Hoje, 19 de fevereiro, é a primeira sexta-feira da Quaresma deste ano de 2021. Também hoje completa 90 anos o Cardeal Camillo Ruini, Vigário Geral Emérito da Diocese de Roma.
Portanto, publicaremos aqui as meditações que o Cardeal Ruini escreveu para a Via Sacra presidida pelo Papa Bento XVI na Sexta-feira Santa de 2010:
Departamento para as
Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
Via-Sacra no Coliseu presidida pelo Santo Padre Bento XVI
Sexta-Feira Santa de 2010
Meditações do Cardeal Camillo Ruini,
Vigário Geral Emérito da Diocese de Roma
Canto inicial:
R. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam Crucem tuam redemisti mundum.
1. Per lignum servi
facti sumus, et per sanctam Crucem liberati sumus. R.
2. Fructus arboris
seduxit nos, Filius Dei redemit nos. R.
Quando o Apóstolo Filipe lhe pediu: “Senhor, mostra-nos o
Pai”, Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces...?
Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,8-9). Nesta noite, enquanto em nosso coração
acompanhamos a Jesus que caminha com a cruz, não nos esqueçamos destas suas
palavras. Mesmo quando carrega a cruz, mesmo quando morre na cruz, Jesus é o
Filho que é um só com Deus Pai. Vendo a sua face destruída pelos golpes, pela
fadiga, pelo sofrimento interior, contemplamos a face do Pai. Antes, justamente
neste momento, a glória de Deus, a sua luz demasiado forte para todo olho
humano, faz-se ainda mais visível na face de Jesus. Aqui, neste pobre ser que
Pilatos mostrou aos judeus, na esperança de induzi-los à piedade, com as
palavras “Eis o homem!” (Jo 19,5), manifesta-se a verdadeira grandeza de Deus,
aquela grandeza misteriosa que nenhum homem podia imaginar.
Porém, em Jesus crucificado, se revela também outra
grandeza: a nossa grandeza, a grandeza que pertence a cada homem pelo simples
fato de ter uma face e um coração humano. Escreve Santo Antônio de Pádua:
“Cristo, que é a tua vida, está suspenso diante de ti, para que tu olhes para a
cruz como num espelho... se olhares para Ele, poderás perceber como são grandes
a tua dignidade... e o teu valor.... Em nenhum outro lugar, o homem pode
perceber melhor quanto ele vale do que contemplando-se no espelho da cruz” (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214). Sim, Jesus, o Filho
de Deus, morreu por ti, por mim, por cada um de nós, e assim nos deu a prova
concreta de quão grandes e preciosos nós somos aos olhos de Deus, os únicos
olhos que superam todas as aparências e veem até ao fundo a realidade das
coisas.
Participando na Via-sacra, pedimos a Deus que nos conceda
também a nós este seu olhar de verdade e amor, para nos tornarmos, unidos a
ele, livres e bons.
Bento XVI carrega a cruz na Via Sacra (Note-se o Cardeal Ruini atrás do Papa) |
Santo Padre: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
R. Amém.
Santo Padre: Oremos
Senhor, Deus Pai onipotente, Vós sabeis tudo: vedes a enorme necessidade de vós que se esconde no nosso coração. Dai a cada um de nós a humildade de reconhecer esta necessidade. Libertai a nossa inteligência da pretensão, errada e um pouco ridícula, de poder dominar o mistério que nos envolve por todas as partes. Libertai a nossa vontade da presunção, igualmente ingênua e infundada, de poder construir sozinhos a nossa felicidade e o sentido da nossa vida. Tornai penetrante e sincero o nosso olhar interior, para poder reconhecer, sem hipocrisia, o mal que está dentro de nós. Mas dai-nos também, na luz da Cruz e da Ressurreição do vosso único Filho, a certeza de que, unidos e sustentados por Ele, poderemos também nós vencer o mal com o bem. Senhor Jesus, ajudai-nos a caminhar com este ânimo atrás da vossa cruz.
R. Amém.
I Estação: Jesus é condenado à morte
V. Adoramus te, Christe,
et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,6-7.12.16)
Quando viram Jesus, os sumos sacerdotes e os guardas
começaram a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos respondeu: “Levai-o vós
mesmos para o crucificar, pois eu não encontro nele crime algum”. Os judeus
responderam: “Nós temos uma Lei, e, segundo essa Lei, ele deve morrer, porque
se fez Filho de Deus”. Por causa disto, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os
judeus gritavam: “Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que
se faz rei, declara-se contra César”. Então Pilatos entregou Jesus para ser
crucificado, e eles o levaram.
