quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Textos de Dom Henrique Soares sobre a Eucaristia 1-2

Há exatos três meses, no dia 10 de junho de 2020, Dom Henrique Soares da Costa, Bispo de Palmares (PE), iniciou uma série de publicações sobre a Eucaristia em seu blog Visão Cristã. Dom Henrique viria a falecer cerca de um mês depois, no dia 18 de julho, aos 57 anos, vítima de Covid-19.

Para honrar a memória deste grande Bispo, publicaremos aqui em nosso blog suas reflexões sobre a Eucaristia de hoje até o dia 18 de setembro, recordando os dois meses de sua morte.

Seguem, portanto, os primeiros dois textos, nos quais Dom Henrique reflete sobre "os nomes da Eucaristia":

A Eucaristia I
10 de junho de 2020

Aproveitando a Solenidade do Corpo do Senhor, Corpus Christi, vamos tratar de Eucaristia, o último dos sacramentos da Iniciação Cristã, o último dos sacramentos que nos inserem na vida do Cristo Morto e Ressuscitado, fazendo-nos plenamente cristãos. Trata-se do maior e mais sublime de todos os sacramentos, o Sacramento por excelência - o Santíssimo Sacramento!

A Eucaristia é o Sacramento e todos os outros somente podem ser chamados de sacramentos porque preparam para ela ou dela decorrem! O Batismo nos abre a porta para o banquete eucarístico, pois fomos todos batizados num só Espírito para formarmos um só Corpo na Ceia do Senhor (cf. 1Cor 12,13), a Confirmação, ao nos dar o Espírito como força, faz-nos membros vivos que edificam o Corpo do Senhor que é a Igreja, alimentando-nos com o Sacramento do Corpo presente no Altar, de modo que somos sempre, de novo, reunidos e alimentados num só Corpo, assumindo a parte da missão que o Espírito do Senhor nos dá para o bem da Igreja. O Sacramento da Penitência nos reinsere, pelo perdão, na assembleia eucarística, pois, reconciliados no Corpo, participamos do Corpo do Senhor. Depois, os sacramentos da missão, a Ordem e o Matrimônio, deveriam ser celebrados dentro da Eucaristia ou pelo menos, no caso do Matrimônio, com a Comunhão Eucarística, pois são sacramentos que servem à edificação da Igreja, Corpo do Senhor, seja pelo pastoreio, seja pela geração de novos membros e edificação da Igreja doméstica em cada família. Assim, tudo gira em torno da Eucaristia, lugar bendito, celebração sagrada, na qual o Cristo faz-Se Corpo imolado e ressuscitado para alimentar a Igreja e dela fazer o Seu Corpo, unindo a Si cada membro, de modo que todos comunguem no Santo Espírito para a glória do Pai!

Mas, como falar desse sacramento é muito complexo, dada a riqueza e a pluralidade de facetas da Eucaristia, vou seguir o esquema do Catecismo da Igreja Católica, comentando-o e aprofundando-o. E vamos iniciar precisamente citando o Catecismo: “O nosso Salvador instituiu na Última Ceia, na noite em que foi entregue, o sacrifício eucarístico do Seu Corpo e do Seu Sangue, para perpetuar no decorrer dos séculos, até Ele voltar, o sacrifício da Cruz, e para confiar, assim, à Igreja, Sua amada Esposa, o memorial da Sua Morte e Ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da Glória futura” (n. 1323).

Estas palavras resumem de modo admirável o sentido e a riqueza da Eucaristia. Já aqui é interessante observar algo muito importante: quando falamos em Eucaristia não estamos pensando primeiramente na hóstia e no vinho consagrados, mas sim na Celebração Eucarística, isto é, na Missa, sacrifício eucarístico do Corpo e do Sangue do Senhor, para perpetuar no decorrer dos séculos, até que Ele venha, o Sacrifício da Cruz! Então, a Eucaristia é a Missa! Mas, que significa “Missa”? Onde, nas Escrituras Sagradas, se fala nela?

No decorrer da história, este sacramento teve vários nomes, cada um deles sublinhando um aspecto deste mistério tão rico.

