No último mês de março publicamos em nosso blog três
postagens sobre os hinos da Liturgia das Horas para a Solenidade de São José,
Esposo da Bem-aventurada Virgem Maria:
Te, Ioseph, célebrent
(Celebre a José a corte celeste), para as I e II Vésperas;
Iste, quem laeti cólimus (Hoje um grande triunfo cantamos), para o Ofício das Leituras;
e Caelitum, Ioseph, decus (São José, do céu a glória), para as Laudes.
Nesta postagem e na próxima gostaríamos de dar continuidade
a esta proposta, apresentando os hinos da Memória facultativa de São José
Operário, no dia 01 de maio.
Esta Memória que, como vimos em nossa postagem sobre a história do culto a São José, foi instituída pelo Papa Pio XII em 1955, possui
dois hinos próprios para a Liturgia das Horas, além de retomar uma das
composições do dia 19 de março:
Te, pater Ioseph,
ópifex (Nossas vozes te celebram) para o Ofício das Leituras;
Auróra solis núntia
(Anuncia a aurora o dia) para as Laudes;
e Te, Ioseph, célebrent (Celebre a José a corte celeste), para as Vésperas.
Vale ressaltar que esta é uma memória “sui generis” ao possuir tantos textos próprios, uma vez que geralmente
nas memórias dos santos tomam-se os hinos do tempo litúrgico ou do respectivo
Comum (dos Mártires, dos Pastores, das Virgens...).
A seguir apresentaremos o primeiro dos hinos em seu texto
original (em latim) e em sua atual tradução oficial para o Brasil, com alguns
comentários.
Ofício das Leituras: Te, pater
Ioseph, ópifex
Te, pater Ioseph, ópifex colénde,
Názarae felix látitans in umbra,
vócibus laetis humilíque cuncti
corde canámus.
Régiam stirpem tenuémque victum
mente fers aequa tacitúsque portas,
sacra dum multo mánuum labóre
pígnora nutris.
O faber, sanctum spéculum fabrórum,
quanta das plebi documénta vitae,
ut labor sudans ut et officína
sanctificétur.
Qui carent escis, míseros fovéto;
témpera effrénos perimásque lites;
mýsticus Christus pátriae sub umbrae
tégmine crescat.
Qui Deus trinus simul unus exstas,
qui pater cunctis opiféxque rerum,
fac patrem Ioseph imitémur actu,
morte imitémur. Amen [1].
Ofício das Leituras: Nossas
vozes te celebram
Nossas vozes te celebram,
operário São José,
que a oficina consagraste,
trabalhando em Nazaré.
Tão humilde tu vivias,
tendo em ti sangue de rei!
Em silêncio um Deus nutrias,
ao cumprires sua lei.
O teu lar era um modelo
de trabalho e de oração;
com o suor de tua face
conquistavas o teu pão.
Elimina os egoísmos,
dá aos pobres de comer;
possa a Igreja, Cristo místico,
sob a tua mão crescer.
No Deus trino, autor do mundo,
proclamemos nossa fé,
imitando a vida e a morte
do operário São José [2].
Comentário:
Começamos pelo hino do Ofício das Leituras, hora
anteriormente conhecida como Matinas, e que costumava ser recitada de madrugada,
sobretudo nos mosteiros. Atualmente, porém, pode ser rezado em qualquer momento
do dia.
A composição que abre o Ofício de São José Operário, Te, pater Ioseph, ópifex, segue, em suas
cinco estrofes, a estrutura comum não apenas aos hinos da Liturgia das Horas,
mas aos hinos em geral:
- uma introdução, na forma de um convite ao louvor;
- o corpo do hino, geralmente com os motivos do louvor;
- e uma conclusão ou doxologia (que na Liturgia das Horas é
dirigida à Trindade).
a) Primeira estrofe:
A primeira estrofe serve de introdução ou convite ao louvor.
O “destinatário” do louvor é São José, referido na 2ª pessoa do singular, como
indicam os dois primeiros versos do texto original: “Te, pater Ioseph, ópifex colénde, Názarae felix látitans in umbra”,
isto é, “A ti, pai José, operário venerando, feliz, escondido na sombra de
Nazaré”.
O “remetente” do louvor, por sua
vez, é referido na 1ª pessoa do plural: “nós”, como indicam os dois versos
seguintes: “vócibus laetis humilíque
cuncti corde canámus”, “com vozes alegres e corações humildes nós [te]
cantamos”.
A tradução brasileira infelizmente omite quase todos os
adjetivos do original latino. Estas adaptações, porém, buscam adequar o texto à
nossa língua e à possibilidade de o mesmo ser cantado. Recordamos, neste
sentido, a presença das tradicionais rimas alternadas nos versos pares,
ausentes no original, que dão mais “musicalidade” ao hino.
São José ajudado por Jesus no trabalho (Gerard van Honthorst) |
b) Segunda estrofe:
Os motivos do louvor, desenvolvidos nas três estrofes centrais, já presentes in gérmen na introdução, são duas virtudes de José: sua laboriosidade (2ª estrofe) e humildade (3ª estrofe).
