segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Homilia do Papa: Missa em Atenas

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Chipre e à Grécia
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
Sala de Concertos Megaron, Atenas (Grécia)
Domingo, 05 de dezembro de 2021

Observação: Foi celebrada a Missa do II Domingo do Advento (Ano C), com suas leituras: Br 5,1-9; Sl 125 (126); Fl 1,4-6.8-11; Lc 3,1-6.

Neste II Domingo do Advento, a Palavra de Deus apresenta-nos a figura de São João Batista. O Evangelho sublinha dois aspectos: o lugar onde se encontra - o deserto - e o conteúdo da sua mensagem - a conversão. Deserto e conversão: o Evangelho de hoje insiste nisto, e com uma insistência tal que nos faz compreender que estas palavras nos dizem respeito diretamente. Acolhamo-las ambas.

O deserto. O evangelista Lucas apresenta este lugar de uma maneira particular. Com efeito, fala de circunstâncias solenes e de grandes personagens da época: refere o décimo quinto ano do imperador Tibério César, o governador Pôncio Pilatos, o rei Herodes e outros «líderes políticos» de então; depois menciona os chefes religiosos, Anás e Caifás, que estavam no Templo de Jerusalém (cf. Lc 3,1-2). Neste ponto, declara: «a palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto» (v. 2). Como é possível? Esperávamos que a Palavra de Deus se dirigisse a um dos grandes, acabados de citar. Mas não. Das linhas do Evangelho emerge uma sutil ironia: dos nobres palácios onde moram os detentores do poder, passa-se inesperadamente para o deserto, para um homem desconhecido e solitário. Deus surpreende-nos, as suas opções surpreendem: não entram nas previsões humanas, não seguem o poder e a grandeza que o homem habitualmente Lhe associa. O Senhor prefere a pequenez e a humildade. A redenção não começa em Jerusalém, Atenas ou Roma, mas no deserto. Esta estratégia paradoxal oferece-nos uma mensagem muito bela: ter autoridade, ser cultos ou famosos não constituem garantias para agradar a Deus; antes, pelo contrário, poderiam induzir-nos ao orgulho e a rejeitá-Lo. Em vez disso, ajuda ser pobres intimamente, como pobre é o deserto.
Detenhamo-nos no paradoxo do deserto. O Precursor prepara a vinda de Cristo neste lugar impérvio e inospitaleiro, cheio de perigos. Ora, se alguém quer fazer um anúncio importante, habitualmente vai a lugares belos, onde há muita gente, onde goza de visibilidade. Ao contrário, João prega no deserto. E precisamente naquele lugar da aridez, naquele espaço vazio que se estende a perder de vista e onde quase não há vida, precisamente lá se revela a glória do Senhor, que - como profetizam as Escrituras - transforma o deserto em lago (cf. Is 40,3-4), a terra árida em nascentes de água (cf. Is 41,18). Aqui está outra mensagem encorajadora: agora como então, Deus volta o seu olhar para onde dominam tristeza e solidão. Podemos experimentá-lo na vida: com frequência Ele não consegue tocar-nos enquanto estamos no meio dos aplausos e só pensamos em nós mesmos; alcança-nos sobretudo nas horas da provação. Visita-nos nas situações difíceis; é nos nossos vazios, nos nossos desertos existenciais, que Lhe deixamos espaço. É aí que nos visita o Senhor.
Queridos irmãos e irmãs, na vida de uma pessoa ou de um povo, não faltam momentos em que se tem a impressão de encontrar-se no deserto. E é precisamente aí que Se faz presente o Senhor, que muitas vezes não é acolhido por quem se sente bem-sucedido, mas pela pessoa que se sente incapaz de vencer. E vem com palavras de proximidade, compaixão e ternura: «Não temas, porque Eu estou contigo; não te angusties, porque Eu sou o teu Deus. Eu fortaleço-te e auxilio-te» (Is 41,10). Ao pregar no deserto, João assegura-nos que o Senhor vem para nos libertar e de novo nos dar vida precisamente nas situações que parecem irresgatáveis, sem vias de saída: é aqui que Ele vem. Assim, não há lugar que Deus não queira visitar. E hoje só podemos sentir alegria em vê-Lo escolher o deserto, para nos alcançar na nossa pequenez que ama e na nossa aridez que quer dessedentar. Portanto, caríssimos, não temais a pequenez, porque a questão não é ser pequenos ou poucos, mas abrir-se a Deus e aos outros. E não temais sequer a aridez, pois não a teme Deus que nela nos vem visitar.

