Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
I pregação de Advento: “Feliz daquela que acreditou!” - Maria na Anunciação
I pregação de Advento: “Feliz daquela que acreditou!” - Maria na Anunciação
06 de dezembro de 2019
Cada
ano, a Liturgia nos prepara ao Natal com três grandes guias: Isaías, João
Batista e Maria; o profeta, o precursor, a mãe. O primeiro o anunciou de longe,
o segundo o apontou presente no mundo, a mãe o trouxe no ventre. Para este
Advento de 2019, pensei em nos confiar inteiramente à Mãe. Ninguém melhor do
que ela pode nos predispor a celebrar o nascimento do Redentor.
Ela
não celebrou o Advento, viveu-o em sua carne;
como toda mulher gestante, sabe o que significa estar “à espera” e pode nos
ajudar a viver este Advento com uma fé cheia de espera. Contemplaremos a Mãe de
Deus nos três momentos nos quais a Escritura a apresenta no centro dos
acontecimentos: a Anunciação, a Visitação e o Natal.
“Eis
aqui a serva do Senhor...”
Iniciemos
com a Anunciação. Quando Maria chegou à casa de Isabel, esta a acolheu com
grande alegria e, “cheia do Espírito Santo”, exclamou: Bem-aventurada
aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu! (Lc
1,45). A grande coisa que aconteceu em Nazaré, depois da saudação do anjo, é
que Maria acreditou e tornou-se assim “Mãe do Senhor”. Não há nenhuma dúvida
que este acreditar se refira à resposta de Maria ao anjo: Eis aqui a
serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38).
Com
estas poucas e simples palavras, realizou-se o maior e mais decisivo ato de fé
na história do mundo. Esta palavra de Maria representa “o cume de qualquer
comportamento religioso perante Deus, porque expressa, da maneira mais elevada,
a passiva disponibilidade unida à ativa prontidão, o vazio mais profundo
acompanhado da maior plenitude” [1]. Com esta sua resposta - escreve Orígenes -
é como se Maria dissesse a Deus: “Eis-me aqui, sou uma tabuinha para escrever:
o Escritor escreva o que quiser, faça de mim o que quiser o Senhor de todas as
coisas” [2]. Ele compara Maria à tábua encerada que, no seu tempo, usava-se
para escrever. Nós hoje poderíamos dizer que Maria se oferece a Deus como uma
página em branco, na qual pode escrever tudo que quiser.
“Num
instante, que nunca mais vai desaparecer e que permanece válido por toda a
eternidade, a palavra de Maria foi a palavra da humanidade, e o seu ‘sim’ foi o
Amém de toda a criação ao ‘sim’ de Deus” (K. Rahner). É como se, nela, Deus
interpelasse de novo a liberdade criada, oferecendo-lhe uma possibilidade de
resgate. Este é o sentido profundo do paralelismo Eva-Maria, caro aos Padres e
a toda a tradição. “O que Eva tinha atado com a sua incredulidade, Maria o
desatou com a sua fé” [3].
Pelas
palavras de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou”, percebe-se como, já
no Evangelho, a maternidade divina de Maria é entendida não só como
maternidade física, mas muito mais como maternidade espiritual, fundada na fé.
É nisso que se baseia Santo Agostinho quando escreve: “A Virgem Maria,
acreditando, deu à luz aquele que, acreditando, concebera... Depois que o anjo
lhe falou, cheia de fé (fide plena), concebendo Cristo antes
no coração do que no seio, ela respondeu: Eis aqui a serva do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra”. À plenitude da graça por parte de
Deus, corresponde a plenitude da fé por parte de Maria; ao “gratia plena”, o “fide plena”.
Sozinha
com Deus
À
primeira vista, o ato de fé de Maria foi fácil e previsível. Tornar-se mãe de
um rei que teria reinado eternamente sobre a casa de Jacó, a mãe do Messias!
Era esse o sonho de toda menina judia! Mas esta é uma maneira de raciocinar
muito humana e carnal. A verdadeira fé nunca é privilégio ou honra, mas é
sempre como morrer um pouco, e isso foi sobretudo a fé de Maria neste momento.