A segunda estrofe utiliza um recurso comum ao gênero hínico:
a antítese. Aqui se contrapõem a origem de José, pertencente à linhagem real de
Davi, e sua forma de vida sóbria:
“Régiam stirpem
tenuémque victum mente fers aequa tacitúsque portas, sacra dum multo mánuum labóre pígnora nutris”, o que - em uma
tradução livre - quer dizer: “Conservas o ânimo sereno e suportas em silêncio,
apesar de possuíres estirpe régia, nutrindo pelo trabalho de tuas mãos teus
sagrados penhores”. Os sagrados penhores (ou presentes) são aqui, naturalmente,
o Menino Jesus e a Virgem Maria.
A tradução oficial brasileira conserva a ideia geral desses
versos, embora possua um grave problema, que explanaremos a seguir: “Tão
humilde tu vivias, tendo em ti sangue de rei! Em silêncio um Deus nutrias, ao
cumprires sua lei”.
O problema está na expressão “um Deus”, que abre margem à
possibilidade da existência de “outros deuses”. Vale reforçar que a crença em
um único Deus é o primeiro artigo da nossa profissão de fé: “Credo in unum Deum...”, “Creio em um só
Deus...” (Símbolo Niceno-Constantinopolitano).
Seria importante rever a tradução desse verso, a fim de
evitar erros e interpretações equivocadas. Lembremos o célebre adágio: “lex orandi, lex credendi”, “a lei da
oração é a lei da fé”. Ou seja, aquilo que celebramos na Liturgia deve ser
conforme ao que cremos.
Sobre a expressão “sacra
pígnora”, em espanhol, por exemplo, esta é traduzida literalmente - “Sostienes a tus dos Prendas sagradas”,
enquanto em inglês é adaptada por “tua família” - “you nourished your family” [3].
c) Terceira estrofe:
Enquanto a segunda estrofe louva a humildade de José, a
terceira canta sua laboriosidade, isto é, a virtude do empenho no trabalho.
O texto original é particularmente poético em seus louvores
ao operário José: “O faber, sanctum
spéculum fabrórum, quanta das plebi
documénta vitae” - “Ó operário, modelo santo dos trabalhadores, quantos
exemplos de vida ofereces ao povo”.
Recordamos que o termo “faber”
é o mesmo usado na Vulgata (tradução da Bíblia para o latim feita por São
Jerônimo) para traduzir o grego τέκτων (tékton), relacionado à palavra τέχνη
(tékhne, arte ou ofício manual, donde vem “técnica”), que pode referir-se a
qualquer pessoa que trabalha com as mãos. São José poderia ser, portanto, tanto
um carpinteiro como um pedreiro.
Os dois versos seguintes, por sua vez, atestam que o exemplo
de laboriosidade de José não é um fim em si mesmo, mas tem como fruto a
santidade: “ut labor sudans ut et
officína sanctificétur”, “para que o suor do trabalho e a oficina sejam
santificados”. Oficina aqui entendida como o ambiente de trabalho.
d) Quarta estrofe:
Após serem apresentados os motivos do louvor, a quarta
estrofe acrescenta uma súplica a São José: depois de cantar sua humildade e seu
trabalho, pede-se a ele que interceda por nós.
Tratam-se, com efeito, de três pedidos:
- “Qui carent escis,
míseros fovéto”, “Nutre os míseros, que têm fome” ou “dá aos pobres de
comer”, na tradução oficial;
- “Témpera effrénos
perimásque lites”, “Modera os violentos e dissipa as discórdias” ou, como
simplifica a tradução oficial: “Elimina os egoísmos”;
- “Mýsticus Christus
pátriae sub umbrae tégmine crescat”, “Que o místico Cristo cresça sob a tua
sombra paterna”. O “místico Cristo” é o “Corpo místico de Cristo”, isto é, a
Igreja, como esclarece o texto oficial: “Possa a Igreja, Cristo místico, sob a
tua mão crescer”.
e) Quinta estrofe:
Por fim, como afirmamos anteriormente, a última estrofe dos
hinos da Liturgia das Horas é uma doxologia (ou seja, uma breve fórmula de
louvor) à Santíssima Trindade.
Em nosso hino não poderia ser diferente, embora sua
derradeira estrofe comporte uma súplica, expressa não diretamente, de maneira
imperativa, mas sim indiretamente, como um desejo, utilizando o modo
subjuntivo.
Os primeiros dois versos do texto latino compõem a invocação
à Trindade: “Qui Deus trinus simul unus
exstas, qui pater cunctis opiféxque rerum...” - “Que o Deus trino e ao
mesmo tempo uno, que é pai de todos e artífice das coisas...”.
Vale notar que o hino usa o mesmo adjetivo que fora aplicado
no primeiro verso a São José agora para descrever a Deus: “ópifex”, operário ou artífice. Enquanto José é o “ópifex colénde”, operário venerando, o
Deus Tri-Uno é o “ópifex rerum”,
Artífice de todas as coisas (“autor do mundo” na tradução oficial para o
Brasil).
Por fim, os últimos dois versos exprimem o desejo final do
hino: “fac patrem Ioseph imitémur actu,
morte imitémur. Amen” - “[Que o Deus trino...] faça com que, imitando o pai
José em seus atos, o imitemos em sua morte. Amém”.
Notas:
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. II, pp. 1557-1558.
[3] Texto em espanhol: Liturgia Católica, divino tesoro - San José Obrero: himnos litúrgicos.
Texto em inglês: Latin hymns: S. Ioseph Opificis.
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