Primeiramente chamou-se “Eucaristia”, palavra grega que significa, “ação de graças” (muitos autores medievais traduziram errado como “boa graça”). O termo aparece muitas vezes no Novo Testamento e refere-se à bênção de ação de graças que tantas vezes Jesus, nosso Senhor, pronunciou nas Suas refeições com os discípulos: “E tomou o pão, deu graças (= eucaristizou), partiu e distribuiu-o entre eles, dizendo: ‘Isto é o Meu corpo que é entregue por vós’” (Lc 22,19); “O Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças (= eucaristizar), partiu-o...” (1Cor 11,23s). Na religião dos judeus, o Judaísmo, a bênção de ação de graças era proclamação das obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação. Israel dava graças pelas grandes obras do Senhor em seu favor. A bênção de ação de graças, sempre começando com as palavras “Bendito sejas Tu, Senhor, nosso Deus...”, é a expressão máxima da oração judaica. Foi assim também para o Senhor Jesus. Por isso, os cristãos, cumprindo a ordem do Cristo Senhor, celebram a ação de graças a Deus pela Sua grande obra, a maior de todas, que a toda engloba: ter entregado o Seu Filho desde a Encarnação até a consumação na Cruz, tê-Lo ressuscitado dos mortos e feito assentar-Se à Sua Direita na Glória. Portanto, celebrar a santa Eucaristia é bendizer e agradecer a Deus por tudo que nos fez pelo seu santo Filho Jesus.

Outro nome dado à Eucaristia, já no novo Testamento, foi “Ceia do Senhor” (cf. 1Cor 11,20), porque este Sacramento é a celebração daquela Ceia que o Senhor comeu com os Seus discípulos na véspera da Páscoa, como ponto alto de tantas ceias que o Senhor tomou durante a Sua vida entre nós, recordando o Reino de Deus e o convite dos pecadores e pobres ao Reino do Pai (cf. Lc 14,1-24, sobretudo 14,15). Por um lado, aquela Ceia, era já a celebração ritual, em gestos, palavras e símbolos, daquilo que o Senhor iria realizar no dia seguinte: Ele Se entregaria totalmente na Cruz, iria nos dar Seu Corpo e Seu Sangue: “Comei: isto é o Meu corpo que será entregue na Cruz! Bebei: isto é o Meu Sangue que será derramado por vossa causa!” Por outro lado, esta Ceia sagrada, chamada Última Ceia, já antecipava a ceia das núpcias do Cordeiro, núpcias de Cristo ressuscitado com Sua Esposa, a Igreja, na Jerusalém celeste: “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9). Participar da Ceia do Senhor é não somente participar da Ceia pascal que o Senhor Jesus celebrou como memorial de Sua Paixão, Morte e Ressurreição, mas também já antecipar, já saborear, na força do Espírito Santo, a ceia do Banquete celeste, quando o próprio Esposo, Jesus Cristo, será o alimento eterno para Sua Esposa, a Igreja. Em outras palavras: é uma Ceia que começa na terra e durará no Céu, por toda a eternidade!

Mais um nome para este sacramento santíssimo: “Fração do Pão”. É um nome antigo, presente também já no novo Testamento, sobretudo nos Atos dos Apóstolos. Este rito de partir o pão, típico das ceias judaicas, foi muitas vezes repetido por Jesus, nosso Salvador, quando abençoava e distribuía o pão (cf. Mt 14,19; 15,36; Mc 8,6.19) e, sobretudo, na Última Ceia, quando Ele partiu o pão. Através desse mesmo gesto, os discípulos reconheceram o Senhor Ressuscitado: “eles O reconheceram ao partir o pão” (cf. Lc 24,13-35). A partir da Páscoa, a Igreja sempre soube que neste gesto sagrado o Senhor ressuscitado estaria sempre com ela, no meio dos Seus. Por tudo isso, os primeiros cristãos usavam a expressão “fração do pão” para designar suas reuniões nas quais, na Ceia, partiam o pão como o Salvador e em Sua memória. Deste modo, os primeiros cristãos queriam revelar a consciência que tinham de que todo aquele que come o único Pão partido, pão da Eucaristia, que é o próprio Senhor Ressuscitado, entra em comunhão com Ele e forma com Ele e n’Eele um só Corpo, que é a Igreja: “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o Sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o Corpo de Cristo? Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só Corpo, visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10,16s).

