Iniciamos ontem, dia 10 de setembro de 2020, a publicar uma série de textos de Dom Henrique Soares da Costa sobre a Eucaristia, recordando os dois meses da sua morte no próximo dia 18.
Após apresentar "os nomes da Eucaristia" nos dois primeiros textos, nos dois seguintes este grande Bispo reflete sobre "a Eucaristia na Bíblia":
A Eucaristia III
10 de junho de 2020
Em dois textos pretéritos, já vimos, de modo geral, o que é
a Eucaristia. Vimos também os vários nomes que são dados a este Sacramento e
seus vários significados. Agora vejamos como ele está presente na Sagrada
Escritura.
Já durante os dias da Sua carne, no Seu ministério público,
o Senhor Jesus foi dando indicações daquilo que depois seria este santo
Sacramento. Vejamos algumas, mais significativas.
Primeiramente dois sinais particularmente importantes,
realizados pelo Senhor: Ele transformou água em vinho e multiplicou os pães.
Mais ainda: várias vezes comparou o Reino de Deus a um banquete: um banquete
que teria como convivas pessoas de todas as nações e que seria pleno e eterno
na consumação do Reino de Deus, banquete ao qual seriam chamados os pobres, os
afastados, os pecadores, os que não tinham esperança, banquete cuja graça é
participar da Vida do próprio Deus.
Sobretudo em Jo 6,51ss, as palavras de Cristo são bem
claras: “Eu sou o Pão descido do Céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente.
O pão que Eu darei é a Minha Carne para a vida do mundo. Em verdade, em
verdade, vos digo: se não comerdes a Carne do Filho do Homem e não beberdes o
Seu Sangue, não tereis a Vida em vós. Quem come a Minha Carne e bebe o Meu
Sangue tem a Vida eterna, pois Minha Carne é verdadeiramente comida e Meu
Sangue é verdadeiramente bebida. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu
vivo pelo Pai, também aquele que come de Mim, viverá por Mim”. O texto não
permite pensar em metáforas; trata-se, ao invés, de algo real, concreto: o pão
e o vinho eucarísticos são, realmente, o Corpo e o Sangue do Senhor.
E isto aparece ainda mais claro no contexto mesmo da Última
Ceia: contexto de entrega da própria existência, feita louvor oblativo ao Pai e
serviço de dar a vida pelos irmãos: Corpo dado, Sangue derramado! Por isso
mesmo, os Evangelhos, quando narram a multiplicação dos pães, usam sempre as
mesmas palavras para indicar os gestos de Jesus na Última Ceia: Ele tomou o
pão, deu graças, partiu e distribuiu (cf.
Mt 14,13-21; Lc 9,10-17; Jo 6,1-13; Mc 8,1-10). A Eucaristia, já preparada pelo
Cristo, foi por Ele instituída na Última Ceia: aí o Senhor deu à Igreja o
mandamento do amor - Ele mesmo, que nos amou até o extremo da Cruz e da
Sepultura e colocou-Se como modelo e medida do amor. E para deixar o
Sacramento, o penhor desse amor mais forte que a morte, instituiu a Eucaristia
como memorial de Sua Morte e Ressurreição, de Sua entrega amorosa, pascal!
Assim, no momento de fazer Sua Passagem (isto é, Sua Páscoa) do mundo para o
Pai através de Sua entrega de amor na Cruz, o Cristo Jesus deixou para a Sua
Igreja o sacramento de Sua Páscoa de amor: o Sacrifício eucarístico!
Cumpriu-se, assim, a Páscoa dos judeus, que era memorial da passagem da
escravidão de morte no Egito para uma libertação de vida na Terra Prometida.
Jesus deu à Páscoa dos judeus o seu significado definitivo: a nova Páscoa,
Páscoa do Cristo Jesus, foi antecipada na Ceia, é continuamente celebrada na
Eucaristia, que leva a cumprimento a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final
da Igreja, quando passaremos deste mundo para o Pai com Jesus Senhor e por
causa de Jesus Senhor.
É interessante insistir que a instituição da Eucaristia por
Cristo dá-se no contexto, no clima, de entrega e sacrifício de Sua vida: “É o
Meu Corpo, que será entregue; é o Meu Sangue, que será derramado...”.