Por que motivo Jesus foi condenado à morte, Ele que “andou por toda a parte fazendo o bem” (At 10,38)? Esta pergunta nos acompanhará ao longo da Via-sacra, como nos acompanha por toda a vida.
Nos Evangelhos, encontramos uma resposta verdadeira: os chefes dos judeus quiseram a sua morte porque compreenderam que Jesus se considerava o Filho de Deus. E encontramos igualmente uma resposta que os judeus usaram como pretexto para obter de Pilatos a sua condenação: Jesus teria a pretensão de ser um rei deste mundo, o rei dos judeus.
Mas, por detrás destas respostas, se abre um abismo, sobre o qual os próprios Evangelhos e toda a Sagrada Escritura nos fazem abrir os olhos: Jesus morreu pelos nossos pecados. E, o que é mais profundo, morreu por nós, morreu porque Deus nos ama; e nos ama a ponto de dar o seu Filho unigênito, a fim de que tenhamos a vida por meio dele (cf. Jo 3,16-17).
Portanto, é para nós mesmos que devemos olhar: para o mal e o pecado que vivem dentro de nós e que demasiadas vezes fingimos de ignorar. Mas, ainda mais, devemos volver o nosso olhar para Deus, rico de misericórdia, que nos chamou amigos (cf. Jo 15,15). Assim, o caminho da Via-sacra e todo o caminho da vida tornam-se um itinerário de penitência, dor e conversão, mas também de gratidão, fé e alegria.
Pater noster...
II Estação: Jesus é carregado com a Cruz
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,27-31)
Então, os soldados do governador levaram Jesus consigo para
o Pretório e reuniram junto d’Ele toda a companhia. Depois de O terem despido, O
envolveram em um manto encarnado. Teceram uma coroa de espinhos, que Lhe
puseram na cabeça, e, na mão direita, colocaram-Lhe uma cana. Ajoelharam-se
diante d’Ele e escarneceram dizendo: “Salve, ó rei dos Judeus!” Depois,
cuspiram n’Ele e pegaram na cana e puseram-se a bater-Lhe com ela na cabeça. No
fim de O terem escarnecido, despiram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e
O levaram para crucificar.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,17)
E Jesus, carregando a Cruz, saiu para o lugar chamado
“Calvário”, em hebraico “Gólgota”.
Depois da condenação, vem a humilhação. Aquilo que os
soldados fazem com Jesus nos parece desumano. Aliás, é, sem dúvida, desumano:
são atos de escárnio e desprezo nos quais se exprime uma crueldade obscura,
insensível ao sofrimento, mesmo físico, que é infligido sem motivo a uma pessoa
já condenada ao tremendo suplício da cruz. Todavia, este comportamento dos
soldados é também, infelizmente, demasiado humano. Milhares de páginas da
história da humanidade e dos noticiários de todos os dias confirmam que ações
deste gênero não são, de fato, alheias ao homem. O Apóstolo Paulo ilustrou bem
este paradoxo: “Estou ciente que o bem não habita em mim, isto é, na minha
carne: com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero” (Rm
7,18-19).
É realmente assim: na nossa consciência está acesa a luz do
bem, uma luz que em muitos casos torna-se evidente e da qual, felizmente,
deixamo-nos guiar nas nossas decisões. Mas, frequentemente, acontece o
contrário: aquela luz fica obscurecida pelos ressentimentos, por desejos
inconfessáveis, pela perversão do coração. E assim, tornamo-nos cruéis, capazes
das piores coisas, coisas mesmo inacreditáveis.
Senhor Jesus, também eu estou entre aqueles que vos
escarneceram e bateram. É que Vós dissestes: “tudo aquilo que fizestes a um dos
menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Senhor Jesus,
perdoai-me.
Pater noster...
III Estação: Jesus cai pela primeira vez
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Livro do profeta Isaías (Is 53,4-6)
Eram os nossos males que Ele suportava, e as nossas dores
que tinha sobre Si. Mas nós víamos n’Ele um homem castigado, ferido por Deus e
sujeito à humilhação. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas, e
esmagado devido às nossas faltas. O castigo que nos salva, caiu sobre Ele, e
por causa das suas chagas é que fomos curados. Todos nós, como ovelhas,
andávamos errantes, seguindo cada qual o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre
Ele as faltas de todos nós.
