Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Iraque
Santa Missa do III Domingo da Quaresma (Ano B)
Homilia do Santo Padre
Estádio Franso Hariri, Erbil
Domingo, 07 de março de 2021
São Paulo lembrou-nos que «Cristo é
poder e sabedoria de Deus» (1Cor 1,24). Jesus revelou este
poder e esta sabedoria sobretudo através da misericórdia e do perdão. Não o
quis fazer com demonstrações de força ou impondo do alto a sua voz, nem com
longos discursos ou exibições de ciência incomparável. Fê-lo dando a sua vida
na cruz. Revelou a sua sabedoria e poder divino mostrando-nos, até ao fim, a
fidelidade do amor do Pai; a fidelidade do Deus da Aliança, que fez sair o seu
povo da escravidão e guiou-o pelo caminho da liberdade (cf. Ex 20,1-2).
Como é fácil cair na armadilha de
pensar que temos de demonstrar aos outros que somos fortes, que somos sábios;
na armadilha de construirmos imagens falsas de Deus, que nos deem segurança (cf. Ex 20,4-5)! Na
realidade, é o contrário. Todos nós precisamos do poder e da sabedoria de Deus
revelada por Jesus na cruz. No Calvário, ofereceu ao Pai as feridas pelas quais
fomos curados (cf. 1Pd 2,24).
Aqui, no Iraque, quantos dos vossos irmãos e irmãs, amigos e concidadãos
carregam as feridas da guerra e da violência, feridas visíveis e invisíveis! A
tentação é responder a estes e outros fatos dolorosos com uma força humana, com
uma sabedoria humana. Jesus, ao contrário, mostra-nos o caminho de Deus, aquele
que Ele mesmo percorreu e por onde nos chama a segui-Lo.
No Evangelho que acabamos de escutar (Jo 2,13-25)
vemos como Jesus expulsou do Templo de Jerusalém os cambistas e todos os que
compravam e vendiam. Porque é que Jesus realizou este ato tão forte, tão
provocador? Fê-lo porque o Pai O enviou para purificar o templo: não só aquele
de pedra, mas sobretudo o do nosso coração. Como Jesus não tolerou que a casa
de seu Pai se tornasse um mercado (cf. Jo 2,16),
assim deseja que o nosso coração não seja um lugar de turbulência, desordem e
confusão. O coração deve ser limpo, posto em ordem, purificado. De quê? Das falsidades
que o sujam, das simulações da hipocrisia. Todos nós as temos. São doenças que
fazem mal ao coração, que mancham a vida, tornam-na hipócrita. Precisamos ser
purificados das nossas seguranças falaciosas, que trocam a fé em Deus pelas
coisas que passam, pelas conveniências do momento. Precisamos que sejam
varridas do nosso coração e da Igreja as nefastas sugestões do poder e do
dinheiro. Para limpar o coração, precisamos sujar as mãos: sentirmo-nos
responsáveis e não ficarmos parados enquanto sofrem o irmão e a irmã. Mas como
purificar o coração? Sozinhos, não somos capazes; temos necessidade de Jesus.
Ele tem o poder de vencer os nossos males, curar as nossas doenças, restaurar o
templo do nosso coração.
Para confirmação disto mesmo e como
sinal da sua autoridade, disse: «Destruí este templo, e em três dias Eu o
levantarei» (Jo 2,19). Jesus Cristo,
e só Ele, pode purificar-nos das obras do mal, Ele que morreu e ressuscitou,
Ele que é o Senhor! Queridos irmãos e irmãs, Deus não nos deixa morrer no nosso
pecado. Mesmo quando Lhe voltamos as costas, nunca nos abandona a nós próprios.
Procura-nos, vai atrás de nós para nos chamar ao arrependimento e purificar.
«Por minha vida - diz o Senhor pela boca de Ezequiel -, não tenho prazer na
morte do ímpio, mas sim na sua conversão a fim de que tenha a vida» (Ez 33,11). O Senhor quer que sejamos
salvos e nos tornemos templo vivo do seu amor, na fraternidade, no serviço e na
misericórdia.
Jesus não só nos purifica dos nossos
pecados, mas torna-nos também participantes do seu próprio poder e sabedoria.
Liberta-nos de um modo de entender a fé, a família, a comunidade que divide,
contrapõe e exclui, para podermos construir uma Igreja e uma sociedade abertas
a todos e solícitas pelos nossos irmãos e irmãs mais necessitados. E ao mesmo
tempo revigora-nos para sabermos resistir à tentação de procurar vingança, que
nos mergulha numa espiral de retaliações sem fim. Com a força do Espírito
Santo, envia-nos, não para fazer proselitismo, mas como seus discípulos
missionários, homens e mulheres chamados a testemunhar que o Evangelho tem o
poder de mudar a vida. O Ressuscitado torna-nos instrumentos da paz de Deus e
da sua misericórdia, artífices pacientes e corajosos de uma nova ordem social.