Passemos ao segundo aspecto: a conversão. João Batista pregava-a sem parar e de forma veemente (cf. Lc 3,7). Também esta é uma temática «incômoda». Tal como o deserto não é o primeiro lugar onde gostaríamos de ir, assim também o convite à conversão certamente não é a primeira proposta que gostaríamos de ouvir. Falar de conversão pode gerar tristeza; parece-nos difícil conciliar com o Evangelho da alegria. Mas isto se verifica quando a conversão se reduz a um esforço moral, como se fosse fruto apenas do nosso empenho. O problema está precisamente aqui: em basear tudo sobre as nossas forças. Isto é errado! Aqui se escondem também a tristeza espiritual e a frustração: queremos converter-nos, ser melhores, superar os nossos defeitos, mudar, mas sentimos que não somos plenamente capazes e, apesar da boa vontade, sempre voltamos a cair. Provamos a mesma experiência de São Paulo que, precisamente a partir destas terras, escrevia: «O querer o bem está ao meu alcance, mas não a capacidade de realizá-lo. Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero » (Rm 7,18-19). Então, se sozinhos não temos a capacidade de fazer o bem que queremos, que significa que devemos converter-nos?
Nisto pode ajudar-nos a vossa bela língua, o grego, com a etimologia do verbo evangélico «converter - metanoéin». Compõe-se da preposição meta, que aqui significa além, e do verbo noéin, que quer dizer pensar. Assim converter-se é pensar além, isto é, ir além da maneira habitual de pensar, além dos nossos habituais esquemas mentais. Concretamente penso nos esquemas que reduzem tudo ao nosso eu, à nossa pretensão de autossuficiência; ou nos esquemas fechados pela rigidez e o medo que paralisam, pela tentação do «sempre se fez assim, para que mudar?», pela ideia de que os desertos da vida são lugares de morte e não da presença de Deus.
Ao exortar-nos à conversão, João Batista convida-nos a ir além, não nos detendo aqui; ir além daquilo que os nossos instintos nos sugerem e os nossos pensamentos fotografam, porque a realidade é maior: é maior do que os nossos instintos, os nossos pensamentos. Na verdade Deus é maior. Então converter-se significa não dar ouvidos ao que enterra a esperança, a quem repete que nada mudará jamais na vida... os pessimistas de sempre! É recusar-se a acreditar que estamos destinados a afundar nas areias movediças da mediocridade; é não ceder aos fantasmas interiores, que surgem sobretudo nos momentos de provação para nos desanimar, dizendo que não vamos conseguir, que tudo está errado e que tornar-se santo não é para nós. Não é assim, porque há Deus. É preciso confiar n’Ele, porque Ele é o nosso além, a nossa força. Tudo muda, se deixamos a Ele o primeiro lugar. Eis a conversão: ao Senhor, basta a nossa porta aberta para entrar e fazer maravilhas, assim como Lhe bastaram um deserto e as palavras de João para vir ao mundo. Não pede mais nada!
Peçamos a graça de acreditar que, com Deus, as coisas mudam, que Ele cura os nossos medos, sara as nossas feridas, transforma lugares áridos em nascentes de água. Peçamos a graça da esperança, porque é a esperança que reanima a fé e reacende a caridade; porque é de esperança que hoje estão secos os desertos do mundo. E enquanto este nosso encontro nos renova na esperança e na alegria de Jesus, e eu rejubilo por estar convosco, peçamos à nossa Mãe, a Toda Santa, que nos ajude a ser, como Ela, testemunhas de esperança - a esperança, irmãos e irmãs, não decepciona, nunca decepciona -, semeadores de alegria ao nosso redor; e não só quando estamos felizes e juntos, mas todos os dias, nos desertos em que habitamos. Porque é aqui, com a graça de Deus, que a nossa vida é chamada a converter-se. É aqui, nos muitos desertos do nosso interior ou do ambiente circundante, que a vida é chamada a florescer. Que o Senhor nos dê graça e coragem de acolher esta verdade!


Saudação do Santo Padre no final da Santa Missa:
Queridos irmãos e irmãs!
No final desta celebração, desejo expressar a minha gratidão pelo acolhimento que recebi entre vós. Obrigado de todo o coração! Eucharistó! [Obrigado].
Da língua grega, veio para toda a Igreja esta palavra que resume o dom de Cristo: Eucaristia. Deste modo, para nós cristãos, o agradecimento está inscrito no coração da fé e da vida. Possa o Espírito Santo fazer de todo o nosso ser e agir uma Eucaristia, uma ação de graças a Deus e um dom de amor aos irmãos.

Fonte: Santa Sé.

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