“Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo”.
Com este
versículo, recitado tantas vezes nos ofícios em honra da Paixão do Senhor, damos início a um
breve percurso pela história da Festa da
Exaltação da Santa Cruz, celebrada pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente
no dia 14 de setembro.
A Cruz, “árvore da vida” (Mosaico da Basílica de São Clemente, Roma) |
1. As origens da Festa em Jerusalém
A Exaltação da
Santa Cruz é uma festa sui generis
dentro do Ano Litúrgico, uma vez que não é a celebração de um evento ocorrido
durante a vida terrena de Jesus, mas sim um acontecimento que teve lugar no
século IV da Era Cristã: a dedicação da Basílica do Santo Sepulcro em
Jerusalém.
Embora a obra da
nossa redenção, “chegada a plenitude dos tempos” (Gl 4,4), tenha sido realizada “principalmente” (praecipue) pelo Mistério Pascal da
Morte-Ressurreição de Cristo (cf.
Sacrosanctum Concilium, n. 05), a história da salvação continua até a sua última
vinda (ibid., n. 102). Portanto, a
dedicação da Basílica do Santo Sepulcro está perfeitamente integrada na
história da salvação.
Vale lembrar que
já no Antigo Testamento se celebrava o aniversário da dedicação do Templo na Festa
de Hanukkah (“dedicação” em hebraico;
cf. 1Mc 4,52-59; Jo 10,22). No Rito Romano celebramos o aniversário da dedicação das quatro Basílicas Maiores e da Catedral da diocese [1]. Não se trata, porém, de uma mera recordação da
construção de um edifício, mas sim da atualização da aliança nupcial entre Deus
e o seu povo, templo edificado com pedras vivas (cf. Ef 2,19-22; 1Cor
3,16-17; 1Pd 2,5).
Para saber mais, confira nossa postagem sobre “Por que celebramos a Dedicação da Basílica do Latrão?”.
Com a publicação
do Edito de Milão pelo Imperador Constantino (†337) no ano de 313, proibindo as
perseguições aos cristãos, começam a ser construídas as primeiras basílicas na
Terra Santa, sob o patrocínio da sua mãe, Santa Helena (†330), que visitou a
Cidade Santa entre os anos de 326 e 328.
A dedicação da Basílica do Santo Sepulcro
teve lugar no dia 13 de setembro de 335.
A peregrina Etéria (ou Egéria), que visitou Jerusalém em meados do século IV,
testemunha a celebração do aniversário da dedicação, a “Festa das Encênias” (termo
grego para “dedicação”, τὰ ἐγκαίνια):
“Os dias
chamados da dedicação (Encênias) são aqueles em que a santa
igreja que está no Gólgota, à que chamam Martyrium,
foi consagrada a Deus; e também a santa igreja situada na Anástasis, isto é, naquele lugar onde o Senhor ressuscitou após a
Paixão, e que foi consagrada a Deus nesse mesmo dia. As Encênias destas santas igrejas celebram-se, pois, com uma grande
solenidade (...). Nestes dias das Encênias,
a decoração de todas as igrejas é idêntica à da Páscoa e da Epifania” [2].
Com efeito, a
primitiva Basílica era formada por duas igrejas: a igreja maior, em honra da
Paixão do Senhor (Martyrium), e a
igreja menor, de forma redonda, em honra da Ressurreição (Anástasis). Ambas eram separadas por um pequeno pátio (ante Crucem), no qual se encontrava
parte da rocha do Calvário.
A Basílica do Santo Sepulcro no século IV: À direita o Martyrium, no centro o pátio e à esquerda a Anástasis |
A Basílica
sofreria com sucessivos ataques e desastres naturais nos séculos seguintes, até
ser restaurada na época das Cruzadas, unificando o “Calvário” e o “Sepulcro” no
mesmo templo, dedicado em 15 de julho de 1149. Para saber mais sobre a Basílica do Santo Sepulcro, clique aqui.