Os Evangelhos não nos falam das quedas de Jesus sob a cruz,
contudo esta antiga tradição é profundamente verossímil. Lembremos apenas que,
antes de lhe ser dada a cruz para carregar, Jesus tinha sido flagelado a mando
de Pilatos. Depois de tudo o que passara a partir da noite no Horto das Oliveiras,
as suas forças deviam estar praticamente exauridas.
Antes de nos determos nos aspectos mais profundos e
interiores da Paixão de Jesus, concentremo-nos na dor física que ele teve que
suportar. Uma dor enorme e tremenda, até ao último suspiro na cruz, uma dor que
provoca medo.
A dor física é a mais fácil de vencer, ou pelo menos de
atenuar, com as nossas técnicas e métodos atuais, com anestesias e outras
terapias da dor. Ainda assim, devido a muitas causas, naturais ou resultantes
de comportamentos humanos, uma gigantesca massa de sofrimento físico permanece
no mundo.
De qualquer forma, Jesus não rejeitou a dor física e assim
se fez solidário com toda a família humana, especialmente com uma grande parte
desta, cuja vida, hoje em dia, está marcada por esta forma de dor. Enquanto o
vemos cair sob a cruz, peçamos-lhe humildemente a coragem de alargar, com uma
solidariedade feita não só de palavras, os espaços demasiado estreitos do nosso
coração.
Pater noster...
IV Estação: Jesus encontra sua Mãe
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,25-27)
Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da
sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado
dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”.
Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Dessa hora em diante, o
discípulo a acolheu consigo.
Nos Evangelhos não se fala diretamente de um encontro de Jesus
com a sua Mãe durante o caminho da cruz, mas da presença de Maria junto da
cruz. E lá Jesus se dirige a ela e ao discípulo predileto, o evangelista João.
As suas palavras têm um sentido imediato: confiar Maria a João, para que cuide
dela. E um sentido muito mais amplo e profundo: junto da cruz, Maria é chamada
a dizer um segundo “sim”, depois do sim da Anunciação, com o qual se tornara
Mãe de Jesus, abrindo assim a porta à nossa salvação.
Com este segundo “sim”, Maria torna-se mãe de todos nós, de
cada homem e de cada mulher, pelos quais Jesus derramou o seu sangue. Uma
maternidade que é sinal vivo do amor e da misericórdia de Deus por nós. Por
isso os vínculos de afeto e confiança que unem o povo cristão a Maria são tão
profundos e fortes; por isso recorremos espontaneamente a ela, sobretudo nas
circunstâncias mais difíceis da vida.
Maria, porém, pagou a caro preço esta sua maternidade
universal. Como lhe profetizou Simeão no tempo de Jerusalém, “quanto a ti, uma
espada te traspassará a alma” (Lc 2,35).
Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe, ajudai-nos a experimentar
nas nossas almas, nesta noite e sempre, aquele sofrimento cheio de amor que vos
uniu à cruz do vosso Filho.
Pater noster...
V Estação: Jesus é ajudado por Simão Cireneu a levar a Cruz
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,26)
Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene,
que voltava do campo, e mandaram-no carregar a cruz atrás de Jesus.
Jesus devia estar verdadeiramente esgotado, e os soldados
remediam a situação agarrando o primeiro desafortunado que encontraram,
fazendo-o carregar a cruz. Também na vida de cada dia, a cruz, sob muitas
formas diversas - desde uma doença até um grave acidente, até à perda de uma
pessoa cara ou do trabalho - se abate muitas vezes de improviso sobre nós. E
nós vemos nela somente pouca sorte ou, no pior dos casos, uma desgraça.
Mas, Jesus dissera aos seus discípulos: “Se alguém quer me
seguir, renuncie a si mesmo. Tome a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Não são
palavras fáceis; antes, na vida concreta, são as palavras mais difíceis do
Evangelho. Todo o nosso ser, tudo aquilo que existe dentro de nós, revolta-se
contra semelhantes palavras.
Todavia, Jesus continua dizendo: “Pois quem quiser salvar a
sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la” (Mt 16,25). Detenhamo-nos nas palavras “por causa de mim”: aqui
está toda a pretensão de Jesus, a consciência que tinha de si mesmo e a
exigência que nos faz. Ele está no centro de tudo, ele é o Filho de Deus que é
um só com Deus Pai (cf. Jo 10,30),
ele é o nosso único Salvador (cf. At
4,12).