Em primeiro lugar, Deus jamais engana, nem arranca das criaturas
seu consentimento de maneira sorrateira, escondendo-lhes as consequências que irão
enfrentar. Percebemos isso em todos os grandes chamados de Deus. Preanuncia a
Jeremias: Eles farão guerra contra ti (Jr 1,19), e diz a
Ananias, a respeito de Saulo: Eu vou mostrar-lhe quanto ele deve sofrer
por minha causa (At 9,16). Deus teria agido diferentemente só com
Maria, para uma missão como a sua? À luz do Espírito Santo, que acompanha o
chamado de Deus, ela certamente previu que também seu caminho não teria sido
diferente daquele de todos os outros chamados. Afinal, Simeão, bem cedo, dará
expressão a esse pressentimento, dizendo que uma espada lhe transpassará a
alma.
Aliás,
já no plano simplesmente humano, Maria vai se encontrar numa total solidão.
Para quem pode explicar o que nela aconteceu? Quem nela acreditará, quando
disser que o menino por ela concebido, é “obra do Espírito Santo”? Isto nunca
aconteceu antes dela, nem irá acontecer depois. Maria conhecia certamente o que
estava escrito no livro da Lei: se, por ocasião das núpcias, fosse constatado
que a moça não era virgem, deveria ser levada à entrada da casa de seu pai para
ser apedrejada pelos habitantes da cidade (cf.
Dt 22,20ss).
Falamos
hoje muitas vezes do risco da fé, pensando geralmente no risco intelectual;
mas, para Maria, tratava-se de um risco real! Carlo Carretto, no seu livrinho
sobre Nossa Senhora, conta como chegou a descobrir a fé de Maria. Quando ele
vivia no deserto, alguns dos seus amigos tuaregues informaram-no que uma moça
do acampamento tinha sido prometida como esposa a um rapaz, mas, sendo ela
jovem demais, não tinha ido morar com ele. Carlo Carretto comparou este fato
com aquilo que Lucas diz a respeito de Maria. Por isso, passando de novo
naquele mesmo acampamento, depois de dois anos, pediu informações sobre a moça.
Percebeu um pouco de embaraço entre os seus interlocutores e, mais tarde, um
deles, aproximando-se com toda a reserva, fez um sinal: passou uma mão na
garganta, com o gesto característico dos árabes quando querem dizer: “Foi
degolada”. Como tinha sido encontrada grávida antes do matrimônio, a honra da família
exigia aquele desfecho. Então, ele pensou novamente em Maria, nos olhares
impiedosos dos habitantes de Nazaré, e entendeu a solidão de Maria. Naquela
mesma noite, escolheu-a como companheira de viagem e mestra de sua fé [4].
Maria
é a única que acreditou “em situação de contemporaneidade”, isto é, enquanto a
coisa estava acontecendo, antes de qualquer confirmação ou convalidação por
parte dos eventos e da história. Acreditou na mais total solidão. Jesus disse a
Tomé: Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem
terem visto! (Jo 20,29): Maria é a primeira daqueles que, sem terem
visto, acreditam.
Situação
semelhante foi a de Abraão: quando, apesar da idade avançada, foi-lhe prometido
um filho, a Escritura diz, quase com ar de triunfo e de maravilha: Abraão
teve fé no Senhor, que considerou isso como justiça (Gn 15,6). Com
muito maior triunfo, podemos nós agora afirmar isso de Maria! Maria confiou em
Deus, e Deus creditou-lhe isso como justiça. É o maior ato de justiça levado a
termo na terra por um ser humano, menor apenas que o de Jesus que, porém, é
Deus também.
São
Paulo afirma que Deus ama quem dá com alegria (2Cor 9,7), e Maria disse o seu
“sim” a Deus com alegria. O verbo com o qual Maria expressa o seu
consentimento, e que é traduzido com “fiat”
ou com “faça-se”, no original está no optativo (génoito); optativo que não expressa uma simples aceitação
resignada, mas um vivo desejo. É como se dissesse: “Eu também desejo, com todo
o meu ser, o que Deus deseja; faça-se logo o que ele quer”. Como dizia Santo
Agostinho, ela concebeu Cristo no seu coração antes de concebê-lo no seu corpo.