Não obstante,
conserva-se no Rito Romano a memória da dedicação no dia 13 de setembro entre
as “comemorações” do Martirológio Romano
para esse dia: “Em Jerusalém, a dedicação
das Basílicas que o imperador Constantino quis piedosamente edificar sobre o
monte Calvário e sobre o sepulcro do Senhor” [3].
Embora Etéria
não mencione em seu Itinerarium, logo
surgiu o costume de apresentar à veneração dos fiéis as relíquias da Cruz no
dia seguinte, 14 de setembro. Daí o nome grego da festa, Ὕψωσις τοῦ Τιμίου
Σταυροῦ, “Elevação” da Santa Cruz (cf.
Jo 3,14; 12,32).
A
peregrina atesta a veneração das relíquias da Cruz na Sexta-feira Santa (nn.
36-37) e acrescenta, em relação às Encênias: “(...) a Cruz do Senhor foi
encontrada nesse mesmo dia. Por essa razão se determinou que o dia da
consagração das sobreditas santas igrejas fosse o dia da invenção da Cruz do
Senhor, a fim de se celebrarem no mesmo dia com grande solenidade todas as
festas” [4].
Segundo a
tradição, com efeito, durante as escavações para a edificação da Basílica, sob
a supervisão do Bispo São Macário de Jerusalém (†335), teriam sido encontradas as relíquias da Verdadeira Cruz
do Senhor.
A “invenção da
Cruz” (do latim inventio, descoberta)
logo foi associada à visita de Santa
Helena à Terra Santa. A partir do século V, por sua vez, a descoberta das
relíquias foi ganhando cada vez mais elementos lendários, como relatos de curas
ao contato com o Lignum Crucis (Lenho
da Cruz).
Santa Helena com a Cruz (Cima da Conegliano) |
A devoção às
relíquias ganhou novo impulso no século VII: no ano de 614 a Terra Santa foi
atacada pelos persas sassânidas, que destruíram várias igrejas e roubaram as
relíquias da Santa Cruz. Após uma longa campanha militar, em 628 o Imperador Heráclio de Constantinopla (†641)
conseguiu vencer os persas, liderados por Cosroes II (†628), e recuperou as relíquias da Cruz.
De acordo com a
lenda, ao devolver as relíquias a Jerusalém, o Imperador foi
misteriosamente incapaz de entrar na Basílica do Santo Sepulcro: ele só pôde
cruzar o umbral ao depor o manto, a coroa e os sapatos, como gesto de humildade, a exemplo de Cristo.
2. A difusão da “Festa da Cruz” no Oriente
De Jerusalém, a
festa do dia 14 de setembro rapidamente espalhou-se entre as demais igrejas
orientais. De uma comemoração local da dedicação da igreja do Santo Sepulcro, a
festa logo passou a celebrar o mistério da “Venerável e Vivificante Cruz” em
sentido mais amplo.
A cruz, com
efeito, é o símbolo cristão por excelência. Já o Apóstolo Paulo exorta a
“gloriarmo-nos na cruz do Senhor” (Gl
5,18), professando a fé no “Cristo Crucificado, poder e sabedoria de Deus” (1Cor 1,18.23-24) [5].
A “Festa da
Cruz” propriamente é, na verdade, o 1º dia do Tríduo Pascal, da tarde da Quinta-feira Santa, com a Missa da Ceia do Senhor, à tarde da Sexta-feira Santa, com a Celebração da Paixão. Contudo, a sobriedade desse dia não nos permite celebrar de maneira
festiva a cruz como instrumento da nossa redenção, árvore da vida, altar da
nova aliança, sinal do amor de Deus por nós (cf. Jo 3,16; 13,1).
A Exaltação da
Santa Cruz logo ganhou destaque nas igrejas que possuíam suas relíquias. Já no
século IV, com efeito, como testemunha São Cirilo de Jerusalém (†386), “as
partículas (do lenho da Cruz) foram levadas pelos fiéis até os confins da terra”
[6].
