Os instrumentos da Paixão de Cristo - a cruz, a coroa de
espinhos, os cravos... - são símbolos recorrentes na arte cristã.
No final da Idade Média, quando cresce a devoção à Paixão,
estes símbolos se tornaram muito populares, sendo conhecidos como “Arma Christi”, as armas de Cristo. Com
efeito, nos combates medievais o cavaleiro vencedor podia tomar para si as
armas do derrotado. Assim, após sua Ressurreição, Cristo “reivindica” os
instrumentos da Paixão como sinais de sua vitória sobre a morte.
É neste sentido que esses objetos aparecem em várias
representações do juízo final, sustentados por anjos: estes são como que os
“escudeiros” do Ressuscitado, carregando os sinais da sua
vitória.
Um dos exemplos mais famosos dessa composição é a série
de dez anjos que ladeiam a célebre Ponte Sant’Angelo, que conduz ao Castelo de
mesmo nome em Roma.
A Ponte Sant’Angelo
O Castelo Sant’Angelo foi construído entre 130 e 139,
originalmente como mausoléu para o Imperador Adriano e sua família. A ponte,
que liga a construção à margem esquerda do rio Tibre, foi construída em 134.
Ainda durante o Império Romano o edifício foi convertido em fortificação
militar para a defesa da cidade contra as invasões bárbaras, sendo atualmente um
museu.
A Ponte e o Castelo receberam o nome de Sant’Angelo (Santo
Anjo) em 590: durante uma procissão pedindo o fim de uma peste em Roma, o Papa
Gregório Magno teria tido uma visão de São Miguel Arcanjo sobre o castelo
guardando sua espada na bainha, indicando o final da peste.
Em 1535, no pontificado de Clemente VII, foram colocadas na
entrada da ponte as estátuas de São Pedro e São Paulo, obras, respectivamente,
de Lorenzetto e de Paolo Romano. Ao longo da ponte foram acrescentadas outras oito
estátuas: os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João) e quatro
patriarcas do Antigo Testamento (Adão, Noé, Abraão e Moisés).
São Pedro (Lorenzetto) |
São Paulo (Paolo Romano) |
Em 1669, no pontificado de Clemente IX, foi realizada uma
reforma na ponte, coordenada pelo célebre escultor e arquiteto Gian Lorenzo
Bernini. Nesta ocasião, conservando-se as estátuas dos Apóstolos Pedro e Paulo,
as oito estátuas dos Evangelistas e Patriarcas foram substituídas pelas representações de dez anjos com os instrumentos da
Paixão.
As estátuas dos anjos foram elaboradas pelos alunos de
Bernini. O próprio mestre, ajudado por seu filho Paolo, esculpiu os anjos com a
coroa de espinhos e com a placa de Pilatos. Porém, estes foram considerados
muito belos para serem colocados na ponte, expostos ao tempo. Foram então
realizadas cópias e os originais foram doados à Basílica de Sant’Andrea delle
Fratte, onde se conservam até hoje.
Sob cada uma das estátuas, agrupadas em cinco pares, há uma
inscrição tomada da Vulgata, a
tradução da Bíblia para o latim (exceto um dos anjos, cuja inscrição é tomada
de um hino em honra à Paixão), como podemos ver a seguir:
Primeiro par de anjos
O primeiro anjo, à esquerda, segura os flagelos, enquanto o segundo
anjo, à direita, sustenta a coluna onde Jesus foi amarrado para a flagelação (cf. Mt 27,26 e paralelos).
1. Anjo com os flagelos
Escultor: Lazzaro Morelli
Inscrição: “In
flagella paratus sum” (Sl 37,18) - “Estou pronto para o flagelo”.
2. Anjo com a coluna
da flagelação
Escultor: Antonio Raggi
Inscrição: “Tronus
meus in coluna” (Eclo 24,4) - “Meu trono é uma coluna”.
Segundo par de anjos
O terceiro anjo (segundo à esquerda) traz a coroa de
espinhos colocada na cabeça de Jesus pelos soldados após a flagelação para
zombar do “rei dos judeus” (cf. Mt
27,27-31 e paral.). O quarto anjo (segundo à direita), por sua vez, traz um
elemento que não aparece nos relatos evangélicos: o véu com o qual uma mulher
(geralmente chamada Verônica) teria enxugado o rosto de Jesus no caminho para o
Calvário.
3. Anjo com a coroa
de espinhos
Escultor: Cópia de Paolo Naldini a partir do original de
Bernini
Inscrição: “In aerumna
mea dum configitur spina” (Sl 31,4) - “Na minha tribulação apertava-me um
espinho”.
4. Anjo com o véu da
Verônica
Escultor: Cosimo Fancelli
Inscrição: “Respice
faciem Christi tui” (Sl 83,10) - “Vê a face do teu Cristo”.
Terceiro par de anjos
O quinto anjo (terceiro à esquerda) segura as vestes de
Cristo, repartidas pelos soldados, sobre as quais repousam os dados com os
quais estes jogaram, apostando a túnica (cf.
Mt 27,35 e paral.). O sexto anjo (terceiro à direita), por sua vez, traz na mão
os cravos com os quais Jesus foi pregado na cruz.
5. Anjo com as vestes
de Cristo e os dados
Escultor: Paolo Naldini
Inscrição “Super
vestem meam miserunt sortem” (Sl 21,19) - “Lançaram a sorte sobre as minhas
vestes”.
6. Anjo com os cravos
Escultor: Girolamo Lucenti
Inscrição “Aspiciant
ad me quem confixerunt” (Zc 12,10) - “Olharão para aquele a quem
transpassaram”.
Quarto par de anjos
O sétimo anjo (quarto à esquerda) mostra-nos o “titulus crucis”, isto é, a placa encomendada por Pilatos, com
a inscrição abreviada INRI: Iesus Nazarenus,
Rex Iudaeorum - Jesus Nazareno, Rei dos Judeus (cf. Mt 27,37 e paral.). O oitavo anjo (quarto à direita) traz em
suas mãos o principal dos instrumentos da Paixão: a própria cruz.
7. Anjo com a placa
de Pilatos (INRI)
Escultor: Cópia de Bernini, com a ajuda de Giulio Cartari, a
partir do seu original
Inscrição “Regnavit a
ligno Deus” (Hino Vexilla regis) -
“Deus reinou do madeiro”.
8. Anjo com a cruz
Escultor: Ercole Ferrata
Inscrição: “Cuius
principatus super humerum eius” (Is 9,5) - “Ele recebeu o poder sobre seus
ombros”.
Quinto par de anjos
O nono anjo (quinto à esquerda) porta uma vara com uma
esponja na ponta, com a qual os soldados ofereceram vinagre a Jesus (cf. Mt 27,46-48 e paral.). O décimo anjo
(quinto à direita), por fim, porta a lança com a qual o soldado perfurou o lado
de Cristo para comprovar sua morte (cf.
Jo 19,33-34).
9. Anjo com a esponja
Escultor: Antonio Giorgetti
Inscrição: “Potaverunt
me aceto” (Sl 68,22) - “Deram-me vinagre para beber”.
10. Anjo com a lança
Escultor: Domenico Guidi
Inscrição: “Vulnerasti
cor meum” (Ct 4,9) - “Feriste meu coração”.
Com informações da página italiana da Wikipedia. Imagens: Wikimedia Commons.
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