No dia 10 de setembro do ano 2000 o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa do XXIII Domingo do Tempo Comum (ano B) na Praça de São Pedro por ocasião do Jubileu das Universidades no contexto do Ano Santo.
Jubileu das Universidades
Homilia do Papa João Paulo II
10 de setembro de 2000
1. “Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os
mudos falar” (Mc 7,37).
No clima jubilar desta
celebração, somos convidados em primeiro lugar a unir-nos à admiração e ao
louvor de quantos assistiram ao milagre há pouco narrado pelo texto evangélico.
Como muitos outros episódios de cura, ele testifica a vinda do Reino de Deus na
pessoa de Jesus. Em Cristo realizam-se as promessas messiânicas enunciadas pelo
profeta Isaías: “Os ouvidos dos surdos se abrirão e a língua do
mudo dará gritos de alegria” (cf. Is 35,5-6). Com Ele inaugurou-se o ano de graça do
Senhor para toda a humanidade (cf. Lc 4,17-21).
Este ano de graça atravessa
os tempos, já assinala a história inteira, é princípio de ressurreição e de
vida que compromete não só a humanidade, mas também a criação (cf. Rm 8,19-22).
Encontramo-nos aqui para
fazer uma renovada experiência deste ano de graça, neste Jubileu das
Universidades que vos vê reunidos, ilustres Reitores, Professores,
Administradores e Capelães, oriundos de vários países, e vós caríssimos
estudantes, provenientes do mundo inteiro.
Dirijo a todos vós a minha
cordial saudação. Agradeço aos Cardeais e aos Bispos concelebrantes a sua
presença. Saúdo também o Ministro das Universidades e as outras autoridades
aqui congregadas.
2. “Effatá!” “Abre-te!” (Mc 7,34).
Esta palavra, pronunciada por Jesus na cura do surdo-mudo, ressoa hoje para
nós; é uma palavra sugestiva, de grande intensidade simbólica, que nos exorta a
abrir-nos à escuta e ao testemunho.
O surdo-mudo, de que fala o
Evangelho, não evoca porventura a situação de quem não consegue instaurar uma
comunicação que dê verdadeiro sentido à existência? De qualquer forma, faz
pensar no homem que se fecha numa presumível autonomia, na qual acaba por se
encontrar isolado em relação a Deus e com frequência também no que diz respeito
ao próximo. Jesus dirige-se a este homem para lhe restituir a capacidade de se
abrir ao Outro e os outros, em atitude de confiança e de amor gratuito.
Oferece-lhe a extraordinária oportunidade de encontrar Deus, que é amor e se
deixa conhecer por quem ama. Oferece-lhe a salvação.
Sim, Cristo abre o homem ao
conhecimento de Deus e de si mesmo. Ele que é a Verdade (cf. Jo 14,6)
abre-o à verdade, sensibilizando-o interiormente e curando assim todas as suas
faculdades “a partir de dentro”.
Caríssimos irmãos e irmãs
comprometidos no âmbito da investigação e do estudo, para vós esta palavra
constitui um apelo a abrir o espírito à verdade que liberta! Ao mesmo tempo, a
palavra de Cristo chama-vos a fazerdes-vos intermediários, junto de inumeráveis
plêiades de jovens, deste “Effatá” que
abre o espírito à aceitação de um ou de outro aspecto da verdade nos vários
campos do saber. Considerado a esta luz, o vosso compromisso diário torna-se um
seguimento de Cristo ao longo do caminho do serviço aos irmãos, na verdade do
amor.
Cristo é Aquele que “faz bem
todas as coisas” (Mc 7,37). Ele é o modelo para o qual se deve
olhar constantemente, a fim de fazer da própria atividade acadêmica um serviço
eficaz à aspiração humana por um conhecimento da verdade cada vez mais íntegro.
3. “Dizei aos corações
desanimados: ‘Sede fortes! Não tenhais medo! Olhai para o vosso Deus: Ele vem para salvar’” (Is 35,4).
Caríssimos professores
universitários, também a vossa missão se inscreve nestas palavras de Isaías.
Todos os dias estais empenhados em anunciar, salvaguardar e difundir a verdade.
Tratam-se com frequência de verdades concernentes às mais diversificadas
realidades do cosmos e da história. Assim como nos âmbitos da teologia e da
filosofia, nem sempre o debate diz diretamente respeito ao problema do sentido
último da vida e à relação com Deus. Mas de qualquer forma este é o horizonte
mais vasto de cada pensamento. Mesmo nas investigações acerca de aspectos da
vida que parecem totalmente afastados da fé se esconde um desejo de verdade e
de sentido que vai para além do particular e do contingente.