Ícone bizantino da Exaltação da Santa Cruz Para conhecer o simbolismo desse ícone, clique aqui |
No Rito
Bizantino a celebração de 14 de setembro é uma das Doze Grandes Festas,
enquanto no Rito Armênio a Exaltação da Cruz (Khachveratz) é uma das cinco grandes festas (Daghavars), celebrada no domingo mais próximo ao dia 14 de setembro
[7]. Sobretudo nesses dois ritos logo surgiram também outras festas em honra da
Cruz:
a) Aparição da Santa Cruz: 07 de maio
São Cirilo de
Jerusalém, em uma Carta ao Imperador Constâncio II (†361), testemunha que no
dia 07 de maio de 351 a Cruz apareceu no céu sobre a Cidade Santa, sendo vista
desde o Calvário até o Monte das Oliveiras.
O evento traça
um paralelo com o “sonho de Constantino”, que teria tido uma visão da Cruz (ou do monograma de Cristo, Chi-Rô) no
ano de 312, além de possuir um alcance escatológico: segundo uma interpretação
dos Padres da Igreja, a cruz aparecerá no céu no fim dos tempos, como sinal da
segunda vinda de Cristo (cf. Mt 24,30).
A festa da
“aparição da Cruz” é particularmente solene no Rito Armênio, sendo celebrada no
4º domingo após a Páscoa. No Rito Bizantino destaca-se o kondákion próprio:
“A imagem da Tua
Cruz resplandeceu, agora, mais fortemente que o sol. Estendeste-a da Santa
Montanha ao local do Calvário, manifestando nela a tua força, ó Salvador e
fortalecendo os teus fiéis governantes. Pelas orações da tua puríssima Mãe,
conserva-os sempre na paz, ó Cristo Deus, e salva-nos!” [8].
b) Procissão com a Preciosa e Vivificante Cruz: 01 de agosto
Esta é uma festa
própria do Rito Bizantino, que surgiu em Constantinopla durante a Idade Média: uma
vez que o mês de agosto marca o auge do verão no hemisfério norte, era
realizada nos primeiros dias do mês uma procissão com as relíquias da Cruz para
pedir ao Senhor a proteção contra doenças e outros males.
Nessa festa se
realizam as bênçãos da água - aspergida sobre os fiéis - e do mel, que alguns
interpretam como um “contraponto” ao vinagre oferecido ao Senhor no Calvário.
Seguem-se à bênção das frutas na Festa da Transfiguração (06 de agosto) e das
nozes na Festa do Mandylion de Edessa
(16 de agosto).
Heráclio entroniza a Cruz em Jerusalém (Pierre Subleyras) |
c) III Domingo da Grande Quaresma
Na tradição bizantina o III Domingo da Grande Quaresma é dedicado à adoração da “Venerável e Vivificante Cruz”. Alguns estudiosos associam essa celebração à recuperação das relíquias da Cruz por Heráclio em 628, enquanto outros atribuem sua origem a uma transladação de parte dessas relíquias a Constantinopla.
Cumpre dizer que
a “adoração” aqui não se refere à cruz enquanto o objeto, mas sim ao Senhor,
ao seu Corpo entregue e ao seu Sangue derramado sobre o altar da cruz. O II
Concílio de Niceia (787), em sua definição sobre a veneração “da figura da cruz
preciosa e vivificante” e dos “santos ícones”, atesta que a honra prestada às
imagens se dirige na verdade àquele que nelas é representado [9].
O rito da
adoração da cruz, tanto no III Domingo da Quaresma quanto no dia 14 de
setembro, tem lugar no final da Divina Liturgia: o sacerdote eleva a cruz em
direção aos quatro pontos cardeais, rezando pela Igreja e pela pátria, enquanto
os fiéis respondem diversas vezes: “Kyrie,
eleison!”. Nesse momento, em alguns lugares, os pés da cruz são ungidos com
perfume. Por fim, todos se aproximam para venerar a cruz.
“Ó Cristo Deus,
que, voluntariamente, foste elevado na Cruz, tem compaixão do povo que traz o
teu nome. Alegra, pelo teu poder, a tua santa Igreja e concede-lhe a vitória
sobre o mal. Que tua aliança seja para nós uma arma de paz e um troféu de
vitória!”