Com efeito, aquilo que no início parecia somente pouca sorte
ou uma desgraça se revela depois, amiúde, uma porta que se abriu na nossa vida
e nos trouxe um bem maior. Mas, nem sempre é assim: tantas vezes, neste mundo,
as desgraças não passam de perdas dolorosas. Também aqui Jesus tem algo a
dizer-nos. Ou melhor, aconteceu algo com ele: depois da cruz, ele ressuscitou
dos mortos e ressuscitou como primogênito de muitos irmãos (cf. Rm 8,29; 1Cor 15,20). Sim, a sua
cruz não pode ser separada da sua ressurreição. Somente acreditando na
ressurreição podemos percorrer de modo sensato o caminho da cruz.
Pater noster...
VI Estação: A Verônica limpa o rosto de Jesus
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Livro do profeta Isaías (Is 53,2-3)
Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha
aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem
coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto;
tão desprezível era, não fazíamos caso dele.
Quando a Verônica limpou a face de Jesus com um lenço,
certamente aquele rosto não devia ser atraente: era uma face desfigurada.
Porém, aquele rosto não podia deixar a ninguém indiferente, aquela face
perturbava. Podia provocar escárnio e desprezo, mas também compaixão e até
mesmo amor, desejo de ir em sua ajuda. A Verônica é o símbolo destes
sentimentos.
Apesar de desfigurado, o rosto de Jesus é sempre o rosto do
Filho de Deus. É uma face desfigurada por nós, pelo enorme acúmulo da maldade
humana. Mas é também um rosto desfigurado em nosso favor, que expressa o amor e
a doação de Jesus e que é espelho da misericórdia infinita de Deus Pai.
No rosto sofredor de Jesus, vemos, ainda, outro acúmulo
gigantesco, o dos sofrimentos humanos. E assim, o gesto de piedade da Verônica
torna-se para nós uma provocação, uma solicitação urgente: torna-se a
solicitação, suave mas imperiosa, de não virarmos a cara para o lado, mas de
olharmos também nós para aqueles que sofrem, próximos e distantes. E não
somente olhar, mas ajudar. A Via-sacra desta noite não terá sido em vão se nos
levar a gestos concretos de amor e de solidariedade operativa.
Pater noster...
VII Estação: Jesus cai pela segunda vez
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Livro dos Salmos (Sl 41,6-10)
Os inimigos me desejam o mal: “Quando é que vai morrer e ser
cancelado o seu nome?” Quem vem visitar-me diz mentira, seu coração acumula
maldade e saindo fora fala mal. Juntos murmuram contra mim os meus inimigos,
prevendo o mal para mim: “Uma doença ruim caiu sobre ele, de onde está deitado
não vai levantar-se”. Até o amigo em que eu confiava, também aquele que comia
do meu pão, levanta contra mim o seu calcanhar.
Jesus cai de novo sob a cruz. É verdade que estava esgotado
fisicamente, mas estava mortalmente ferido também no seu coração. Pesava sobre
ele a rejeição daqueles que, desde o início, tinham se oposto obstinadamente
contra a sua missão. Pesava a rejeição que, ao final, tinha-lhe demonstrado o
povo que parecia cheio de admiração e até entusiasmo por ele. Por isso, vendo a
cidade santa que tanto amava, Jesus exclamara: “Jerusalém, Jerusalém... quantas
vezes eu quis reunir teus filhos como uma galinha reúne seus pintainhos debaixo
das asas, mas não quiseste!” (Mt 23,37). Pesava terrivelmente a traição de
Judas, o abandono dos discípulos no momento da prova suprema, pesava
particularmente a tríplice negação de Pedro.
Sabemos bem que pesava igualmente sobre ele a massa
inumerável dos nossos pecados, das culpas que acompanham toda a história humana
através dos milênios.
Por isso, peçamos a Deus, com humildade, mas também com
confiança: Pai rico de misericórdia, ajudai-nos a não tornar ainda mais pesada
a cruz de Jesus. Com efeito, como escreveu João Paulo II: “O limite imposto ao
mal, do qual o homem é artífice e vítima, é, em definitivo, a Misericórdia
Divina” (Memória e identidade, p.
70).
Pater noster...
