Após publicarmos a série Paramentos Litúrgicos, segue um artigo publicado em Novembro de 2010 pelo Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice acerca da importância das vestes litúrgicas como expressão da beleza que nos leva a Deus:
DEPARTAMENTO
DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE
A nobre simplicidade das vestimentas litúrgicas
A tradição
bíblica aclama Deus como "o próprio autor da beleza" (Sb 13,3),
glorificando-o pela grandeza e pela beleza das obras da criação. O pensamento
cristão, com base sobretudo na Sagrada Escritura, mas também a filosofia
clássica como auxiliar, desenvolveram o conceito de beleza como uma categoria
teológica.
Este ensinamento
ressoa na homilia do Papa Bento XVI na Missa
de dedicação da igreja da Sagrada Família, em Barcelona (7 de novembro de 2010):
"A beleza é também reveladora Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade,
convida à liberdade e arranca do egoísmo". A beleza divina manifesta-se de
forma totalmente particular na liturgia sagrada, também através das coisas
materiais das quais o homem, feito de alma e corpo, tem necessidade para
alcançar as realidades espirituais: o edifício de culto, os ornamentos,
paramentos, imagens, música, a própria dignidade das cerimônias.
Papa Bento XVI na Dedicação da Basílica da Sagrada Família (Barcelona, 2010) |
A propósito
disso, deve ser lido o quinto capítulo sobre "A dignidade da celebração
litúrgica", na última encíclica do Papa João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia
(17 de abril de 2003), que afirma que o próprio Cristo quis um ambiente digno
para a Última Ceia, pedindo aos discípulos que a preparassem na casa de um
amigo que tinha uma "sala grande e disposta" (Lc 22, 12; cf. Mc 14,
15). A encíclica recorda também a unctio de
Betânia, um acontecimento significativo que precedeu a instituição da
Eucaristia (cf. Mt 26; Mc 14, Jo 12). Frente ao protesto de Judas, de que a
unção com o óleo precioso era um "desperdício" inaceitável, tendo em
conta as necessidades dos pobres, Jesus, sem diminuir a obrigação de caridade
concreta para com os necessitados, declara seu grande apreço pelo ato da
mulher, porque a sua unção antecipa "essa honra de que seu corpo
permanecerá digno, mesmo depois da morte, indissoluvelmente ligado ao mistério
da sua Pessoa" (Ecclesia
de Eucharistia, n. 47). João Paulo II conclui que a Igreja, como a mulher de
Betânia, "não temeu ‘desperdiçar', investindo o melhor dos seus recursos
para exprimir o seu estupor de adoração diante do dom incomensurável da
Eucaristia" (ibid., n. 48). A liturgia exige o melhor das nossas
possibilidades, para glorificar Deus Criador e Redentor.
No fundo, o
cuidado atento das igrejas e da liturgia deve ser uma expressão de amor ao
Senhor. Mesmo em um lugar onde a Igreja não tem grandes recursos materiais, não
podemos negligenciar este dever. Já um Papa importante do século XVIII, Bento
XIV (1740-1758), em sua encíclica Annus
qui (19 de fevereiro de 1749), dedicada principalmente à música sacra,
pediu ao seu clero que as igrejas fossem bem conservadas e equipadas com todos
os objetos sagrados necessários para a digna celebração da liturgia:
"Ressaltamos que não falamos da suntuosidade e da magnificência dos
templos sagrados, nem da preciosidade dos ornamentos sagrados, sabendo que nós
também não podemos tê-los em todo lugar. Falamos da decência e da limpeza que
ninguém está autorizado a negligenciar, sendo a decência e a limpeza
compatíveis com a pobreza".
Basílica de Nossa Senhora, Montreal (Canadá) |
A constituição
sobre a Sagrada Liturgia, do Concílio Vaticano II, pronunciou-se de forma
semelhante: "Ao promover e incentivar uma arte verdadeiramente sagrada,
busquem mais uma nobre beleza do que o mero luxo. Isso tem que ser aplicado
também às vestes sagradas e ornamentos" (Sacrosanctum
Concilium, n. 124). Esta passagem se refere ao conceito da "nobre
simplicidade", introduzido pela Constituição no n. 34. Este conceito
parece originário do arqueólogo e historiador de arte Johann Joachim
Winckelmann, alemão (1717-1768), segundo o qual a escultura grega clássica foi
caracterizada pela "nobre simplicidade e serena grandeza". No início
do século XX, o conhecido liturgista inglês Edmund Bishop (1846-1917) descreveu
o "gênio do rito romano" como distinguido pela simplicidade, sobriedade
e dignidade (cf. E. Bishop, Liturgica
Historica, Clarendon Press, Oxford 1918, pp. 1-19). A esta descrição não
falta mérito, mas é preciso estar atentos à sua interpretação: o rito romano é
"simples" em comparação com outros ritos históricos, como os
orientais, que se distinguem por sua grande complexidade e suntuosidade. Mas a
"nobre simplicidade" do rito romano não deve ser confundida com uma
mal-entendida "pobreza litúrgica" e com o intelectualismo, que podem
levar à ruína a cerimônia, fundamento do culto divino (cf. a contribuição
fundamental de São Tomás de Aquino na Summa
Theologiae III, q. 64, a. 2; q. 66, a 10; q. 83, a.4).
A partir destas
considerações, é evidente que as vestes sagradas devem contribuir "para o
decoro da ação sagrada" (Instrução Geral do Missal Romano, n. 335),
especialmente "na forma e no material utilizado", mas também, embora
de forma mesurada, nos ornamentos (ibid., n. 344). O uso das vestimentas
litúrgicas expressa a hermenêutica da continuidade, sem excluir nenhum estilo
histórico particular. Bento XVI apresenta um modelo em suas celebrações, quando
usa tanto vestes de estilo moderno como, em alguma ocasião solene, as
"clássicas", também usadas por seus antecessores. Isto segue o
exemplo do escriba, convertido em discípulo do reino dos céus, comparado por
Jesus com um chefe de família que tira do seu tesouro nova et vetera (Mt 13,52).
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