(Kondákion da Festa da
Exaltação da Santa Cruz) [10].
3. As “duas festas da Cruz” no Ocidente
No Ocidente a
Festa da Exaltação da Santa Cruz chegou mais tarde, a partir dos séculos
VI-VII, quando o Império Bizantino recuperou alguns territórios ocidentais.
Nesse mesmo período,
com efeito, é introduzido em Roma o rito da adoração da cruz na Sexta-feira Santa. A “igreja estacional” desse dia era a Basílica de Santa Cruz em
Jerusalém (Sanctae Crucis in Hierusalem), sob a qual Santa Helena teria mandado espalhar terra de
Jerusalém.
Cruz Vaticana Doada ao Papa pelo Imperador bizantino Justino II |
Inicialmente a
festa do dia 14 de setembro encontrou resistência em Roma, pois nesse dia se
celebravam os mártires São Cornélio, Papa (†253) e São Cipriano, Bispo (†258),
ambos mencionados no Cânon Romano. Sua memória foi posteriormente transferida
para o dia 16 de setembro.
A festa seria
consolidada no pontificado do Papa São Sérgio I (†701): apesar de ter nascido
em Palermo (Itália), sua família era de origem síria. Assim, ao ser eleito
Bispo de Roma em 687, Sérgio I popularizou diversas festas orientais: Apresentação do Senhor (02 de fevereiro), Anunciação (25 de março), Dormição (15 de agosto) e Natividade de Maria (08 de setembro).
O Liber Pontificalis (n. 86) testemunha
que Sérgio I possuía um fragmento significativo do lenho da cruz em uma caixa
de prata (capsam argenteam), que
“para a salvação do gênero humano e de todo o povo cristão é beijado e adorado
no dia da Exaltação da Santa Cruz na Basílica do Salvador” [11].
As relíquias, com efeito, costumam ser conservadas ou caixas de metal,
como se fossem “estojos de remédios” - uma vez que a Cruz é “medicina de salvação” - ou em relicários cruciformes. Ambos denominam-se “estauroteca” (do grego σταυρός,
staurós, cruz, e θήκη, théke, caixa).
Quanto à
Liturgia do dia 14 de setembro, o Ordo
Romanus XII, atribuído ao Cardeal
Cencio Savelli, futuro Papa Honório III (†1227), atesta que na manhã desse dia
o Papa se dirigia com os Cardeais ao oratório de São Lourenço in Palatio, junto à Basílica do Latrão,
que era a capela privada e onde se conservavam várias relíquias importantes. Para saber mais sobre esse oratório, onde se conserva a imagem acheropita do Salvador, clique aqui.
Ao canto do Te Deum, o Papa tomava a relíquia da
Cruz e a conduzia em procissão ao vizinho oratório de São Silvestre in Palatio. Ali todos veneravam a
relíquia, enquanto a schola cantorum
entoava hinos e antífonas. Próximo às 9h (hora terça), por fim, o Papa presidia
a Missa na Basílica do Latrão.
Estauroteca do século IX Em formato de “estojo de remédio” |
Enquanto Roma
acolhia a festa bizantina de 14 de setembro, nas regiões sob a influência do
Rito Franco-Galicano (sobretudo na atual França) surgia uma festa em honra da
Cruz no dia 03 de maio.
Não está clara a
razão para a escolha dessa data, que coincide sempre com o Tempo Pascal: essa
poderia remeter a alguma transladação de relíquias da Cruz ou simplesmente ao
auge da primavera no hemisfério norte, destacando o caráter da Cruz como
“árvore da vida”.
A partir do
século IX, porém, as duas tradições influenciam-se mutuamente e ambas festas
passam a ser celebradas, embora com distintas ênfases:
- 03 de maio: Inventione Sanctae Crucis
(“Invenção” ou “Descoberta” da Santa Cruz), destacando a descoberta das
relíquias por Santa Helena;
- 14 de setembro: Exaltatione Sanctae Crucis
(Exaltação da Santa Cruz), enfatizando a recuperação das relíquias pelo
Imperador Heráclio.