Assim, pela força de Cristo e do seu Espírito, acontece o que o Apóstolo Paulo
profetiza aos coríntios: «O que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que
os homens e, o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens» (1Cor 1,25).
Comunidades cristãs formadas por pessoas humildes e simples tornam-se sinal do
Reino que vem, Reino de amor, justiça e paz.
«Destruí este templo, e em três dias Eu
o levantarei» (Jo 2,19). Falava do templo do seu corpo e, por
conseguinte, também da sua Igreja. O Senhor promete que pode, com o poder da
sua Ressurreição, fazer-nos ressurgir a nós e às nossas comunidades das ruínas
causadas pela injustiça, a divisão e o ódio. É a promessa que celebramos nesta
Eucaristia. Com os olhos da fé, reconhecemos a presença do Senhor crucificado e
ressuscitado no meio de nós, aprendemos a acolher a sua sabedoria libertadora,
a repousar nas suas chagas e a encontrar cura e força para servir o seu Reino
que vem ao nosso mundo. Pelas suas feridas, fomos curados (cf. 1Pd 2,24); nas suas chagas, amados irmãos e
irmãs, encontramos o bálsamo do seu amor misericordioso; porque Ele, Bom
Samaritano da humanidade, deseja ungir cada ferida, curar cada recordação
dolorosa e inspirar um futuro de paz e fraternidade nesta terra.
A Igreja no Iraque, com a graça de
Deus, fez e continua a fazer muito para proclamar esta sabedoria maravilhosa da
cruz, espalhando a misericórdia e o perdão de Cristo especialmente junto dos
mais necessitados. Mesmo no meio de grande pobreza e tantas dificuldades,
muitos de vós oferecestes generosamente ajuda concreta e solidariedade aos
pobres e atribulados. Este é um dos motivos que me impeliu a vir em
peregrinação até junto de vós, ou seja, para vos agradecer e confirmar na fé e
no testemunho. Hoje, posso ver e tocar com a mão que a Igreja no Iraque está
viva, que Cristo vive e age neste seu povo santo e fiel.
Amados irmãos e irmãs, confio cada um
de vós, as vossas famílias e as vossas comunidades à proteção materna da Virgem
Maria, que foi associada à paixão e à morte do seu Filho e participou na alegria
da sua ressurreição. Interceda por nós e nos conduza até Ele, poder e
sabedoria de Deus.
Saudação no final da Eucaristia:
Saúdo com afeto Sua Santidade Mar
Gewargis III, Catholicos-Patriarca da Igreja Assíria do Oriente, que reside
nesta cidade e nos honra com a sua presença. Obrigado! Obrigado, querido Irmão!
Juntamente com ele, abraço os cristãos das várias Confissões: muitos dos seus
membros derramaram o sangue aqui sobre a mesma terra! Mas os nossos mártires
resplandecem juntos, estrelas no mesmo céu! Lá de cima pedem-nos para
caminharmos juntos, decididamente, rumo à plenitude da unidade.
No final desta celebração, agradeço ao
Arcebispo D. Bashar Matti Warda, bem como a D. Nizar Semaan e aos outros meus
irmãos Bispos, que tanto trabalharam para esta viagem. Agradeço a todos vós que
a preparastes, acompanhastes com a oração e me acolhestes com afeto. Saúdo
particularmente a querida população curda. Expresso o meu vivo reconhecimento
ao governo e às autoridades civis pela sua contribuição indispensável; e
agradeço a todos aqueles que colaboraram das mais variadas formas para a
organização de toda a viagem no Iraque, às autoridades iraquianas - todas - e
aos inúmeros voluntários. Obrigado a todos!
Nestes dias que passei no vosso meio,
ouvi vozes de sofrimento e angústia, mas ouvi também vozes de esperança e
consolação. E isto se fica a dever, em grande parte, àquela incansável obra de
bem-fazer que se tornou possível graças às instituições religiosas das várias
Confissões, graças às vossas Igrejas locais e às várias organizações
caritativas, que assistem o povo deste país na obra de reconstrução e
renascimento social. Em particular, agradeço aos membros da ROACO e às agências
que representam.
Agora, aproxima-se o momento de voltar
para Roma. Mas o Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos vós,
queridos irmãos e irmãs, que trabalheis juntos e unidos por um futuro de paz e
prosperidade que não deixe ninguém para trás nem discrimine ninguém.
Asseguro-vos as minhas orações por este amado país. De modo particular, rezo
para que os membros das várias comunidades religiosas, juntamente com todos os
homens e mulheres de boa vontade, cooperem para forjar laços de fraternidade e
solidariedade ao serviço do bem e da paz. Salam, salam, salam!
Shukrán [Paz, paz, paz! Obrigado]! Deus abençoe a todos! Deus abençoe
o Iraque! Allah ma’akum [Ficai com Deus]!
Fonte: Santa Sé.
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