Viagem
Apostólica do Papa Francisco ao Chipre e à
Grécia
Santa Missa
Homilia do Papa Francisco
“GSP Stadium”, Nicósia (Chipre)
Sexta-feira, 03 de dezembro de 2021
Observação:
Foram proclamadas as leituras do dia, sexta-feira da I semana do Advento: Is 29,17-24;
Sl 26 (27); Mt 9,27-31.
Quando
Jesus passava, dois cegos clamam por Ele referindo a sua miséria e esperança:
«Filho de Davi, tem misericórdia de nós» (Mt 9,27). «Filho de Davi»
era um título atribuído ao Messias, que as profecias anunciavam ser da linhagem
de Davi. Assim, os dois protagonistas do Evangelho de hoje são cegos e,
contudo, veem o que mais conta: reconhecem Jesus como o Messias que veio ao
mundo. Detenhamo-nos nos três passos deste encontro, que nos podem ajudar,
neste caminho de Advento, a acolher por nossa vez o Senhor que vem, o Senhor
que passa.
O
primeiro passo: ir ter com Jesus para ser curado. O texto afirma
que os dois cegos clamavam pelo Senhor, enquanto O seguiam (cf. Mt 9,27). Não O veem, mas ouvem a
sua voz e seguem os seus passos. Procuram em Cristo aquilo que predisseram os
profetas, ou seja, os sinais de cura e compaixão de Deus no meio do seu povo. A
este respeito, escrevera Isaías: «Abrir-se-ão os olhos do cego» (Is 35,5). E noutra profecia, contida
aliás na 1ª Leitura de hoje: «Livres da escuridão e das trevas, os olhos dos
cegos verão» (Is 29,18). Os dois do
Evangelho confiam em Jesus e seguem-No à procura de luz para os seus olhos.
E
por que motivo, irmãos e irmãs, confiam em Jesus estas duas pessoas? Porque
percebem que Ele, na escuridão da história, é a luz que ilumina as noites do
coração e do mundo, derrota as trevas e vence toda a cegueira. Como sabemos,
também nós trazemos a cegueira no coração. Também nós, como os dois cegos,
somos caminhantes muitas vezes imersos nas trevas da vida. A primeira coisa a
fazer é ir ter com Jesus, como Ele próprio nos pede: «Vinde a Mim, todos os que
estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11,28).
E quem dentre nós não está de alguma forma cansado e oprimido? Todos.
Todavia sentimos relutância a encaminhar-nos para Jesus; muitas vezes
preferimos ficar fechados em nós mesmos, ficar sozinhos com as nossas trevas,
lamentar-nos um pouco da nossa sorte, aceitando a má companhia da tristeza.
Jesus é o médico: só Ele - a luz verdadeira que a todo o homem ilumina (cf. Jo 1,9) - nos dá em
abundância luz, calor, amor. Só Ele liberta o coração do mal. Podemos
interrogar-nos: fecho-me na escuridão da melancolia, que seca as fontes da
alegria, ou vou ter com Jesus apresentando-Lhe a minha vida? Sigo Jesus, vou
atrás d’Ele, clamo para Ele as minhas necessidades, entrego-Lhe as minhas
amarguras? Façamo-lo; demos a Jesus a possibilidade de nos curar o coração.
Este é o primeiro passo; a cura interior requer mais dois.
O
segundo é suportar, juntos, as feridas. Nesta narração evangélica,
não temos a cura só de um cego, como por exemplo nos casos de Bartimeu (cf. Mc 10,46-52) ou do
cego de nascença (cf. Jo 9,1-41).
Aqui, os cegos são dois. Vão juntos pela estrada. Juntos, partilham a pena da
sua condição, juntos desejam uma luz que possa acender um clarão no coração das
suas noites. O texto que ouvimos está sempre no plural, porque os dois fazem
tudo juntos: ambos seguem Jesus, ambos clamam para Ele e pedem a cura; não cada
um para si mesmo, mas juntos. É significativo ouvi-los dizer a Cristo: Tem
misericórdia de nós. Usam «nós»; não dizem «de mim». Não pensa cada qual na
própria cegueira, mas pedem ajuda juntos. Eis o sinal eloquente da vida cristã,
eis o traço distintivo do espírito eclesial: pensar, falar, agir como um «nós»,
saindo do individualismo e da pretensão de autossuficiência que fazem adoecer o
coração.