Essa dupla
celebração foi popularizada pela Legenda
Aurea de Jacopo de Varazze (†1298), que narra as diversas lendas em torno
às duas festas [12]. Essas lendas seriam retratadas, por exemplo, no ciclo de
afrescos das “Histórias da Verdadeira Cruz” (Storie della Vera Croce) realizados por Piero della Francesca (†1492)
entre 1452 e 1466 na Basílica de São Francisco em Arezzo (Itália).
Vale recordar
que a partir dos séculos XII e XIII, no contexto das peregrinações à Terra
Santa durante as Cruzadas, as ordens religiosas fomentaram a devoção à Paixão
do Senhor como reação à heresia dos cátaros, que negavam o valor salvífico da
Morte de Cristo. Além disso, os religiosos dedicados ao cuidado dos enfermos
recordavam-lhes que o Senhor “sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu
próprio corpo” e que “por suas feridas fomos curados” (cf. 1Pd 2,21-24; Is 53,4-6).
Assim,
desenvolvem-se nesse período, por exemplo, as devoções a Cristo como o “Homem
das Dores” (Vir Dolorum), às suas
Santas Chagas e aos instrumentos da Paixão (Arma
Christi). Surge também o costume de celebrar às sextas-feiras a Missa
votiva da Santa Cruz (Missa de Sancta
Cruce).
Capela Maior da Basílica de São Francisco em Arezzo: Com as “histórias da Cruz” de Piero della Francesca |
4. A Festa da Exaltação da Santa Cruz hoje
“Festa da
Exaltação da Santa Cruz, que, no dia seguinte à dedicação da Basílica da
Ressurreição, erigida sobre o sepulcro de Cristo, é exaltada e honrada como o
troféu da sua vitória pascal e sinal que há de aparecer no céu para anunciar a
todos a segunda vinda do Senhor” [13].
Com essas
palavras o Martirológio Romano
comemora a Festa da Exaltação da Santa Cruz. A reforma litúrgica do Concílio
Vaticano II, com efeito, conservou a celebração do dia 14 de setembro, em
comunhão com as Igrejas Orientais, suprimindo aquela do dia 03 de maio.
Como indica Mario
Righetti (†1975) em sua Historia de la
Liturgia, já em 1741, durante o pontificado de Bento XIV (†1758), houve a
proposta de suprimir a festa da “Inventione”,
uma duplicação da festa mais antiga da “Exaltatione
Sanctae Crucis”.
Essa proposta,
porém, seria levada a cabo por São João XXIII (†1963), que suprimiu a festa do
dia 03 de maio do Calendário Romano Geral, permitindo que fosse celebrada apenas
nos lugares onde estivesse fortemente arraigada (pro aliquibus locis).
As festas da “Cruz de Mayo”, com efeito, estão muito
estendidas na Espanha e em alguns países da América Latina. Uma vez que a data
coincide com o auge da primavera no hemisfério norte, as cruzes são enfeitadas
com muitas flores, aludindo ao simbolismo da “árvore da vida”.
Na Basílica do
Santo Sepulcro, por sua vez, conservou-se a Festa da Invenção da Santa Cruz,
porém transferida para o dia 07 de maio, uma vez que o dia 03 de maio passou a
acolher a Festa de São Filipe e São Tiago, Apóstolos.
Cruz totalmente coberta por flores (Cruz de Mayo - Córdoba, Espanha) |
Quanto ao dia 14
de setembro, vale destacar sua relação com outras duas celebrações:
- Memória de Nossa Senhora das Dores: inicialmente uma celebração própria da Ordem dos
Servos de Maria (servitas), foi instituída pelo Papa Pio VII (†1823) no 3º
domingo de setembro. O Papa São Pio X (†1914), buscando recuperar a
centralidade do domingo, a transferiu para o dia 15 de setembro.
