Dando
continuidade às nossas postagens com as Catequeses do Papa Bento XVI sobre a Liturgia das Horas, seguem suas meditações sobre os salmos das Vésperas da
terça-feira da III semana do Saltério, proferidas nos dias 03 de agosto (Sl 124)
e 10 de agosto de 2005 (Sl 130).
Como
afirmamos anteriormente, o Papa não retomou os cânticos do Apocalipse, sobre os
quais João Paulo II já havia refletido.
141. Deus, protetor do seu povo: Sl 124(125),1-5
03 de agosto de 2005
1. Neste nosso
encontro retomamos o itinerário que estamos percorrendo no interior da Liturgia
das Vésperas. Agora entra em cena o Salmo 124, que faz parte daquela intensa e
sugestiva coletânea, chamada “cânticos das subidas”, livrinho de orações ideal
para a peregrinação a Sião, em vista do encontro com o Senhor no templo (cf. Sl
119–133).
Aquele sobre o
qual agora nós meditaremos brevemente é um texto sapiencial, que suscita a
confiança no Senhor e contém uma breve oração (v. 4). A primeira frase proclama
a estabilidade de quem “confia no Senhor”, comparando-a com a estabilidade
“rochosa” e segura do “monte de Sião” que, evidentemente, é devida à presença
de Deus que, como afirma outro Salmo, é “rocha, fortaleza, refúgio, abrigo,
escudo, baluarte e poderosa salvação” (cf.
Sl 17,3). Mesmo quando o fiel se sente isolado e rodeado de perigos e de
hostilidades, a sua fé deve ser tranquila, porque o Senhor está sempre conosco.
A sua força circunda-nos e protege-nos.
Também o profeta
Isaías confirma que ouviu da boca de Deus estas palavras, destinadas aos fiéis:
“Vou colocar em Sião uma pedra que vos ponha à prova. Será uma pedra preciosa,
angular, bem firme. Aquele que nela confiar, não tropeçará” (Is 28,16).
"Que venha a paz ao vosso povo!" (Sl 124,5) (Mosaico da "pomba da paz" na sede das Nações Unidas - Nova York) |
2. Contudo,
continua o salmista, a confiança, que é a atmosfera da fé do fiel, dispõe de um
ulterior sustentáculo: o Senhor como que acampou em defesa do seu povo,
precisamente como os montes que rodeiam Jerusalém, tornando-a uma cidade
fortificada por bastiões naturais (v. 2). Em uma profecia de Zacarias, Deus diz
de Jerusalém: “Mas Eu serei para ela... como um muro de fogo à sua volta e serei
no meio dela a sua glória” (Zc 2,9).
Nesta atmosfera
de confiança radical, que é a atmosfera da fé, o salmista tranquiliza “os
justos”, os fiéis. A sua situação pode ser, por si mesma, preocupante, por
causa da prepotência dos ímpios, que desejam impor o seu domínio. Haveria
também a tentação, para os justos, de se tornar cúmplices do mal para evitar
graves inconvenientes, mas o Senhor protege-os da opressão: “O Senhor não vai
deixar prevalecer por muito tempo o domínio dos malvados sobre a sorte dos seus
justos” (v. 3); ao mesmo tempo, Ele preserva-os da tentação, “para os justos
não mancharem suas mãos na iniquidade” (ibid.).
Portanto, o Salmo
infunde na alma uma profunda confiança. Ajuda poderosamente a enfrentar as
situações difíceis, quando à crise externa do isolamento, da ironia e do
desprezo em relação aos fiéis, se associa a crise interna, feita de
desencorajamento, de mediocridade e de cansaço. Conhecemos esta situação, mas o
Salmo diz-nos que, se tivermos confiança, seremos mais fortes do que estes
males.
