sm
15,13-14.30; 16,5-13a;
Terça-feira: 2Sm
18,9-10.14b.24-25a.30–19,3;
Quarta-feira: 2Sm
24,2.9-17 [6].
A partir da quinta-feira da IV semana a leitura prossegue
com os Livros dos Reis, os quais
concluem a literatura deuteronomista, como veremos nas próximas postagens.
b) Liturgia das Horas
Também a Liturgia das
Horas segue a mesma lógica, com as leituras longas de textos do Antigo e do
Novo Testamento no Ofício das Leituras. Aqui os Livros de Samuel nos acompanham da XII até a XIV semanas do Tempo Comum.
A leitura de Samuel
na Liturgia das Horas, como vimos em sua postagem própria, sucede o Livro dos Juízes (lido durante a XI
semana), prosseguindo assim a história deuteronomista.
Cabe ressaltar que essa leitura demonstra a unidade entre os
dois Livros de Samuel, como veremos
na segunda-feira da XIII semana, quando se lê em um texto contínuo tanto o
final de 1Sm como o início de 2Sm.
A história aqui se centra na figura de Davi, iniciando
diretamente com a sua unção como rei em 1Sm 16:
Ofício das Leituras
da XII semana do Tempo Comum:
Domingo: 1Sm
16,1-13 - “Davi é ungido rei”;
Segunda-feira: 1Sm
17,1-10.32.38-51 - “Davi trava combate
com Golias”;
Terça-feira: 1Sm
17,57–18,9.20-30 - “Inveja de Saul contra
Davi”;
Quarta-feira: 1Sm
19,8-10; 20,1-17 - “Amizade entre Davi e
Jônatas”;
Quinta-feira: 1Sm
21,2-10; 22,1-5 - “Fuga de Davi”;
Sexta-feira: 1Sm
25,14-24.28-39 - “Davi e Abigail”;
Sábado: 1Sm
26,5-25 - “Davi mostra-se magnânimo para
com Saul” [7].
Ofício das Leituras da
XIII semana do Tempo Comum:
Domingo: 1Sm
28,3-25 - “Saul consulta a necromante de
Endor”;
Segunda-feira: 1Sm
31,1-4; 2Sm 1,1-16 - “A morte de Saul”;
Terça-feira: 2Sm
2,1-11; 3,1-5 - “Davi é ungido rei de
Judá em Hebron”;
Quarta-feira: 2Sm
4,2–5,7 - “Davi reina sobre Israel.
Conquista de Jerusalém”;
Quinta-feira: 2Sm
6,1-23 - “A arca é levada a Jerusalém”;
Sexta-feira: 2Sm
7,1-25 - “Profecia messiânica de Natã”;
Sábado: 2Sm
11,1-17.26-27 - “O pecado de Davi” [8].
Ofício das Leituras da
XIV semana do Tempo Comum:
Domingo: 2Sm
12,1-25 - “Arrependimento de Davi”;
Segunda-feira: 2Sm
15,7-14.24-30; 16,5-13 - “Revolta de
Absalão e fuga de Davi”;
Terça-feira: 2Sm
18,6-17.24–19,5 - “Morte de Absalão e
luto de Davi”;
Quarta-feira: 2Sm
24,1-4.10-18.24b-25 - “Recenseamento do
povo e construção de um altar” [9].
Após um interlúdio do Livro
das Crônicas - “Davi prepara a
construção do templo” (1Cr 22,5-19) -, na sexta-feira começa a leitura
semicontínua dos Livros dos Reis, os
quais concluem a literatura deuteronomista.
No ciclo bienal do Ofício das Leituras, que não foi
traduzido para o Brasil, nossos livros são proclamados por cerca de cinco
semanas, da XII até a XVI semanas do
Tempo Comum no ano ímpar, igualmente entre Jz e 1Rs.