Maria,
porém, não disse “fiat”, que é uma
palavra latina; nem disse “génoito”,
que é uma palavra grega. O que ela disse, então? Qual é a palavra que, na
língua falada por Maria, corresponde mais de perto a esta expressão? O que
dizia um judeu quando queria dizer “assim seja”? Dizia “amém!”. Se é lícito remontar, com piedosa reflexão, à ipsissima vox, à
palavra mesma que saiu da boca de Maria - ou, ao menos, à palavra que estava na
fonte judaica usada por Lucas -, essa palavra deve ter sido “amém”. Amém -
palavra hebraica, cuja raiz significa firmeza, certeza - era usada na Liturgia
como resposta de fé à palavra de Deus. No fim de alguns salmos, cada vez que na
Vulgata se lê “fiat, fiat” (na versão dos Setenta: génoito,
génoito), o original hebraico, conhecido por Maria, traz: amém,
amém!
Com
o “amém”, reconhece-se o que foi dito como sendo palavra firme, estável, válida
e vinculante. A sua tradução exata, quando se trata de resposta à palavra de
Deus, é a seguinte: “Assim é e assim seja”. Indica, ao mesmo tempo, fé e
obediência; reconhece ser verdade o que Deus afirma e o aceita. Significa dizer
“sim” a Deus. Nesse sentido, encontramo-lo nos lábios de Jesus: “Sim, amém,
Pai, porque foi do teu agrado...” (cf.
Mt 11,26). Aliás, Ele é o Amém personificado: Assim fala o Amém... (Ap
3,14), e é por meio dele que qualquer outro “amém” pronunciado na terra sobe
agora para Deus (cf. 2Cor 1,20). Como o “fiat”
de Maria precede o de Jesus no Getsêmani, assim o seu “amém” precede o do
Filho. Maria também é um “amém” personificado para Deus.
Como
a esteira deixada por um grande navio vai ampliando-se até desaparecer e
perder-se no horizonte, mas começa numa ponta, que é a mesma ponta do navio, o
mesmo acontece com a imensa esteira dos crentes que formam a Igreja. Começa
numa ponta, que é a fé de Maria, o seu “fiat”.
A fé, juntamente com sua irmã, a esperança, é a única coisa que não começa com
Cristo, mas com a Igreja, e, por isso, com Maria, que é seu primeiro membro na
ordem do tempo e da importância. O Novo Testamento nunca atribui a Jesus a fé
ou a esperança. A Carta aos Hebreus nos dá uma lista dos que tiveram fé: Pela
fé, Abel... Pela fé, Abraão... Pela fé, Moisés... (Hb 11,4ss). Mas
esta lista não inclui Jesus, Jesus é chamado “autor e consumador da fé” (Hb
12,2), não um dos crentes, nem mesmo o primeiro.
Pelo
simples fato de crer, nós nos encontramos, pois, na esteira de Maria e queremos
agora aprofundar o que significa seguir de verdade a sua esteira. Lendo na
Bíblia o que se refere a Maria, desde o tempo dos Padres a Igreja seguiu um
critério que pode ser expresso assim: “Maria, vel Ecclesia, vel anima”, Maria, ou a
Igreja, ou a alma. Isso quer dizer que tudo quanto a Escritura diz
especialmente de Maria, deve ser entendido universalmente da Igreja, e tudo
quanto se afirma universalmente da Igreja, deve ser entendido singularmente de
cada alma fiel. Atendo-nos também nós a este princípio, vamos ver agora o que a
fé de Maria tem a dizer, primeiro, à Igreja no seu conjunto, e
depois a cada um de nós, a cada alma em particular. Vamos esclarecer primeiro
as implicações eclesiais ou teológicas da fé de Maria, e depois, as pessoais ou
ascéticas. Desta maneira, a vida de Maria não serve só para aumentar a nossa
devoção pessoal, mas também a nossa compreensão profunda da Palavra de Deus e
dos problemas da Igreja.
Em
primeiro lugar, fala-nos Maria da importância da fé. Não há som nem música onde
não há um ouvido capaz de ouvir, ainda que ressoassem no ar melodias e
harmonias sublimes. Não existe graça, ou, ao menos, a graça não pode agir,
quando falta a fé que a acolha. Como a chuva nada pode fazer germinar até
encontrar uma terra que a acolhe, assim também a graça, se não encontrar a fé.
É pela fé que nos tornamos “sensíveis” à graça. A fé é a base de tudo; é a
primeira e a “melhor” obra a ser cumprida. A obra de Deus é esta, diz Jesus:
que acrediteis (cf. Jo 6,29). A fé é
tão importante porque é a única que conserva à graça a sua gratuidade. Não
procura inverter as partes, fazendo de Deus um devedor e do homem um credor.