Finalmente, o Senhor ordena que a Igreja celebre o Seu gesto até que Ele venha
(cf. 1Cor 11,26). Foi isto que a
Igreja sempre fez ao celebrar a Eucaristia. O Novo Testamento nos dá
muitíssimos exemplos disso. Desde o início, a Igreja foi fiel à Fração do Pão (cf. At 2,42.46). Sobretudo no primeiro
dia da semana, aquele dia que o Apocalipse chama já de “Dia do Senhor” (Ap 1,10),
os cristãos se reuniam para partir o pão: “No primeiro dia da semana, estando
nós reunidos para a Fração do Pão, Paulo entretinha-se com eles...” (At 20,7).
Este texto é importante. Aqui aparece a Celebração Eucarística aos domingos,
logo no início do cristianismo. Aquilo que a Igreja faz hoje - celebrar
dominicalmente a Eucaristia -, sempre fez, desde a época apostólica, por ordem
do Senhor Jesus! Assim, como diz o Catecismo
da Igreja, “de celebração em celebração, anunciando o Mistério Pascal de
Jesus, ‘até que Ele venha’ (1Cor 11,26), o Povo de Deus avança, caminhando pela
estrada da cruz, rumo ao Banquete celeste, quando todos os eleitos haverão de
sentar-se à mesa do Reino” (n. 1344).
Para ilustrar o que dissemos, baste-nos, por agora, o
profundo texto de São Paulo, em sua Primeira
Epístola aos Coríntios: “Eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti: na
noite em que foi entregue o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças,
partiu-o e disse: ‘Isto é o Meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória
(memorial) de Mim’. Do mesmo modo, após a ceia, também tomou o cálice, dizendo:
‘Este cálice é a nova Aliança em Meu Sangue; todas as vezes que dele beberdes,
fazei-o em memória (memorial) de Mim’. Todas as vezes, pois, que comeis desse
pão e bebeis desse cálice, anunciais a Morte do Senhor até que Ele venha” (1Cor
11,23-26).
Um pouco mais tarde, lá pelo ano 155, São Justino, mártir
cristão, explicaria ao imperador romano, Antonino Pio: “No dia chamado ‘do Sol’
(isto é, o domingo cristão), reúnem-se todos juntos, habitantes das cidades e
dos campos. São lidas as memórias dos Apóstolos (os nossos Evangelhos atuais e
os outros livros do Novo Testamento) e os escritos dos profetas (o Antigo
Testamento), tanto quanto o tempo permite. Depois, quando o leitor termina,
aquele que preside nos admoesta e nos exorta a imitar esses bons exemplos.
Depois, todos juntos, nos colocamos em pé e elevamos orações seja por nós
mesmos, seja por todos os outros, onde quer que se encontrem... Terminadas as orações
(oração dos fieis), saudamo-nos uns aos outros com um beijo. Depois, são
trazidos àquele que preside um pão e um cálice de água e vinho. Ele os toma e
eleva o louvor e glória ao Pai do universo em Nome do Filho e do Espírito Santo
e faz uma ação de graças (em grego, ‘eucaristia’. É a atual Oração Eucarística)
para que esses dons sejam dignos de Deus. Quando ele termina as orações e a
ação de graças (a Oração Eucarística), todo o povo presente aclama: ‘Amém’.
Depois que o que preside fez a ação de graças e todo o povo aclamou, aqueles
que nós chamamos diáconos distribuem a cada um dos presentes o Pão e o Vinho
com água ‘eucaristizados’ e os levam aos ausentes...”.
Que coisa linda! Dois mil anos se passaram e a Igreja de
Cristo, fidelíssima à Tradição Apostólica, continua fazendo o que sempre fez:
celebrando a Eucaristia até que venha o seu Senhor para introduzi-la na
plenitude da Eucaristia do Reino de Deus!
A Eucaristia IV
10 de junho de 2020
No tópico passado, tivemos a oportunidade de constatar tantos
textos do Novo Testamento que se referem à Eucaristia. Queremos, também no
presente tópico, continuar apresentando textos bíblicos que têm sabor
eucarístico.