- Têmporas de outono (no hemisfério norte): ao menos desde o tempo do Papa São Gregório VII (†1085)
celebram-se as Têmporas de outono na semana seguinte à Festa da Exaltação da
Santa Cruz.
Para a Missa da
Exaltação da Santa Cruz a reforma litúrgica adaptou algumas orações do anterior
Missale Romanum (1962), particularmente
da Missa votiva. Os textos escolhidos destacam sobretudo o caráter salvífico da
Cruz.
Conservou-se
também o antigo Prefácio (Praefatio de
Sancta Cruce), renomeado como De
victoria crucis gloriosae (“A vitória da cruz gloriosa”), traçando o
paralelo entre Cristo e Adão, entre a árvore do paraíso e a “árvore da cruz”:
“Pusestes
no lenho da cruz a salvação da humanidade, para que a vida ressurgisse de onde
a morte viera. E o que vencera na árvore do paraíso, na árvore da cruz fosse
vencido” [14].
O Missal Romano
conservou ainda a Missa votiva da Santa Cruz, que pode ser celebrada nos dias
que são permitidas tais Missas (não necessariamente na sexta-feira), com as mesmas
orações do dia 14 de setembro e com mais opções de leituras.
Cristo Crucificado na “árvore da vida” junto a Adão e Eva (Edward Burne-Jones) |
Quanto à Liturgia da Palavra, com efeito, anteriormente proclamavam-se Fl 2,5-11 e Jo 12,31-36, retomando Fl 2,8-9 como “salmo” (“Christus factus est pro nobis...”). Atualmente são propostas duas opções de leitura à escolha, além do salmo e do Evangelho: Nm 21,4b-9 ou Fl 2,6-11 (com a infeliz omissão do v. 5); Sl 77,1-2.34-38 (R: 7c); Jo 3,13-17.
Quando, porém, o dia 14 de setembro cai em um domingo (como em 2014 e em 2025), são proclamadas as duas leituras na Missa. Com efeito, sendo uma Festa do Senhor, a Exaltação da Santa Cruz tem precedência sobre os domingos do Tempo Comum: assim, quando cai nesse dia, é celebrada como se fosse uma Solenidade.
Em relação à
Liturgia das Horas, destacam-se os três hinos próprios:
Ofício das Leituras: Salve, crux sancta (Salve, salve Cruz
santa);
Laudes: Signum crucis mirabile (Por toda a terra fulgura);
Vésperas: Vexilla Regis prodeunt (Do Rei avança o estandarte).
O hino do Ofício
foi composto por Santo Heriberto de Colônia (†1021); o das Laudes é uma
composição anônima realizada em torno ao século X; o hino das Vésperas, por
fim, é o celebre poema de São Venâncio Fortunato (†600-610), que também é
entoado na Semana Santa, junto com Pange,
lingua, gloriósi proelium certáminis (Cantem meus lábios a luta), também
conhecido como Crux fidelis (Fiel
madeiro).
Dentre as
composições poéticas em honra da Cruz, destacamos também a sequência Laudes crucis attollamus, atribuída ao
monge francês Adão de São Vítor (†1146), que era entoada nas duas festas da
cruz.
Por fim, em
relação à reforma litúrgica, vale destacar o novo e sugestivo rito da bênção de
uma nova cruz exposta à veneração pública (Ritual
de Bênçãos, nn. 960-983). Em sua riqueza, porém, este merece uma postagem
própria.
Glória da Cruz (Adam Elsheimer) |
Assim, à guisa de conclusão, recordamos a contribuição do Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, promulgado pela Congregação para o Culto Divino no final de 2001. Este elenca a veneração da Cruz entre as práticas devocionais para o Tempo da Quaresma, enquanto “antecipação” da Sexta-feira Santa (nn. 127-129). Porém adverte:
“A piedade para com a Cruz tem muitas vezes necessidade de ser iluminada. Isto é, deve-se mostrar aos fiéis a essencial referência da Cruz ao evento da Ressurreição: a Cruz e o túmulo vazio, a Morte e a Ressurreição de Cristo são inseparáveis na narrativa evangélica e no projeto salvífico de Deus” [15].