Por isso, a fé agrada tanto a Deus que ele, no seu relacionamento com o homem,
faz praticamente tudo depender dela.
Graça
e fé: são esses os dois pilares da salvação; são para o homem os dois pés para
andar, ou as duas asas para voar. Não são, porém, duas coisas paralelas, como
se de Deus viesse a graça e de nós a fé, dependendo assim a salvação, em partes
iguais, de Deus e de nós, da graça e da liberdade. Seria um engano se alguém
pensasse: a graça depende de Deus, mas a fé depende de mim; juntos, eu e Deus
fazemos a salvação! Novamente estaríamos fazendo de Deus um devedor, alguém
que, de algum modo depende de nós, e que deve partilhar conosco o mérito e a
glória. São Paulo tira qualquer dúvida quando diz: É pela graça que
sois salvos, mediante a fé. E isso (isto é, o fato de acreditarmos,
ou, mais globalmente, o fato de sermos salvos pela graça através da fé, o que é
a mesma coisa) não vem de vós; é dom de Deus! (Ef 2,8ss).
Também em Maria, o ato de fé foi suscitado pela graça do Espírito Santo.
O
que agora nos interessa é esclarecer alguns aspectos da fé de Maria, que podem
ajudar a Igreja de hoje a crer mais plenamente. O ato de fé de Maria é muito
pessoal, único e não se pode repetir. Consiste em confiar em Deus e entregar-se
completamente a ele. É um relacionamento de pessoa para pessoa. Isto se chama fé
subjetiva. Destaca-se, aqui, mais o fato de acreditar do que as coisas
acreditadas. Mas a fé de Maria é também muito objetiva,
comunitária. Ela não acredita num Deus subjetivo, pessoal, separado da
realidade, que se revela secretamente só a ela. Acredita, pelo contrário, no
Deus dos Pais, no Deus do seu povo. Reconhece, no Deus que se lhe revela, o
Deus das promessas, o Deus de Abraão e da sua descendência.
Ela
se coloca humildemente na fileira dos crentes, torna-se a primeira crente da
nova aliança, como Abraão tinha sido o primeiro crente da antiga aliança. O Magnificat está todo cheio desta fé
baseada nas Escrituras e de alusões à história do seu povo. O Deus de Maria é
um Deus de traços tipicamente bíblicos: Senhor, Poderoso, Santo, Salvador.
Maria não teria acreditado no anjo se lhe tivesse revelado um Deus diferente,
que ela não pudesse reconhecer como o Deus do seu povo Israel. Também
exteriormente, Maria se molda a essa fé. De fato, submete-se a todas as
prescrições da lei; manda circuncidar o Menino, apresenta-o no templo,
submete-se ao ritual da purificação, sobe a Jerusalém para a Páscoa.
Agora
tudo isso é, para nós, um grande ensinamento. Como a graça, também a fé foi
submetida, ao longo dos séculos, a um fenômeno de análise e de fragmentação,
surgindo assim inúmeras espécies e subespécies de fé. Os irmãos protestantes,
por exemplo, valorizam mais aquele primeiro aspecto, subjetivo e pessoal da fé.
“Fé - escreve Lutero - é uma confiança viva e audaciosa na graça de Deus”; é
uma “firme confiança”. Em algumas correntes do protestantismo, onde esta
tendência é levada ao extremo, como no pietismo, os dogmas e as assim chamadas
verdades de fé não têm quase nenhuma importância. A atitude interior e pessoal
para com Deus é a coisa mais importante e quase exclusiva.
Na
tradição católica e ortodoxa, pelo contrário, desde a antiguidade deu-se uma
importância muito grande ao problema da reta fé ou da ortodoxia. O problema das
coisas a serem cridas bem cedo prevaleceu sobre o aspecto subjetivo e pessoal
do crer, isto é, sobre o ato de fé. Os tratados dos Padres, intitulados “Sobre
a fé” (De fide), nem mencionam a fé como ato subjetivo, como
confiança e abandono, mas preocupam-se com estabelecer, em polêmica contra os
hereges, quais são as verdades que devem ser aceitas em comunhão com toda a
Igreja. Depois da Reforma, esta tendência ficou mais marcante ainda na Igreja
católica, em reação à acentuação unilateral da fé-confiança. Acreditar
significa principalmente aderir ao credo da Igreja. São Paulo dizia que “com o
coração se crê e com a boca se confessa” (cf. Rm 10,10): a “confissão” da reta
fé prevaleceu frequentemente sobre o “crer com o coração”.
