terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Homilia: Quarta-feira de Cinzas

São João Clímaco
Da escada, cap. 28
A maneira correta de orar

A oração, segundo sua condição e natureza, é a união do homem com Deus; mas segundo seus efeitos e operações, oração é vigia do mundo, reconciliação com Deus, mãe e filha das lágrimas, perdão dos pecados, ponte para atravessar as tentações, muro contra as tribulações, vitória das batalhas, obra dos anjos, sustento das substâncias incorpóreas, deleite da alegria vindoura, obra que não se acaba, fonte de virtudes, procuradora das graças, aproveitamento invisível, sustentáculo do espírito, luz do entendimento, coação da desesperação, argumento da fé, desterro da tristeza dos monges, tesouro dos solitários, diminuição da ira, modelo de aproveitamento, indício da medida das virtudes, manifestação de nosso estado, revelação das coisas vindouras e significação da clemência divina aos que perseverarem chorando nela. Tudo isso se diz ser a oração, porque ajuda ao homem em todas as coisas, pedindo e alcançando a caridade, a devoção e a graça, as quais nos administram todas as coisas.

A oração, para aqueles que oram corretamente, é um espiritual juízo e tribunal de Deus, que antecede o tribunal do juízo vindouro; porque ali o homem se conhece, se acusa e se julga para dispensar o juízo e a condenação de Deus, conforme disse o Apóstolo. Levantemo-nos, pois, irmãos, ouçamos esta grande auxiliadora de todas as virtudes, que com alta voz clama e diz: Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, que eu vos animarei. Tomai sobre vós o meu jugo e encontrareis descanso para vossas almas, e remédio para vossas chagas; porque meu jugo é suave, e cura o homem de grandes chagas.

Aqueles dentre nós que chegamos a falar e participar diante de nosso Deus, não façamos isso despreparados; porque fitando-nos aquele longânime e misericordioso Senhor, sem armas e sem vestes dignas de seu real acatamento, não mande a seus criados e ministros que nos desterrem de sua presença atados de mãos e pés, e nos deem em face com a negligência e interrupção de nossas orações. Quando fores apresentar-te diante da face do Senhor, procura levar a veste de tua alma costurada com o fio daquela virtude que se chama esquecimento das injúrias; porque de outra maneira nada ganharás com a oração. Seja todo o fio da oração singelo, sem multiplicação e elegância de muitas palavras, pois somente com uma se reconciliaram com Deus o publicano do Evangelho e o filho pródigo.

O estado dos que oram é um; porém, nele existe uma variedade e diferença de orações. Porque existem alguns que comparecem diante de Deus como diante de um amigo e Senhor familiar, oferecendo-lhe orações e louvores, não tanto pela sua própria salvação como pela dos outros, como fazia Moisés. Outros, por sua vez, pedem-lhe maiores riquezas, maior glória e confiança. Outros pedem com insistência para serem livres do inimigo. Alguns pedem honras e dignidades; outros, perfeita quitação de suas dívidas; outros, ser livres do cárcere desta vida; outros desejam ter como responder às acusações e objeções do divino juízo.

Diante de todas as coisas coloquemos no primeiro lugar de nossa oração - que é a entrada dela - uma sincera ação de graças; e em segundo lugar suceda a confissão e contrição dos pecados, que brote do íntimo afeto de nosso coração; e depois destas duas coisas expressemos nossas necessidades a nosso rei, e façamos-lhe nossas petições. Esta é uma boa ordem e maneira de orar, a qual foi revelada por um anjo a um dos monges.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 306-308. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Para ler uma homilia de São João Crisóstomo para esse dia, clique aqui.

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