Homilia no I Domingo do
Advento - Ordenações Diaconais
Entramos
em Advento, vivamos definitivamente
1. Entramos em Advento, vivamos
definitivamente. Assim mesmo e para que nada se feche e definhe,
como se ficasse em si próprio. Pedimos há pouco na oração coleta: «Despertai,
Senhor, nos vossos fiéis a vontade firme de se prepararem, pela prática das
boas obras, para ir ao encontro de Cristo».
Como sabemos, «o Tempo do Advento tem dupla
caraterística: é tempo de preparação para a solenidade do Natal, em que se
comemora a primeira vinda do Filho de Deus aos homens; simultaneamente é tempo
em que, comemorando esta primeira vinda, o nosso espírito se dirige para a
expetativa da segunda vinda de Cristo no fim dos tempos. Por estes dois
motivos, o Advento apresenta-se-nos com um tempo de piedosa e alegre
expetativa» (EDREL, 669). Quando dizemos que vem, despertamos a
atenção à sua presença ressuscitada, que se alarga a todo o mundo e se pode
entrever em tantos sinais, tendo nós olhos que realmente vejam.
Sim, Advento é mais do que preparar e lembrar a
primeira vinda de Cristo, que celebraremos depois, no Tempo do Natal. É – para
já e urgentemente - apressarmos em nós e à nossa volta o encontro definitivo
com o Senhor que vem.
Não nos admire esta linguagem, que é primeiríssima
no cristianismo. Assim na Carta de Tiago: «Aproximai-vos de Deus e Ele
aproximar-se-á de vós» (Tg 4,8).
Assim na 2ª de Pedro: «como deve ser santa a vossa vida e a vossa piedade,
enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus» (2Pd 3,11-12). Sim, irmãos,
o cristão não teme o fim do mundo, porque sabe que esse fim acabará unicamente
com o que em nós e à nossa volta não seja Cristo. Cristo, na imensidade do seu
ser, onde toda a terra e todo o céu definitivamente se incluem, onde todo o bem
finalmente acontece.
O cristão almeja este encontro, nunca o perde de
vista, não o troca por nada, nem adia por motivo algum. Como na última frase do
Apocalipse, como na resposta a cada consagração eucarística, a vida do cristão
resume-se e realiza-se neste indispensável clamor: “Vinde, Senhor Jesus!”. E
sabe também que o clamor é prático, no encontro com os outros, em quem o mesmo
Cristo se apresenta, como quem pede e requer atenção, correspondência e
serviço. Porque assim se começa a viver a única realidade definitiva, a
caridade que nunca acabará (cf. 1Cor 13,8).
2. As Leituras que ouvimos vieram
neste sentido. Isaías, o profeta mais repleto de Advento no antigo Povo
de Deus, entrevia-o como um encontro universal, assim descrito: «Sucederá, nos
dias que hão de vir, que o monte do templo do Senhor se há de erguer no cimo
das montanhas e se elevará no alto das colinas. Ali afluirão todas as nações». Reunidas
em torno de Deus, igualmente se encontrariam entre si: «Converterão as espadas
em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra
nação, nem mais se hão de preparar para a guerra». Concluindo com um convite ao
seu próprio povo: «Vinde, ó casa de Jacó, caminhemos à luz do Senhor».
Nas atuais circunstâncias, não devemos desejar
outra coisa: reunião em torno do único e universal Criador de todos; mudança
consequente das armas de guerra em instrumentos de paz; caminho decidido a esta
luz. Começar a fazê-lo onde estamos, das famílias às comunidades, entre
vizinhos e colegas de escola ou trabalho, entre concidadãos e quem entretanto
chegar, é o melhor Advento que podemos ter e, desde já, concretizar. Ativemos o
Advento que nos realizará finalmente.
Assim o cantamos no Salmo. E depois ouvimos São
Paulo, que já conhecia a ressurreição de Cristo e nela entrevia a do mundo
inteiro: «A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das
trevas e revistamo-nos das armas da luz».
Esta é a luz em que queremos ver. Mais do que que a
sucessão dos dias e das noites, na rotina que os dilúvios interrompem, vale a
alvorada da Páscoa de Cristo, que há dois mil anos nos aclarou a vida, na
iluminação batismal que temos e no esplendor definitivo que trouxe. Apesar de
tudo o que o encobre, até em nós próprios, sabemos bem que o primeiro Advento
culminou em Páscoa, qual destino da criação inteira – no momento que só Deus
conhece, mas que nós divisamos e apressamos em cada caridade que aconteça.
3. Viver como Jesus nos ensinou a
viver, é o que importa agora. Ele é realmente a vida do mundo, a
nova criação em expansão pascal. O Advento autêntico fará de nós sinais da vida
ultimada, que assim o será com Cristo em Deus. Antes de mais na caridade,
vivendo com os outros o Advento do Senhor que nos diz: «Sempre que fizerdes
isto [o bem] a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes»
(cf. Mt 25,40). Também no matrimônio
dos que “se casam no Senhor” (cf. 1Cor 7,39),
compartilhando do seu amor uno, indissolúvel e fecundo e encontrando-O assim
mesmo, na entrega recíproca do casal e da família. Igualmente nos carismas da
virgindade e do celibato - como acontecerá convosco, caros ordinandos -,
anunciando de coração inteiro aquele horizonte final em que todos serão como
anjos no Céu» (cf. Mt 22,30).
Sinais de Advento, vivido e testemunhado.
Como aconteceu com Cristo, nada se desvaloriza do
que no tempo acontece e que Ele viveu também até aos trinta anos, em Nazaré da
Galileia. Mas depois inaugurou em si próprio o tempo definitivo, não
constituindo uma família mais, para ser familiar de todos. Tudo referindo
absolutamente a Deus Pai e convertendo o crescimento humano em filiação divina,
o trabalho em caridade e os laços habituais em família de Deus. Abriu-nos o
último horizonte, em que as coisas boas se tornarão excelentes.
Foi assim que na terra começou há dois mil anos o
Advento do Reino dos Céus. O Reino em que caberemos todos, na quantidade
inteira do que somos e na qualidade infinda que só Deus permite. O Reino que a
Igreja há de assinalar, como sua única razão de ser, para não cair na insignificância.
Perder qualquer uma destas dimensões, deixando de
assinalar a última, seria truncar o Evangelho de Cristo e diluí-lo no que já
existe e depois não basta. Creio mesmo que deixaria de ser propriamente
cristão, pois em Cristo tudo assinala o fim que há de chegar, modo de dizer a
finalidade certa das vidas de todos e de cada um. Na verdade, «só Deus basta»
(Santa Teresa de Jesus) e «o mundo sufoca porque não adora» (São Pedro Julião
Eymard). Pediremos ao Pai, na oração final desta Missa, que, durante a nossa
vida da terra, nos ensine a amar os bens do Céu e a viver para os bens eternos.
Agradecemos a Deus o vosso carisma celibatário e a
vossa vocação ministerial, caríssimos ordinandos, com oportunidade acrescida.
Tomai um e outra como Advento de Cristo, que para vós aconteça e por vós se
manifeste. Vivei em ação de graças, ensaiando já o que eternamente sereis - e
definitivamente nós todos.
Santa Maria de Belém, 01 de dezembro de 2019.
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Manuel, Cardeal-Patriarca
Fonte: Patriarcado de Lisboa
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