3. O final do Salmo
contém uma invocação dirigida ao Senhor em favor dos “bons” e dos “retos de
coração” (v. 4) e um anúncio de desventura contra aqueles que “seguem maus
caminhos” (v. 5). Por um lado, o salmista pede que o Senhor se manifeste como
um Pai amoroso para com os justos e os fiéis, que conservam alta a chama da retidão
de vida e da boa consciência. Por outro, espera-se que Ele se revele como juiz
justo diante daqueles que se desviaram pelos caminhos tortuosos do mal, cujo
resultado conclusivo é a morte.
O Salmo termina
com a tradicional saudação de shalom,
de “paz a Israel”, uma saudação ritmada por assonância a Jerushalajim, a Jerusalém (v. 2), a cidade símbolo de paz e de
santidade. É uma saudação que se torna um voto de esperança. Nós podemos
torná-la explícita através das palavras de São Paulo: “Paz e misericórdia para
quantos seguirem esta regra, bem como para todo o Israel de Deus” (Gl 6,16).
4. No seu
comentário a este Salmo, Santo Agostinho contrapõe “aqueles que se desviam por
caminhos tortuosos” àqueles que são “retos de coração” e não se afastam de
Deus. Se os primeiros foram associados “à sorte dos maus”, qual será a sorte
dos “retos de coração”? Na esperança de se tornar ele mesmo, juntamente com os
seus ouvintes, participantes da sorte ditosa destes últimos, o Bispo de Hipona
interroga-se: “O que possuiremos? Qual será a nossa herança? Qual será a nossa
pátria? Qual é o seu nome?”. E ele mesmo responde, indicando o seu nome - e faço
minhas estas palavras -: “Paz. Com o voto da paz vos saudamos; a paz vos anunciamos;
os montes recebem a paz, enquanto a justiça se estende sobre as colinas (cf. Sl 71,3). Pois bem, a nossa paz é
Cristo: ‘Com efeito, Ele é a nossa paz’ (Ef
2,14)” (Exposições sobre os Salmos,
IV, Nuova Biblioteca Agostiniana,
XXVIII, Roma, 1977, p. 105).
Santo Agostinho
conclui com uma exortação que é, ao mesmo tempo, também bons votos: “Nós somos
o Israel de Deus e abraçamos a paz, porque Jerusalém significa visão de paz e
nós somos Israel: aquele Israel sobre o qual paira a paz” (ibid., p. 107), e a paz é Cristo.
142. Confiança filial e repouso em Deus: Sl
130(131),1-3
10 de agosto de 2005
1. Ouvimos
somente poucas palavras, cerca de trinta no original hebraico do Salmo 130.
Contudo, são palavras intensas, que desenvolvem um tema precioso para toda a
literatura religiosa: a infância espiritual. O pensamento corre rápida e
espontaneamente até Santa Teresinha de Lisieux, ao seu “pequeno caminho”, ao
seu “permanecer pequena” para “estar nos braços de Jesus” (cf. Manuscrito C, 2r.-3v.:
Obras Completas, Cidade do Vaticano,
1997, pp. 235-236).
Com efeito, no
centro do Salmo sobressai a imagem de uma mãe com o menino, sinal do amor terno
e materno de Deus, como já se tinha expressado o profeta Oseias: “Quando Israel
ainda era menino, Eu o amei... Segurava-os com laços humanos, com laços de
amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto;
inclinei-me sobre ele para lhe dar de comer” (Os 11,1.4).
2. O Salmo
começa com a descrição da atitude antitética em relação ao comportamento da
infância, que está consciente da sua própria fragilidade, mas tem confiança na
ajuda dos outros. Em contrapartida, o Salmo fala de orgulho do coração, soberba
do olhar, de “grandezas” e “pretensões ambiciosas” (v. 1). É a representação da
pessoa soberba, descrita mediante vocábulos hebraicos que indicam a “altivez” e
a “exaltação”, a atitude arrogante daquele que olha os outros com um sentido de
superioridade, considerando-os inferiores a si.