Maria
leva-nos a reencontrar, também neste campo, “a totalidade” que é bem mais rica
e mais bela do que qualquer parte considerada individualmente. Não é suficiente
ter uma fé apenas subjetiva, uma fé que seja um entregar-se a Deus no íntimo da
própria consciência. É tão fácil, por este caminho, reduzir Deus à nossa
própria medida. Isso acontece quando criamos uma ideia pessoal de Deus,
baseados numa interpretação pessoal da Bíblia ou na interpretação de nosso
grupo restrito, e depois aderimos a ela com todas as forças, talvez até com
fanatismo, sem perceber que nisso há mais fé em nós mesmos do que em Deus, e
que toda essa inabalável confiança em Deus não é senão uma inabalável confiança
em nós mesmos.
Nem
é suficiente, porém, uma fé só objetiva e dogmática se ela não realizar o
contato íntimo e pessoal, entre o eu e o tu, com Deus. Essa se torna facilmente
uma fé morta, um acreditar por pessoa interposta ou por instituição interposta,
de tal modo que, tão logo entre em crise por qualquer razão, faz desmoronar o
próprio relacionamento com a instituição que é a Igreja. Desta maneira, é fácil
que um cristão chegue ao fim da vida sem nunca ter feito um ato de fé livre e
pessoal, que é o único a justificar o nome de “crente”.
É
preciso, pois, acreditar pessoalmente, mas na Igreja; acreditar na Igreja, mas
pessoalmente. A fé dogmática da Igreja não anula o ato pessoal nem a
espontaneidade do crer; pelo contrário, resguarda-o e permite conhecer e
abraçar um Deus imensamente maior que o da minha pobre experiência. De fato,
nenhuma criatura consegue abranger, com o seu ato de fé, tudo aquilo que se
pode conhecer a respeito de Deus. A fé da Igreja é como uma objetiva
grande-angular, que permite fotografar um panorama muito mais amplo do que com
uma objetiva simples. Unindo-me à fé da Igreja, faço minha a fé de todos
aqueles que me precederam: dos Apóstolos, dos mártires, dos doutores. Os santos,
que não puderam levar consigo a fé para o céu, onde já não tem serventia, deixaram-na
como herança à Igreja.
Há
um incrível poder nestas palavras: “Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso...”. O
meu pequeno “eu”, unido com aquele grande “eu” de todo o Corpo Místico de
Cristo, passado e presente, faz ressoar um grito, mais potente que o estrondo
do mar, que faz tremer nos alicerces o reino das trevas.
Creiamos
também nós!
Vamos
considerar agora as implicações pessoais e ascéticas que brotam da fé de Maria.
Santo Agostinho, depois de ter afirmado, no texto citado acima, que Maria,
“cheia de fé, gerou acreditando, aquele que tinha concebido acreditando”, tira
uma aplicação prática dizendo: “Maria acreditou e nela realizou-se aquilo que
acreditou. Creiamos também nós, para que aquilo que nela se realizou possa ser
de proveito também para nós”.
Creiamos
também nós! A contemplação da fé de Maria leva-nos a renovar, antes de tudo, o
nosso ato pessoal de fé e de abandono em Deus. Daí a importância decisiva de
dizer a Deus, uma vez na vida, um “faça-se, fiat”,
como o de Maria. Quando isso acontece, temos um ato envolto no mistério, porque
implica, ao mesmo tempo, graça e liberdade; é uma espécie de concepção. A
criatura não pode fazer este ato sozinha; por isso, Deus a ajuda, sem tirar sua
liberdade.
O
que se precisa, pois, fazer? É simples: depois de ter rezado, para que não seja
uma coisa superficial, é preciso dizer a Deus com as mesmas palavras de Maria:
“Eis aqui o servo, ou a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua
palavra!”. Sim, meu Deus, digo amém a todo o teu projeto, entrego-me a ti!