Os
dois cegos ensinam-nos tanto com a partilha das suas tribulações e a sua
amizade fraterna. Cada um de nós está de algum modo cego por causa do pecado,
que nos impede de «ver» Deus como Pai e os outros como irmãos. O que faz o
pecado é desvirtuar a realidade: faz-nos ver Deus como patrão e os outros como
problemas. É a obra do tentador, que falsifica as coisas e tende a mostrá-las a
nós sob uma luz negativa, para nos lançar no desconforto e na amargura. E a má
tristeza, que é perigosa e não vem de Deus, aninha-se bem na solidão. Por isso
não se pode enfrentar a escuridão sozinho. Se levarmos sozinhos as nossas
cegueiras interiores, somos sufocados. Precisamos colocar-nos um ao lado do
outro, partilhar as feridas, enfrentar juntos a estrada.
Queridos
irmãos e irmãs, perante toda a escuridão pessoal e os desafios que enfrentamos
na Igreja e na sociedade, somos chamados a renovar a fraternidade. Se
permanecermos divididos entre nós, se cada um pensar apenas em si mesmo ou no
seu grupo, se não nos relacionarmos, não dialogarmos, não caminharmos unidos,
não poderemos curar-nos plenamente da cegueira. A cura verifica-se quando
carregamos juntos as feridas, quando enfrentamos juntos os problemas, quando
nos ouvimos e conversamos. E esta é a graça de viver em comunidade,
de compreender o valor de estar juntos, de estar em comunidade. Peço, para vós,
que possais estar sempre juntos, viver sempre unidos e prosseguir jubilosamente
assim: irmãos cristãos, filhos do único Pai. E peço-o também para mim.
E
eis o terceiro passo: anunciar o Evangelho com alegria. Depois de
terem sido curados juntos por Jesus, os dois anônimos protagonistas do Evangelho,
em quem nos podemos espelhar, começam a propagar a notícia por toda a região, a
falar disso por todo o lado. Há um pouco de ironia no caso: Jesus
recomendara-lhes que não dissessem nada a ninguém, mas eles fazem exatamente o
contrário (cf. Mt 9,30-31).
No entanto, compreende-se da narração que não é intenção deles desobedecer ao
Senhor; simplesmente não conseguem conter o entusiasmo de terem sido curados, a
alegria pelo que viveram no encontro com Ele. E aqui está outro sinal
distintivo do cristão: a alegria do Evangelho, que é irreprimível, «enche o
coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus» (Exortação Apostólica Evangelii
gaudium, n. 1); a alegria do Evangelho livra do risco de uma fé intimista,
sisuda e lamurienta, e introduz no dinamismo do testemunho.
Caríssimos,
é bom ver-vos e verificar que viveis com alegria o anúncio libertador do
Evangelho. Agradeço-vos por isso. Não se trata de proselitismo (por favor,
nunca façamos proselitismo), mas de testemunho; nem de um moralismo que condena
(não, não façamos isto), mas de misericórdia que abraça; nem de culto exterior,
mas de amor vivido. Encorajo-vos a prosseguir por este caminho: como os dois
cegos do Evangelho, renovemos também nós o encontro com Jesus e saiamos de nós mesmos
sem medo para O testemunhar a quantos encontramos. Saiamos levando a luz que
recebemos, saiamos iluminando a noite que frequentemente nos rodeia. Irmãos e
irmãs, há necessidade de cristãos iluminados, mas sobretudo luminosos,
que toquem com ternura a cegueira dos irmãos; que acendam, com gestos e
palavras de consolação, luzes de esperança na escuridão. Cristãos que plantem
rebentos de Evangelho nos campos áridos da vida quotidiana, levem carícias às
solidões do sofrimento e da pobreza.
Irmãos,
irmãs, o Senhor Jesus passa... passa também pelas nossas estradas de Chipre,
escuta o clamor das nossas cegueiras, quer tocar os nossos olhos, quer tocar o
nosso coração, fazer-nos abrir à luz, renascer, levantar-nos interiormente:
isto é o que Jesus quer fazer. E dirige também a nós a pergunta que fez àqueles
cegos: «Credes que tenho poder para fazer isso?» (Mt 9,28). Cremos
que Jesus possa fazer isso? Renovemos a nossa confiança n’Ele. Digamos-Lhe:
Jesus, acreditamos que a vossa luz é maior do que qualquer uma das nossas trevas;
cremos que Vós podeis curar-nos, que Vós podeis renovar a nossa fraternidade,
que podeis multiplicar a nossa alegria; e, com toda a Igreja, Vos invocamos
todos juntos: Vinde, Senhor Jesus! [Todos repetem: «Vinde, Senhor
Jesus!»] Vinde, Senhor Jesus! [Todos: «Vinde, Senhor Jesus!»] Vinde,
Senhor Jesus!
Fonte: Santa Sé.
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