VIII Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém que choram por
Ele
V. Adoramus te, Christe,
et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo Lucas (Lc 23,27-29.31)
Seguia-O grande massa de povo e mulheres que batiam no peito
e se lamentavam por Ele. Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: “Mulheres
de Jerusalém, não choreis por Mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos
filhos. Pois dias virão em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, as entranhas que
não tiveram filhos e os peitos que não amamentaram’. Porque, se fazem assim no
madeiro verde, que será no madeiro seco?”.
Vemos que é Jesus que tem compaixão das mulheres de
Jerusalém e de todos nós. Mesmo enquanto carrega a cruz, Jesus continua sendo o
homem que tem compaixão das multidões (cf.
Mc 8,2), que chora diante da tumba de Lázaro (cf. Jo 11,35), que proclama bem-aventurados os que choram, porque
serão consolados (cf. Mt 5,4).
É justamente assim que Jesus mostra ser o único que
verdadeiramente conhece o coração de Deus Pai e pode dar a conhecê-lo também a
nós: “Ninguém conhece o Pai, senão o filho e aquele a quem o filho o quiser
revelar” (Mt 11,27).
Desde os tempos mais remotos, a humanidade se questionou,
frequentemente com angústia, sobre qual fosse a verdadeira atitude de Deus para
conosco: uma atitude de solicitude providencial ou, ao invés, de soberana
indiferença, ou mesmo de ira e ódio? A uma questão desde gênero, não podemos
dar uma resposta certa somente com os recursos da nossa inteligência, da nossa
experiência e mesmo do nosso coração.
Por isso Jesus - a sua vida e a sua palavra, a sua Cruz e a
sua Ressurreição - é, de longe, a realidade mais importante de toda a história
da humanidade, a luz que brilha sobre o nosso destino.
Pater noster...
IX Estação: Jesus cai pela terceira vez
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 5,19-21)
Em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando
aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação. (...)
Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. Aquele
que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos
tornemos justiça de Deus.
Eis aqui o motivo mais profundo das repetidas quedas de
Jesus: não somente os sofrimentos físicos, não somente as traições humanas, mas
a vontade do Pai. Aquela vontade misteriosa e humanamente incompreensível, mas
infinitamente boa e generosa, pela qual Jesus se fez “pecado por nós”; para Ele
foram transferidas todas as culpas da humanidade, cumprindo aquela misteriosa
troca que faz de nós, pecadores, “justiça de Deus”.
Enquanto procuramos nos identificar com Jesus que caminha e
cai sob a cruz, é justo que experimentemos em nós sentimentos de arrependimento
e de dor. Contudo, ainda mais forte deve ser a gratidão que invade a nossa
alma.
Sim, ó Senhor, vós nos resgatastes, nos libertastes; com a
vossa cruz, nos fizestes justos diante de Deus. Antes, nos unistes tão intimamente
a vós que fizestes também de nós, em vós, os filhos de Deus, os seus familiares
e amigos. Obrigado, Senhor, fazei que a gratidão para convosco seja a
característica predominante da nossa vida.
Pater noster...
X Estação: Jesus é despojado das suas vestes
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,23-24)
Ao crucificarem Jesus, os soldados ficaram-Lhe com as
vestes, das quais fizeram quatro lotes, um para cada soldado, e ficaram também
com a túnica. A túnica era sem costura, tecida de alto a baixo como um todo.
Disseram, pois, entre si: “Não a rasguemos, vamos tirá-la à sorte, para ver de
quem será”. Assim se cumpria a Escritura: “Repartiram entre si as minhas
vestes, e tiraram à sorte a minha túnica”.
Jesus é despojado de suas vestes: estamos no ato final
daquele drama, iniciado com a prisão no Horto das Oliveiras; agora Jesus é
despojado da sua dignidade de homem, antes mesmo da de Filho de Deus.
Jesus, deste modo, é apresentado despido à vista do povo de
Jerusalém e à vista de toda humanidade. Num sentido profundo, é justo que seja
assim: de fato, Ele se despojou completamente de si mesmo, para sacrificar-se
por nós. Por isso, o gesto de despojá-lo das vestes é também o cumprimento de
uma palavra da Sagrada Escritura.
Vendo Jesus despido na cruz, percebemos dentro de nós uma
necessidade imperativa: olhar sem véus para dentro de nós mesmos; despir-nos
espiritualmente diante de nós, mas, ainda antes, diante de Deus e mesmo diante
dos nossos irmãos na humanidade. Despir-nos da pretensão de aparecer melhor do
que somos, procurando, ao invés, ser sinceros e transparentes.