Diferentemente do ciclo anual, centrado na história de Davi,
aqui leem-se também textos da história do profeta Samuel e do rei Saul. Indicamos
a seguir em negrito os dias com leituras “inéditas” de Samuel [10]:
XII semana do Tempo
Comum (ano ímpar)
Terça: 1Sm 1,1-19 - “Oração
de Ana”;
Quarta: 1Sm 1,20-28; 2,11-21 - “Nascimento e consagração de Samuel”;
Quinta: 1Sm 2,22-36 - “Condenação
da família de Eli”;
Sexta: 1Sm 3,1-21 - “Vocação
de Samuel”;
Sábado: 1Sm 4,1-18 - “Captura
da arca e morte de Eli”.
XIII semana do Tempo
Comum (ano ímpar)
Domingo: 1Sm 5,1.6–6,5a.10-12.19–7,1 - “A arca é devolvida a Israel”;
Segunda: 1Sm 7,15–8,22 - “Israel
quer um rei”;
Terça: 1Sm 9,1-6.14–10,1 - “Saul,
eleito rei, é ungido por Samuel”;
Quarta: 1Sm 11,1-15 - “Saul
vence os amonitas e é aclamado rei pelo povo”;
Quinta: 1Sm 12,1-25 - “Advertências
de Samuel ao povo”;
Sexta: 1Sm 15,1-23 - “O
Senhor rejeita Saul por sua desobediência”;
Sábado: como no domingo da XII semana no ciclo anual.
XIV semana do Tempo
Comum (ano ímpar)
Como no ciclo anual,
da segunda-feira da XII semana ao domingo da XIII semana.
XV semana do Tempo
Comum (ano ímpar)
Como no ciclo anual,
da segunda-feira da XIII semana ao domingo da XIV semana.
XVI semana do Tempo
Comum (ano ímpar)
Domingo a terça-feira: como no ciclo anual, de segunda a quarta-feira da XIV semana.
Além das leituras longas do Ofício, temos de considerar
também as leituras breves distribuídas nas outras horas. Aqui encontramos duas
perícopes de 1Sm ao longo das quatro
semanas do Saltério:
- na Hora Média (15h)
da quarta-feira da II semana: 1Sm 16,7b [11], um texto sapiencial no qual
Deus mesmo toma a palavra para exortar-nos a não julgar pelas aparências, pois
Ele vê o coração;
- na Hora Média (9h)
do sábado da III semana: 1Sm 15,22 [12], uma crítica de Samuel à separação
entre o culto e a vida (tema retomado pelos profetas Amós e Oseias e pelo próprio
Jesus no Evangelho): mais do que sacrifícios, o que agrada a Deus é a
obediência à sua Palavra.
4. Leitura litúrgica
dos Livros de Samuel: Cântico (1Sm 2,1-10)
Não poderíamos concluir nosso estudo sobre a presença dos Livros de Samuel nas celebrações litúrgicas
sem contemplar o cântico de Ana (1Sm 2,1-10), entoado tanto na Celebração
Eucarística quanto na Liturgia das Horas.
Este cântico possui muitos paralelos com o Magnificat, o cântico da Virgem Maria no
Novo Testamento (Lc 1,46-55): ambos são a ação de graças da mãe a Deus pelo dom
do seu filho. Antonio González Lamadrid (um dos autores que usamos na postagem
anterior para a breve introdução aos livros) faz notar também as antíteses que
se repetem nos dois cânticos: “fortes-fracos, fartos-famintos, mulher
estéril-mãe de muitos filhos, morte-vida, empobrece-enriquece, humilha-exalta”
[13].
a) Liturgia das Horas
Comecemos pela Liturgia
das Horas, na qual os cânticos do Antigo Testamento estão distribuídos nas
Laudes das quatro semanas do Saltério. Assim, nosso cântico aparece nas Laudes da quarta-feira da II semana do
Saltério [14], intitulado “Os
humildes se alegram em Deus” e com uma epígrafe justamente do Magnificat (Lc 1,52-53).
Para ler uma Catequese do Papa João Paulo II sobre esse cântico no contexto da Liturgia das Horas, clique aqui.