A grande
tentação do indivíduo soberbo, que deseja ser como Deus, juiz do bem e do mal (cf. Gn 3,5), é decididamente rejeitada
pelo orante, que opta pela confiança humilde e espontânea no único Senhor.
3. Assim,
passa-se à imagem inesquecível do menino e da mãe. O texto original hebraico
não fala de um recém-nascido, mas sim de uma “criança desmamada” (v. 2). Pois
bem, sabe-se que no antigo Oriente Próximo a desmama oficial se situava
aproximativamente nos três anos de idade e era celebrada com uma festa (cf. Gn 21,8; 1Sm 1,20-23; 2Mac 7,27).
O menino, ao
qual o salmista remete, está ligado à mãe por um relacionamento que já é
pessoal e íntimo, portanto não pelo mero contato físico e pela necessidade de
alimentação. Trata-se de um vínculo mais consciente, embora sempre imediato e
espontâneo. Esta é a parábola ideal da verdadeira “infância” do espírito, que
se abandona a Deus não de maneira cega e automática, mas tranquila e
responsável.
4. Nesta altura,
a profissão de confiança do orante alarga-se a toda a comunidade: “Confia no
Senhor, ó Israel, desde agora e por toda a eternidade!” (Sl 130,v. 3). Ora, a
esperança brota em todo o povo, que recebe de Deus a segurança, a vida e a paz,
estendendo-se do presente ao futuro, “desde agora e por toda a eternidade!”.
É fácil
continuar a oração, fazendo ecoar outras vozes do Saltério, inspiradas na mesma
confiança em Deus: “Pertenço-te desde o ventre materno; desde o seio de minha
mãe, Tu és o meu Deus” (Sl 21,11); “Ainda
que meu pai e minha mãe me abandonem, o Senhor me acolherá” (Sl 26,10); “Tu és a minha esperança, ó
Senhor Deus, e a minha confiança desde a juventude. Em ti me apoio desde o seio
materno, desde o ventre materno és o meu sustentáculo” (Sl 70,5-6).
5. À confiança
humilde, como se pôde ver, opõe-se a altivez. Um escritor cristão dos séculos
IV-V, João Cassiano, admoesta os fiéis sobre a gravidade deste vício, que “destrói
todas as virtudes no seu conjunto e não atinge apenas os medíocres e os fracos,
mas principalmente aqueles que se colocaram no ápice com o uso das suas
próprias forças”. Depois, ele continua: “Este é o motivo pelo qual o
bem-aventurado Davi salvaguarda o seu coração com tanta circunspecção, a ponto
de ousar proclamar, diante d’Aquele a quem decerto não passavam despercebidos
os segredos da sua consciência: ‘Senhor, meu coração não é orgulhoso, nem se
eleva arrogante o meu olhar; não ando à procura de grandezas, nem tenho
pretensões ambiciosas’... Todavia, bem sabendo que esta salvaguarda é difícil
também para os perfeitos, ele não tem a presunção de se alicerçar unicamente
nas suas capacidades, mas suplica o Senhor com orações, a fim de que o ajude a
esquivar-se das flechas do inimigo e a não ser ferido pelas mesmas: ‘Não
permitas que me pisem os pés dos orgulhosos’ (Sl 35,12)” (Le istituzioni
cenobitiche, XII, 6, Abadia de Praglia, Bresseo di Teolo - Pádua, 1989, p.
289).
Analogamente, um
ancião anônimo dos Padres do deserto legou-nos esta declaração, que faz ressoar
o Salmo 130: “Jamais ultrapassei a minha categoria para caminhar de forma mais
altiva, e nunca fiquei perturbado em caso de humilhação, porque cada um dos
meus pensamentos consistia nisto: em rezar ao Senhor para que me despojasse do
homem velho” (I Padri del deserto: Detti,
Roma, 1980, p. 287).
Fonte: Santa Sé (03 de agosto e 10 de agosto de 2005).
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