De fato, o comportamento que causava, talvez mais do que
qualquer outro, a indignação de Jesus era a hipocrisia. Quantas vezes disse aos
seus discípulos: não façais “como fazem os hipócritas” (Mt 6,2.5.16); ou
àqueles que contestavam as suas boas obras: “Ai de vós, hipócritas” (Mt
23,13.15.23.25.27.29).
Senhor Jesus, despido na cruz, ajudai-me a estar também eu
despido diante de vós.
Pater noster...
XI Estação: Jesus é pregado na Cruz
V. Adoramus te, Christe,
et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo Marcos (Mc 15,25-27)
Eram nove horas da manhã quando o crucificaram. O letreiro
com o motivo da condenação dizia: “O Rei dos Judeus!”. Com ele crucificaram dois
ladrões, um à direita e outro à esquerda.
Jesus é pregado na cruz. Uma tortura tremenda. E enquanto
está suspenso na cruz, muitos são aqueles que o escarnecem e provocam: “A
outros salvou... a si mesmo não pode salvar! Confiou em Deus; que o livre agora,
se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus” (Mt 27,42-43).
Assim foi escarnecida não somente a sua pessoa, mas também a sua missão de
salvação, aquela missão que Jesus estava levando a cumprimento precisamente na
cruz.
Mas, no seu íntimo, Jesus conhece um sofrimento
incomparavelmente maior, que lhe faz irromper num grito: “Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonastes?” (Mc 15,34). Trata-se, é verdade, das palavras do
início de um Salmo, que se conclui com a reafirmação da plena confiança em
Deus. E, todavia, são palavras para levar-se totalmente a sério, que exprimem a
maior prova a qual Jesus esteve submetido.
Quantas vezes, no meio de uma provação, pensamos que fomos
esquecidos ou abandonados por Deus. Ou somos tentados a concluir que Deus não
existe.
O Filho de Deus, que bebeu até ao fundo o seu cálice amargo
e, depois, ressuscitou dos mortos, nos diz, ao invés, com todo o seu ser, com a
sua vida e a sua morte, que devemos confiar em Deus. Nele podemos crer.
Pater noster...
XII Estação: Jesus morre na Cruz
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo João (Jo 19,28-30)
Jesus, sabendo que tudo estava consumado, e para que a
Escritura se cumprisse até o fim, disse: “Tenho sede”. Havia ali uma jarra
cheia de vinagre. Amarraram numa vara uma esponja embebida de vinagre e
levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está consumado”.
E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Quando a morte chega, depois de uma dolorosa enfermidade,
costuma-se dizer com alívio: “parou de sofrer”. Em certo sentido, estas palavras
valem também para Jesus. Mas são palavras extremamente limitadas e superficiais
frente à morte de qualquer homem, ainda mais frente à morte daquele homem que é
o Filho de Deus.
Com efeito, quando Jesus morre, o véu do templo de Jerusalém
se rasga em dois e seguem-se outros sinais, que fazem o centurião romano, que
estava de guarda à cruz, exclamar: “Ele era mesmo o Filho de Deus” (cf. Mt 27,51-54).
Na realidade, nada é tão escuro e misterioso como a morte do
Filho de Deus, que junto com Deus Pai é a fonte e plenitude da vida. Mas também
nada é tão luminoso, porque aqui refulge a glória de Deus, a glória do Amor
onipotente e misericordioso.
Diante da morte de Jesus, a nossa resposta é o silêncio da
adoração. Assim nos entregamos a Ele, colocamo-nos em suas mãos, pedindo-lhe
que nada, tanto na nossa vida como na nossa morte, possa nos separar jamais
dele (cf. Rm 8,38-39).
Pater noster...
XIII Estação: Jesus é descido da Cruz e entregue a sua Mãe
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo João (Jo 2,1-5)
Houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus
estava presente. Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o
casamento. Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm
mais vinho”. Jesus respondeu-lhe: “Mulher, porque dizes isto a mim? Minha hora
ainda não chegou”. Sua mãe disse aos que estavam servindo: “Fazei o que ele vos
disser”.
Agora a hora de Jesus se cumpriu e Jesus é descido da cruz. Prontos
a acolhê-lo estão os braços de sua Mãe. Depois de ter provado profundamente a
solidão da morte, Jesus logo encontra - no seu corpo inerte - o mais forte e
doce dos seus laços humanos, o calor do afeto da sua Mãe. Os maiores artistas,
pensemos na “Pietá” de Michelangelo, souberam intuir e exprimir a profundidade
e a consistência indestrutível deste laço.