“Adoramos, Senhor, vosso madeiro; vossa Ressurreição nós celebramos.
Veio alegria para o mundo inteiro por esta Cruz que hoje veneramos”
(1ª antífona para a adoração da Cruz na Sexta-feira Santa; Missal Romano, p. 261).
Notas:
[1] Basílica do Latrão: 09 de novembro; Basílicas de São Pedro e São Paulo: 18 de novembro; Basílica de Santa Maria Maior: 05 de agosto. Confira também a postagem introdutória: Por que celebramos a Dedicação da Basílica do Latrão?
[2] ETÉRIA. Peregrinação ou Diário de Viagem (Itinerarium ad loca sancta), nn, 48-49; in: CORDEIRO, José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos,
patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional
de Liturgia, 2003, pp. 464-465.
[3] Fonte:
Secretariado Nacional de Liturgia - Portugal.
[4] ETÉRIA, Itinerarium, n. 48; in: CORDEIRO, op. cit.,
p. 464.
[5] Sobre o
simbolismo da cruz, cf. HEINZ-MOHR,
Gerd. Dicionário dos Símbolos: Imagens e
sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 123-127.
[6] CIRILO DE
JERUSALÉM. Catequese X, 19. in: Catequeses
pré-batismais. Petrópolis: Vozes, 2022, p. 213. cf. também: Catequese XIII,
4 (pp. 268-289).
[7] Vale lembrar,
porém, que a maioria das Igrejas Orientais (tanto Católicas quanto Ortodoxas) utiliza
o calendário juliano, com 13 dias de diferença em relação ao gregoriano. Assim,
14 de setembro no calendário juliano corresponde ao dia 27 de setembro no
gregoriano.
[8] SPERANDIO,
João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Pequeno Menologion: Calendário Bizantino. Teresina: Editora da
Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 113.
[9] cf. DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007, pp. 218-219
[nn. 600-603].
Confira também o
Catecismo da Igreja Católica, nn.
2129-2132.
[10] SPERANDIO;
João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto [org.]. Liturgikon: Próprio das Festas no Rito Bizantino. Teresina: Editora
da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 08.
[11] “Qui pro salute humani generis ab omni populo
christiano, die Exaltationis sanctae Crucis, in basilicam Salvatoris osculatur
ac adoratur” (Liber Pontificalis,
n. 86. in: Fonti Storiche: Papa Sergio I).
[12] DE VARAZZE,
Jacopo. Legenda Aurea: Vidas de Santos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 413-422 (Descoberta da Santa Cruz);
pp. 767-773 (Exaltação da Santa Cruz).
[13] Fonte:
Secretariado Nacional de Liturgia - Portugal.
[14] cf. MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo:
Paulus, 1991, pp. 656-657. A tradução oficial para o português do Brasil omite
o adjetivo “gloriosa” no título do
Prefácio.
[15] CONGREGAÇÃO
PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia: Princípios e orientações.
São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 114-116.
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu
significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 133-134.
DONADEO, Madre
Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São
Paulo: Ave Maria, 1998, pp. 38-41.90-91.
RIGHETTI, Mario.
Historia de la Liturgia, vol. I:
Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955, pp.
877-882.
SCHUSTER,
Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber
Sacramentorum: Note storiche e liturgiche sul Messale Romano; vol. VII: I Santi
nel Mistero della Redenzione (Le
Feste dei Santi dalla Quaresima all'ottava dei Principi degli Apostoli).
Torino-Roma: Marietti, 1930, pp. 150-153 (para a Festa do dia 03 de maio).
idem. Liber Sacramentorum: vol. VIII (Le
Feste dei Santi dall'ottava dei Principi degli Apostoli alla Dedicazione di S.
Michele). Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 247-250 (para a Festa do dia 14
de setembro).
Confira também:
Postagem publicada originalmente em 14 de setembro de 2012. Revista e ampliada em 10 de setembro de 2022.
Amo Saber de história da Igreja católica... Santa Helena rogai por nós.
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