É
preciso, porém, lembrar que Maria disse o seu “fiat” no optativo, com desejo e alegria. Quantas vezes repetimos
essas palavras num estado de espírito de resignação mal encoberta, como que
baixando a cabeça e cerrando os dentes: “Se não há outro jeito, então faça-se a
tua vontade!”. Maria ensina-nos a dizê-lo de maneira diferente. Sabendo que a
vontade de Deus a nosso respeito é infinitamente mais bela e mais rica de
promessas do que qualquer projeto nosso, sabendo que Deus é amor infinito que
tem sobre nós “projetos de paz e não de aflição” (cf. Jr 29,11), como Maria dizemos, cheios de desejo e quase com
impaciência: “Seja logo realizada em mim, ó Deus, a tua vontade de amor e de
paz!”.
Com
isso, a vida humana atinge seu sentido e sua mais alta dignidade. Dizer “sim”,
“amém” a Deus, não humilha a dignidade do homem, como às vezes se pensa hoje,
mas a exalta. Afinal, qual é a alternativa para este “amém” que dizemos a Deus?
O pensamento contemporâneo, que fez exatamente da análise da existência o seu objeto
primário, demonstrou claramente que é preciso dizer “amém”, e se não o
dissermos a Deus que é amor, será preciso dizê-lo a qualquer outra coisa que
não passa de fria e entorpecedora necessidade: ao destino, à fatalidade.
“O
meu justo viverá da fé”
Todos
precisam e podem imitar Maria na sua fé. Mas, de maneira particular, isto deve
ser feito pelo sacerdote e por todo aquele que é chamado, de alguma forma, a
transmitir aos outros a fé e a Palavra. “O meu justo viverá da fé” (cf. Hab 2,4; Rm 1,17): isto vale
especialmente para o sacerdote: O meu sacerdote - diz Deus - viverá da fé. Ele
é o homem da fé. O peso específico de um sacerdote é dado pela sua fé. Ele vai
incidir nas almas na medida da sua fé. O papel do sacerdote ou do pastor, no
meio do povo, não é só o de distribuidor de sacramentos e serviços, mas também
o de suscitador e testemunha da fé. Ele será realmente alguém que guia e
arrasta na medida em que, como Maria, acreditar e entregar sua liberdade para
Deus.
A
grande e essencial característica, o que os fiéis percebem imediatamente num
sacerdote e num pastor, é se ele “acredita”: se acredita no que diz e no que
celebra. Quem, no sacerdote, procura Deus antes de tudo, percebe isso logo;
quem nele não procura Deus, pode ser facilmente enganado e enganar o próprio
sacerdote, levando-o a sentir-se importante, brilhante, atualizado, quando na
realidade também ele é, como se dizia no capítulo precedente, um homem “vazio”.
Até o não crente, que se aproxima do sacerdote num espírito de procura, percebe
logo a diferença. O que vai provocá-lo e pô-lo em crise salutar, não são
geralmente as discussões mais eruditas sobre a fé, mas a simples fé. A fé é
contagiosa. Ninguém é contagiado por ouvir falar de um vírus ou por estudá-lo,
mas somente entrando em contato com ele; o mesmo acontece com a fé.
A
força de um servo de Deus é proporcional à força da sua fé. Às vezes sofremos,
e talvez até nos queixamos com Deus na oração, porque as pessoas abandonam a
Igreja, continuam no pecado, porque falamos, falamos e nada acontece. Um dia,
os Apóstolos tentaram expulsar o demônio de um pobre rapaz, mas não
conseguiram. Depois que Jesus expulsou o mau espírito do rapaz, eles se
aproximaram de Jesus e perguntaram: Por que nós não conseguimos
expulsar o demônio? Jesus respondeu:
Porque a vossa fé é demasiado pequena (Mt 17,19-20).
O
mundo, dissemos, é sulcado como o mar pela esteira de um belo navio, a esteira
de fé aberta por Maria. Entremos nesta esteira. Creiamos também nós, para que
se realize também em nós o que nela se realizou. Invoquemos Nossa Senhora com o
doce título de Virgo fidelis: Virgem crente, rogai por nós!
[1]
H. Schürmann, Il Vangelo di Luca, Paideia, Brescia, 1983, p. 154.
[2]
Orígenes, Comentário ao Evangelho de Lucas, fragm. 18 (GCS, 49, p.
227).
[3]
Santo Ireneu, Adv. Haer III, 22, 4.
[4]
C. Carretto, Beata te che hai creduto, Ed. Paoline, 1986, pp.
9ss.
Fonte: Vatican News
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