Outro nome, que era caro aos santos doutores da Igreja antiga, sobretudo os de língua grega, era “Santa Synáxis”, que significa “assembleia”, “reunião”. Isto porque a Eucaristia é para ser celebrada pela comunidade eclesial presidida pelo ministro ordenado, que faz as vezes do Cristo, Sacerdote dos bens vindouros (cf. Hb 9,11). Onde a comunidade se reúne para a Eucaristia, aí está a Igreja, Povo de Deus reunido no único Espírito Santo, para oferecer o único Sacrifício do Filho Jesus para a glória do Pai e salvação do mundo inteiro.

A Eucaristia II
10 de junho de 2020

No tópico passado comecei a apresentar meditações sobre a Eucaristia. Seguindo o Catecismo da Igreja Católica, comecei mostrando os vários nomes dados a esse Sacramento e seus significados respectivos. No presente texto, vamos prosseguir com os nomes dados ao Sacramento do Altar.

A Eucaristia é chamada também de “Memorial” da Paixão e Ressurreição do Senhor. Vale a pena compreender bem o sentido da palavra “memorial”. Ela não significa simplesmente recordação ou memória. Nas Escrituras, memorial é dito zikaron e significa tornar presente, por gestos, símbolos e palavras, um fato acontecido no passado uma vez por todas. Por exemplo: uma vez por ano, os judeus celebravam e celebram ainda hoje a Páscoa, memorial da saída do Egito. Pois bem, eles, nessa celebração, não somente recordam a passagem da escravidão para a liberdade, mas tinham e têm a consciência de que, participando da celebração, participam realmente da própria libertação que Deus operara. Tanto isso é verdade que, ainda hoje, o pai de família judeu, aquele que preside à celebração, diz assim: “Em toda geração, cada um deve considerar-se como se tivesse pessoalmente saído do Egito, como está escrito: ‘Explicarás então a teu filho: isto é em memória do que o Senhor fez por mim, quando saí do Egito’. Portanto, é nosso dever agradecer, honrar e louvar, glorificar, celebrar, enaltecer, consagrar, exaltar e adorar a Quem realizou todos esses milagres por nossos pais e para nós mesmos. Ele nos conduziu da escravidão à liberdade, do sofrimento à alegria, da desolação a dias festivos, da escuridão a uma grande claridade e do cativeiro à redenção”. E, depois, acrescenta: “Bendito sejas Tu, Adonai, nosso Deus, rei do universo, que nos redimiste, libertaste nossos pais do Egito, e nos permitiste viver esta noite para participar do cordeiro, do pão ázimo e das ervas amargas”. Ora, é exatamente isso que a Eucaristia é: memorial da Páscoa do Senhor Jesus. Este bendito Sacrifício pascal, desde a Ressurreição, encontra-se no Eterno, no Santuário dos Céus, no Eterno, onde já não há tempo, mas somente o Hoje eterno de Deus. Ali, esse Sacrifício é eterno, do eterno Cordeiro Jesus, oferecido pelo Cristo Sacerdote eterno, no Santuário eterno! Ele jamais passará, jamais caducará, jamais precisará ser renovado e repetido. Quando nós o celebramos, dos Céus, ele se torna presente em todos os tempos e lugares onde é oferecido, no nosso hoje, na nossa vida, na nossa situação, tudo quanto Jesus Cristo fez por nós, que alcança seu cume na Sua Morte e Ressurreição. Deste modo, a Páscoa do Senhor está sempre presente e atuante na nossa vida e, através do Cristo Jesus e com o Cristo Jesus, podemos dizer ao Pai como os judeus dizem: “É nosso dever agradecer, honrar e louvar, glorificar, celebrar, enaltecer, consagrar, exaltar e adorar a Ti, Adonai, Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo!” Então, assim sendo, não é uma ideia muito exata afirmar que a Missa é a repetição ou a renovação do Sacrifício de Cristo. Não se repete, porque Ele foi oferecido uma vez por todas; não se renova, porque não ficou caduco, envelhecido. Em cada Missa torna-se presente, atuante, o único Sacrifício pascal do Senhor, memorial da sua Encarnação, de Sua vida humana, de Sua Paixão, Morte e Ressurreição, da Sua Ascensão ao Pai e do dom do Espírito que Ele nos fez!