Quando o homem não é espiritualmente
“surdo-mudo”, cada percurso do pensamento, da ciência e da experiência lhe
oferece também um reflexo do Criador e lhe suscita um desejo d'Ele, com
frequência escondido e talvez também reprimido, mas insuprimível. Santo
Agostinho compreendia bem isto, e exclamava: “Criastes-nos para Vós, ó Senhor,
e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansar em Vós” (Confissões, 1,
1).
A vossa vocação de
estudiosos e professores que abriram o coração a Cristo consiste em viver e
testemunhar com eficácia esta relação entre todas as ciências singularmente e
aquele “saber” supremo que concerne a Deus e num certo sentido coincide com
Ele, com o seu Verbo que se fez homem e com o Espírito de verdade por Ele dado.
Assim, através da vossa contribuição, a Universidade torna-se o lugar do Effatá em
que Cristo, servindo-se de vós, continua a realizar o milagre de abrir os
ouvidos e os lábios, suscitando uma renovada escuta e uma verdadeira
comunicação.
A liberdade da investigação
nada tem a temer deste encontro com Cristo. Ele não prejudica nem sequer o
diálogo e o respeito às pessoas, uma vez que a verdade cristã por sua natureza
deve ser proposta e jamais imposta, e tem como ponto de referência o profundo
respeito pelo “sacrário da consciência” (Redemptoris missio, n. 39;
cf. Redemptor hominis, n. 12;
Concílio Ecumênico Vaticano II, Dignitatis humanae, n.
03).
4. No nosso tempo
verificam-se grandes transformações, que abarcam também o mundo universitário.
O caráter humanista da cultura às vezes parece ser secundário, enquanto se
acentua a tendência a reduzir o horizonte do saber àquilo que se pode medir, e
a descuidar todos os temas que dizem respeito ao significado último da
realidade. Pode perguntar-se que homem a Universidade prepara hoje.
Diante do desafio de um novo
Humanismo que seja autêntico e integral, a Universidade tem necessidade de
pessoas atentas à Palavra do único Mestre; precisa de profissionais
qualificados e de credíveis testemunhas de Cristo. Trata-se de uma missão
decerto não fácil, que exige um compromisso constante, se nutre de oração e de
estudo, e se exprime na normalidade da vida quotidiana.
Em auxílio desta missão
apresenta-se a pastoral universitária, que é ao mesmo tempo cuidado espiritual
das pessoas e eficaz ação de animação cultural, na qual a luz do Evangelho
orienta e humaniza os percursos da investigação, do estudo e da didática.
Centro de semelhante ação
pastoral são as Capelas universitárias, onde os professores, estudantes e
funcionários encontram apoio e ajuda para a sua vida cristã. Inseridas como
lugares significativos no contexto da Universidade, elas alimentam o
compromisso de cada um nas formas e nos modos que o ambiente universitário
sugere: são lugares do espírito, palestras de virtudes cristãs, casas de
acolhimento abertas, vivos e propulsores centros de animação cristã da cultura,
no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1Pd 3,15),
no testemunho que interroga e convence.
5. Caríssimos, para mim é
uma alegria celebrar hoje juntamente convosco o Jubileu das Universidades. A
vossa presença numerosa e qualificada constitui um sinal eloquente da
fecundidade cultural da fé.
Fixando o olhar no mistério
do Verbo encarnado (cf. Bula Incarnationis mysterium, n. 01), o homem encontra-se a si
mesmo (cf. Gaudium
et spes, n.
22). Ele experimenta também um íntimo júbilo, que se exprime no
mesmo estilo interior do estudo e do ensino. Assim, a ciência ultrapassa os
limites que a reduzem a um mero processo funcional e pragmático, para
reencontrar a sua dignidade de investigação ao serviço do homem na sua verdade
total, iluminada e orientada pelo Evangelho.
Caríssimos Professores e estudantes,
esta é a vossa vocação: fazer da Universidade o ambiente em que se cultiva o
saber, o lugar onde a pessoa encontra projetos, sabedoria e impulso ao serviço
qualificado da sociedade.
Confio este vosso caminho a
Maria, Sedes
Sapientiae, cuja
imagem vos entrego hoje para que seja recebida como mestra e peregrina, nas
cidades universitárias do mundo. Ela, que com a sua oração sustentou os Apóstolos
nos alvores da evangelização, vos ajude também a vós a animar de espírito
cristão o mundo universitário.
Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida |
Fonte: Santa Sé.
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