A Tradição dos Apóstolos nos diz que Cristo desejou celebrar
Sua Passagem deste mundo para o Pai numa Ceia eucarística em forma de banquete
pascal: “Quando chegou a hora, Ele Se pôs à mesa com Seus apóstolos e
disse-lhes: ‘Desejei ardentemente comer está Páscoa convosco antes de sofrer’”
(Lc 22,14s). Para os judeus, a ceia era um acontecimento solene, sinal de
comunhão, convivência e intimidade. Somente os que “con-vivem” e são amigos
podem participar juntos de uma mesma mesa: partilha a mesa exprime e requer
partilha a vida! A ceia, na Escritura Santa, é também sinal de alegria, de
bênção: nela jorra o vinho que alegra o coração do homem (cf. Sl 104,15; Lc 15,23s). A ceia é ainda sinal de poder: um rei
mostrava seu poder e grandeza pela duração dos banquetes que patrocinava (cf. Est 1,5). Quantas vezes, em tantos
momentos importantes da Escritura, a ceia aparece e, com ela, o pão e o vinho! Recordemos
alguns, mais significativos:
“Ao voltar, depois da vitória contra Codorlaomor e os reis
que com ele estavam, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma no vale de Save, que
é o vale do rei. Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho e, como
sacerdote de Deus Altíssimo, abençoou Abrão, dizendo: ‘Bendito seja Abrão pelo
Deus Altíssimo, Criador do céu e da terra. Bendito seja o Deus Altíssimo, que
entregou os inimigos em tuas mãos’. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo” (Gn
14,17-20).
Outro texto é aquele de Ex 12,1-20, que nos apresenta o
sacrifício e o banquete pascal. Um momento central na história de Israel! Um
texto, também do Êxodo, ligado a este que citei, é 24,9-11: “Moisés subiu com
Aarão, Nadab e Abiú e setenta anciãos de Israel, e eles viram o Deus de Israel.
Debaixo dos pés havia uma espécie de pavimento de ladrilhos de safira, límpidos
como o próprio céu. Ele não estendeu a mão contra os israelitas escolhidos;
eles puderam contemplar a Deus e depois comeram e beberam”. Os líderes de
Israel comeram na presença do Senhor: trata-se aqui de um sacrifício de
comunhão, um sacrifício em forma de banquete! É como se Deus e o homem comessem
à mesma mesa, participassem da mesma Vida!
Pensemos ainda no dom do maná (cf. Ex 16) ou no belíssimo texto da ceia da Sabedoria (e sabemos
que a Sabedoria de Deus é Cristo Jesus - cf.
Lc 7,35; 1Cor 1,24). Vamos ao texto sobre a Sabedoria: “A Sabedoria construiu
sua casa, talhou suas sete colunas. Matou suas reses e misturou seu vinho e pôs
a mesa. Enviou suas criadas para fazerem o convite, dos pontos mais altos da
cidade: ‘Quem for simples venha a mim!’ Ao insensato ela diz: ‘Vinde comer do
meu pão e beber do vinho que misturei.
Deixai a insensatez e vivereis, segui o caminho da prudência!’” (Pr
9,1-6).
Agora, voltemos ainda um pouco ao Novo Testamento: como foi
afirmado no início do texto passado, Jesus, nosso Senhor, compara o Reino de
Deus a um banquete (cf. Lc 25,6-8);
por isso tantas vezes refere-Se a banquete de núpcias (cf. Mt 22,1-14),
banquete no qual Ele mesmo nos servirá (cf.
Lc 12,35-37) e do qual a humanidade toda haverá de participar um dia (cf. Lc 13,22-29). Segundo o Evangelho, é
feliz quem tomar parte desse banquete (cf.
Lc 14,15-24). Por isso mesmo, o Senhor Jesus iniciou Seus sinais num banquete
nupcial (cf. Jo 2,1-12) e termina, no
Apocalipse, batendo à nossa porta
para cear conosco (cf. Ap 7,20).
Tudo isso são marcas da Eucaristia! Tudo isso conduz à
Eucaristia! Ela é a ceia que nos torna presente o Sacrifício de Cristo que Se
dá no pão e no vinho, ela é comunhão com o próprio Deus no Seu Filho Jesus, ela
é antecipação do Banquete do fim dos tempos, ela é já um gostinho, uma
pregustação da plenitude do Reino do Céu!
Fonte: Blog Visão Cristã
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