Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, um horizonte de esperança
Que pode e deve significar para todos nós a celebração da
Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria? O que aconteceu com ela e o que há
de continuar conosco?
É bom perguntá-lo, como quem interrompe a marcha das coisas
e lhes procura o significado. Para não corrermos o risco de viver por viver, ou
de seguir tudo pela rama e só porque costuma ser assim.
Fundamentalmente, nós cremos e proclamamos que a Imaculada
Conceição da Virgem Santa Maria, ou seja, o fato de ter sido concebida sem
pecado original, foi preparação e fruto antecipado de algo de absolutamente
único e definitivo. Para que dela viesse a nascer Jesus Cristo, redentor de
todos e previamente seu. Como escreveu um autor antigo: «Foi concebido no seio
de uma Virgem, já santificada pelo Espírito no corpo e na alma, para honrar a
maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade» (São Gregório
de Nazianzo, Ofício das Leituras, terça-feira da I semana do Advento).
Assim ela foi sempre, desde a sua concepção, a “cheia de
graça”, totalmente de Deus e imediatamente para Deus. Não só como apelativo,
mas como nome próprio, respondendo consciente e livremente à graça com que Deus
a libertara de toda a carga negativa com que a humanidade se destruíra, por se
desligar de Deus. Na Imaculada Conceição de Maria começa a despontar o Sol do
mundo novo, Jesus Cristo, em cuja luz todas as coisas ressurgem e resplandecem.
Para entendermos corretamente o significado de cada
celebração litúrgica, convém reparar na respetiva oração coleta. Também hoje,
como há pouco a ouvimos, antes das leituras. Das leituras que, do Gênesis ao
Evangelho, nos trouxeram o absoluto contraste entre a desobediência original -
que continua a ser em cada um de nós a desobediência a Deus - e a obediência
total de Maria, condição necessária para que o mesmo Deus nos chegasse numa
humanidade intacta, em que o seu Verbo plenamente se dissesse.
Repito a oração coleta: «Senhor nosso Deus, que, pela
Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, preparastes para o vosso Filho uma
digna morada e, em atenção aos méritos futuros da morte de Cristo, a
preservastes de toda a mancha, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de
chegarmos purificados junto de Vós».
Diz-se, primeiro, que a Imaculada Conceição da Virgem Santa
Maria é inteiramente obra de Deus, que assim preparou a morada perfeita da sua
vinda ao mundo. É um acontecimento radical e único, o princípio da nova
criação. Ao modo de Deus, que nos criou e recriou com imensa discrição, como é
próprio das coisas absolutamente verdadeiras.
Diz-se, a seguir, que Maria foi preservada de toda a mancha -
é o que significa “imaculada” - em atenção aos méritos futuros da morte de
Cristo. Esta frase centra-nos na Cruz. Na Cruz, onde Cristo em si mesmo nos
devolveu ao Pai, ultrapassando tudo o que nos separa de Deus e uns dos outros.
Aí culminou o “caminho estreito” que nos leva finalmente ao Pai - e que Maria
foi a primeira a percorrer com o seu Filho. Assim esteve “ao pé da Cruz”, onde Ele
nos alcançou e mereceu uma meta a que nunca chegaríamos só por nós.
Pedimos ainda que, por intercessão da Vigem Maria, cheguemos
purificados junto de Deus. Além de louvar a Deus porque assim foi com Maria,
nós estamos aqui para que igualmente o seja conosco. Refiro-me à purificação
que a graça divina opera, como fogo que elimina toda a escória, para ficar
apenas o metal precioso. Em nós, por intercessão da Imaculada, há de acontecer
também, para em Cristo chegarmos ao Pai. Aí tudo será finalmente graça. Graça
batismal em plena frutificação.
É bom, verdadeiro e belo, meditarmos na Imaculada Conceição
da Virgem Santa Maria. Ao longo dos séculos cristãos, o seu fulgor tem
inspirado escritores e cultores das várias artes, com as inesgotáveis sugestões
que lhes oferece. Nem podia ser doutro modo, pois tudo nela aconteceu em função
de Cristo, bondade, verdade e beleza absolutas.
Mas deixai-me insistir em que, sendo bom e belo meditar na
Imaculada Conceição, celebrando-a tão solenemente como aqui fazemos hoje, é necessário
que o final da oração coleta se realize sempre mais em cada um, ou seja, «a
graça de chegarmos purificados junto de Deus». Haverá muito a purificar ainda,
para cumprirmos aquela ordem que Maria nos deu em Caná, fazendo o que Cristo
nos disser, sem adiamento ou distração. Quando fizermos tudo e sempre o que
Cristo nos disser, celebraremos com maior correspondência e gratidão a
Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Porque a graça que a criou imaculada
tem a mesma Fonte divina que nos recriará a nós, se realmente o consentirmos.
Não desistamos de prosseguir, com este horizonte de
esperança, onde nunca se porá o Sol de Cristo. Horizonte de esperança,
deixai-me insistir, como muito precisamos de antevê-lo. Sobretudo quando tanta
guerra nos adia a paz, tanto mal contradiz o bem e tanta escuridão quase
extingue a luz. Posso dizê-lo em geral, pela repetição de fatos negativos que
nos toldam espessamente o horizonte, nesta “guerra mundial em pedaços” a que se
refere o Papa Francisco. E até mais por perto, há muita tristeza acumulada,
muita frustração ressentida, muita depressão profunda. A assim chamada
“atualidade”, que repetidamente nos mostram, acentua muito mais o negativo do
que o positivo e quase nos faz descrer de nós, como humanidade que somos.
Bem pelo contrário, celebrar a Imaculada Conceição da Virgem
Santa Maria, também como Padroeira de Portugal, desembacia-nos os olhos da alma
na convicção de que a Luz de Cristo, que nela despontou, vence toda a treva,
convence todo o espírito e garante toda a esperança. Assim a graça, que nela
foi tão plena, nos faça coincidir, agora e sempre mais, com a vontade de Deus,
que não desiste de recriar o mundo. Recomeça sempre no coração e na vontade de
cada um de nós. Aconteceu em Maria, a Imaculada Conceição, para em Cristo
nascer o homem novo em terra intacta. Acontecerá em nós, batizados desta
geração, para nos renovarmos como humanidade também. Maria foi a alvorada
luminosa dum inextinguível horizonte de esperança.
Sé de Lisboa, 8 de
dezembro de 2019
+ Manuel,
Cardeal-Patriarca
Fonte: Patriarcado de Lisboa
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