Lembrando que Maria, aos pés da cruz, tornou-se também mãe
de cada um de nós, pedimos-lhe que coloque no nosso coração os sentimentos que
a unem a Jesus. De fato, para sermos verdadeiramente cristãos, para podermos
seguir autenticamente Jesus, é necessário estar ligados a Ele com tudo aquilo
que existe dentro de nós: a mente, a vontade, o coração, as nossas pequenas e
grandes escolhas diárias.
Somente assim Deus poderá estar no centro da nossa vida e
não reduzir-se a uma consolação que deveria estar sempre disponível, mas sem
interferir com os interesses concretos que estão na base da nossa atividade.
Pater noster...
XIV Estação: Jesus é depositado no sepulcro
V. Adoramus te,
Christe, et benedicimus tibi.
R. Quia per sanctam
crucem tuam redemisti mundum.
Do Evangelho segundo Mateus (Mt 27,57-60)
Ao entardecer, veio um homem rico de Arimateia, chamado
José, que também se tornara discípulo de Jesus. Ele foi procurar Pilatos e
pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe entregassem o corpo. José,
tomando o corpo, envolveu-o num lençol limpo, e o colocou em um túmulo novo, que
havia mandado escavar na rocha. Em seguida, rolou uma grande pedra para fechar
a entrada do túmulo, e retirou-se.
Com a pedra que fecha a entrada do túmulo tudo parece
verdadeiramente terminado. Porém, poderia permanecer prisioneiro da morte o
Autor da vida? Por isso, desde então até hoje, o túmulo de Jesus tornou-se não
apenas o objeto da mais sentida devoção, mas também provocou a mais profunda
divisão das inteligências e dos corações: aqui se separa o caminho entre
aqueles acreditam em Cristo e aqueles que, ao invés, não creem n’Ele, mesmo se
frequentemente o consideram um homem maravilhoso.
Com efeito, bem depressa aquele túmulo ficou vazio e jamais
foi possível encontrar uma explicação convincente do por que tenha ficado
vazio, para além daquela que deram as testemunhas de Jesus Ressuscitado dos
mortos, de Maria Madalena até Pedro e aos outros Apóstolos.
Diante do túmulo de Jesus, detenhamo-nos em oração, pedindo
a Deus àqueles olhos da fé que permitam nos unir às testemunhas da sua Ressurreição.
Assim, o caminho da cruz torna-se fonte de vida também para nós.
Pater noster...
Discurso do Santo Padre
Bênção Apostólica:
V. Dominus vobiscum.
R.
Et cum spiritu tuo.
V. Sit nomen Domini benedictum.
R. Ex hoc nunc et usque in saeculum.
V. Adiutorium nostrum
in nomine Domini.
R. Qui fecit caelum et terram.
V. Benedicat vos
omnipotens Deus, Pater et Filius et Spiritus Sanctus.
R. Amen.
Cântico final
R. Crux fidelis, inter
omnes arbor una nobilis,
Nulla talem silva
profert, flore, fronde, germine!
Dulce lignum dulci
clavo dulce pondus sustinens.
1. Pange, lingua,
gloriosi proelium certaminis,
Et super Crucis
trophaeo dic triumphum nobilem,
Qualiter Redemptor
orbis immolatus vicerit. R.
2. De parentis
protoplasti fraude factor condolens,
Quando pomi noxialis
morte morsu corruit,
Ipse lignum tunc
notavit, damma ligni ut solveret. R.
Cardeal Camillo Ruini com o Papa Bento XVI |
Fonte: Santa Sé.
Observação sobre as imagens:
O livreto da celebração foi ilustrado com a Via Sacra elaborada por Joseph von Führich (1880-1876) para a igreja de São João Nepomuceno em Viena (Áustria). Como não encontramos imagens em boa resolução dessa obra, ilustramos nossa postagem com a Via Sacra pintada por Konrad Schmider (1859-1898) na igreja de São Sinforiano em Zell am Harmersbach (Alemanha), claramente inspirada na de Führich.
Imagens: Schwarzmälder Post
Para acessar outros modelos de meditações para a Via Sacra, confira nossa postagem sobre a história da Via Sacra presidida pelo Papa no Coliseu.
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