Outra denominação para a Missa é “Santo Sacrifício”. Isto porque, como já dissemos, ela torna presente, “presentifica”, o único e irrepetível Sacrifício pascal, do Cristo salvador, sacrifício de Morte e Ressurreição, que se encontra na Eternidade divina; Sacrifício que o Senhor Jesus deu à Sua Igreja para que ela o ofereça, dele participando, até que Ele venha em sua Glória. Por isso mesmo, é chamado de Sacrifício de louvor, Sacrifício espiritual (porque oferecido na força do Espírito Santo), sacrifício racional (porque oferecido com a consciência, a liberdade, a intenção), Sacrifício puro e santo (porque Sacrifício do próprio Cristo Jesus). Apesar de ser único, original e incomparável, este santo sacrifício da Missa leva à plenitude todos os sacrifícios de todas as religiões e, particularmente, aqueles do Antigo Testamento. Podemos até recordar as palavras da profecia de Malaquias, na qual Deus prometia a Israel um sacrifício perfeito ao Seu Nome: “Sim, do levantar do sol ao seu poente o Meu Nome será grande entre as nações, e em todo lugar será oferecido ao Meu Nome um sacrifício de incenso e uma oferenda pura” (Ml 1,11). Cristo, com Seu sacrifício único e irrepetível, que entregou à Sua Igreja para celebrá-lo até que Ele venha, ofereceu este Sacrifício, cumprindo a profecia.

Ainda outro nome para a Missa: “Santa e Divina Liturgia”. São os católicos orientais que gostam mais de denominar assim a Eucaristia. Chamam-na “Liturgia” porque toda a Liturgia da Igreja (todas as suas celebrações), encontra seu centro, sua fonte, seu cume e sua mais densa expressão na celebração da Eucaristia. Toda a Liturgia brota de Eucaristia e para a Eucaristia tende, encontrando nele sua fonte e ápice e plena realização.

É no mesmo sentido que chamamos a Missa de “Santos Mistérios”. “Mistérios”, falando teologicamente, são os sacramentos, são os gestos e palavras eficazes e “espirituadas”, pelas quais a salvação chega até nós. Ora, o Mistério da Eucaristia é o canal privilegiado pelo qual entramos em contato com a graça advinda da Páscoa do Cristo Jesus, nosso Deus e Senhor!

Comunhão” - eis aqui outro nome dado à Eucaristia. Nome belíssimo! É chamada assim porque nela nos unimos a Cristo e, por Ele, ao Pai, no Espírito Santo; Cristo que nos faz cada vez mais membros do Seu Corpo e, assim, membros uns dos outros - pois o Corpo de Cristo é a Igreja, que somos nós. Comungando no Corpo do Senhor, entramos em comunhão com Cristo e, em Cristo, pleno do Santo Espírito, entramos em comunhão uns com os outros.

Outra expressão, também cara aos nossos irmãos católicos orientais, é “Coisas Santas”. Coisas Santas são o Pão e o Vinho eucarísticos, Corpo e Sangue do Senhor, que cria a Comunhão dos Santos, que é a Igreja. Comungando as Coisas Santas, entramos em comunhão uns com os outros em Cristo, tornamo-nos membros da Comunhão dos Santos, que é a Igreja, e comprometemo-nos a viver tal comunhão na vida de cada dia, como comunhão de vida, pela solidariedade, pela partilha, pelo amor fraterno. Claro que as “Coisas Santas” não devem jamais ser separadas da totalidade da Celebração do Sacrifício eucarístico!

Finalmente, o termo mais popular entre nós: “Missa”. Esta palavra foi adotada na Idade Média e vem do latim “missio” (= missão, envio). Recorda a despedida da Celebração Eucarística: “Ite, missa est!” É este “Ide! Está feito!” que exprime a missão (= a missio) de quem participa da Eucaristia. Celebrar a Eucaristia é cumprir o que o Senhor ordenou à Sua Igreja, a missão que lhe deu de realizar o Sacrifício até que Ele venha; celebrar a Páscoa do Senhor também exige do cristão a missão de testemunhar e anunciar o Cristo. É como se, ao final da Celebração, fosse-nos dito: agora que participastes do Corpo e do Sangue do Ressuscitado, ide pelo mundo e testemunhai sua vitória pascal. Ele está vivo; está convosco, perante, ressuscitado e ressuscitante! Vós, que comestes e bebestes com Ele, sereis testemunhas disso até os confins da terra!



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