Além das Laudes, os cânticos veterotestamentários aparecem
nas Vigílias. Estas não fazem parte da recitação ordinária da LH, podendo ser
rezadas de modo facultativo junto ao Ofício das Leituras dos domingos e
solenidades.
O nosso cântico consta, pois, na Vigília da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, dividido em duas
partes: os vv. 1-5 como II cântico - “Os humildes se alegram em Deus”
- e
os vv. 6-10 como III cântico - “Deus exalta os pobres” [15]. Sua escolha aqui se dá não apenas pela
referência ao coração no v. 1 - “Exulta no Senhor meu coração” -, mas também pela
ação de Deus em favor dos pobres e fracos, que faz um excelente paralelo com Mt
11,25-30, um dos Evangelhos desta Solenidade.
b) Celebração
Eucarística
Passando à Celebração
Eucarística, encontramos uma versão ligeiramente mais breve do nosso
cântico - 1Sm 2,1.4-8 -, que aparece em três celebrações:
- no dia 22 de dezembro
[16]: como vimos na postagem anterior, neste dia a leitura de 1Sm 1,24-28
precede o cântico de Ana, entoado como salmo, fazendo um paralelo com o
Evangelho do Magnificat;
- na terça-feira da I
semana do Tempo Comum do ano par [17], também aqui acompanhando a leitura
de 1Sm, como vimos acima (1Sm
1,9-20);
- na Memória do
Imaculado Coração de Maria [18], celebrada no sábado da semana seguinte à
Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, servindo aqui mais uma vez como
paralelo ao Magnificat.
O nosso cântico aparece ainda dentre os formulários ad libitum das celebrações ligadas à
Virgem Maria: no Comum de Nossa Senhora
[19] e no Apêndice do Lecionário para
Missas de Nossa Senhora [20].
Encerramos assim nosso percurso pelas leituras dos Livros de Samuel nas celebrações
litúrgicas do Rito Romano. Como afirmamos acima, na sequência analisaremos os Livros dos Reis, completando assim o
bloco da literatura deuteronomista que iniciamos com as análises dos Livros do Deuteronômio, de Josué e dos Juízes.
[A primeira postagem sobre os Livros dos Reis será publicada na próxima terça-feira, 04 de maio]
Notas:
[1] ALDAZÁBAL, José. A
Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário. São
Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] cf. ibid., pp.
105-106.
[3] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da
2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, pp. x.
[4] ibid., pp. x.
[5] ibid., pp. x.
[6] ibid., pp. x.
[7] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução
para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III,
pp. 344.348.352.356.360.363.368.
[8] ibid., pp.
373.378.382.386.390.394.398.
[9] ibid., pp.
402.408.412.417.
[10] Os títulos das leituras foram traduzidos livremente do
texto espanhol divulgado pelo site Dei Verbum.
[11] OFÍCIO DIVINO, v. III, p. 829; v. IV, p. 783.
[12] ibid., v. III, p. 1025; v. IV, p. 979.
[13] LAMADRID, Antonio González. Os Livros de Samuel: Dos juízes à monarquia. in: LAMADRID, Antonio González et
al. História, narrativa, apocalíptica.
São Paulo: Ave-Maria, 2004, p. 138 (Coleção: Introdução ao estudo da Bíblia, v. 3b).
[14] OFÍCIO DIVINO, v. I, p. 755; v. II, p. 1139; v. III, p.
821; v. IV, p. 775.
[15] ibid., v.
III, p. 1807. O I cântico proposto para esta Vigília é Is 12,1-6.
[16] LECIONÁRIO II, p. x.
[17] ibid., p. x.
[18] LECIONÁRIO III: Para as Missas dos Santos, dos Comuns, para
Diversas Necessidades e Votivas. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o
Brasil. São Paulo: Paulus, 1997, p. x.
[19] ibid., p. x.
[20] LECIONÁRIO para
Missas de Nossa Senhora. Brasília: Edições CNBB, 2016, p. 201.
Nenhum comentário:
Postar um comentário