sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Textos de Dom Henrique Soares sobre a Eucaristia 3-4

Iniciamos ontem, dia 10 de setembro de 2020, a publicar uma série de textos de Dom Henrique Soares da Costa sobre a Eucaristia, recordando os dois meses da sua morte no próximo dia 18.

Após apresentar "os nomes da Eucaristia" nos dois primeiros textos, nos dois seguintes este grande Bispo reflete sobre "a Eucaristia na Bíblia":

A Eucaristia III
10 de junho de 2020

Em dois textos pretéritos, já vimos, de modo geral, o que é a Eucaristia. Vimos também os vários nomes que são dados a este Sacramento e seus vários significados. Agora vejamos como ele está presente na Sagrada Escritura.

Já durante os dias da Sua carne, no Seu ministério público, o Senhor Jesus foi dando indicações daquilo que depois seria este santo Sacramento. Vejamos algumas, mais significativas.

Primeiramente dois sinais particularmente importantes, realizados pelo Senhor: Ele transformou água em vinho e multiplicou os pães. Mais ainda: várias vezes comparou o Reino de Deus a um banquete: um banquete que teria como convivas pessoas de todas as nações e que seria pleno e eterno na consumação do Reino de Deus, banquete ao qual seriam chamados os pobres, os afastados, os pecadores, os que não tinham esperança, banquete cuja graça é participar da Vida do próprio Deus.

Sobretudo em Jo 6,51ss, as palavras de Cristo são bem claras: “Eu sou o Pão descido do Céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente. O pão que Eu darei é a Minha Carne para a vida do mundo. Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a Carne do Filho do Homem e não beberdes o Seu Sangue, não tereis a Vida em vós. Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue tem a Vida eterna, pois Minha Carne é verdadeiramente comida e Meu Sangue é verdadeiramente bebida. Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que come de Mim, viverá por Mim”. O texto não permite pensar em metáforas; trata-se, ao invés, de algo real, concreto: o pão e o vinho eucarísticos são, realmente, o Corpo e o Sangue do Senhor.

E isto aparece ainda mais claro no contexto mesmo da Última Ceia: contexto de entrega da própria existência, feita louvor oblativo ao Pai e serviço de dar a vida pelos irmãos: Corpo dado, Sangue derramado! Por isso mesmo, os Evangelhos, quando narram a multiplicação dos pães, usam sempre as mesmas palavras para indicar os gestos de Jesus na Última Ceia: Ele tomou o pão, deu graças, partiu e distribuiu (cf. Mt 14,13-21; Lc 9,10-17; Jo 6,1-13; Mc 8,1-10). A Eucaristia, já preparada pelo Cristo, foi por Ele instituída na Última Ceia: aí o Senhor deu à Igreja o mandamento do amor - Ele mesmo, que nos amou até o extremo da Cruz e da Sepultura e colocou-Se como modelo e medida do amor. E para deixar o Sacramento, o penhor desse amor mais forte que a morte, instituiu a Eucaristia como memorial de Sua Morte e Ressurreição, de Sua entrega amorosa, pascal! Assim, no momento de fazer Sua Passagem (isto é, Sua Páscoa) do mundo para o Pai através de Sua entrega de amor na Cruz, o Cristo Jesus deixou para a Sua Igreja o sacramento de Sua Páscoa de amor: o Sacrifício eucarístico! Cumpriu-se, assim, a Páscoa dos judeus, que era memorial da passagem da escravidão de morte no Egito para uma libertação de vida na Terra Prometida. Jesus deu à Páscoa dos judeus o seu significado definitivo: a nova Páscoa, Páscoa do Cristo Jesus, foi antecipada na Ceia, é continuamente celebrada na Eucaristia, que leva a cumprimento a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja, quando passaremos deste mundo para o Pai com Jesus Senhor e por causa de Jesus Senhor.

É interessante insistir que a instituição da Eucaristia por Cristo dá-se no contexto, no clima, de entrega e sacrifício de Sua vida: “É o Meu Corpo, que será entregue; é o Meu Sangue, que será derramado...”. Finalmente, o Senhor ordena que a Igreja celebre o Seu gesto até que Ele venha (cf. 1Cor 11,26). Foi isto que a Igreja sempre fez ao celebrar a Eucaristia. O Novo Testamento nos dá muitíssimos exemplos disso. Desde o início, a Igreja foi fiel à Fração do Pão (cf. At 2,42.46). Sobretudo no primeiro dia da semana, aquele dia que o Apocalipse chama já de “Dia do Senhor” (Ap 1,10), os cristãos se reuniam para partir o pão: “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para a Fração do Pão, Paulo entretinha-se com eles...” (At 20,7). Este texto é importante. Aqui aparece a Celebração Eucarística aos domingos, logo no início do cristianismo. Aquilo que a Igreja faz hoje - celebrar dominicalmente a Eucaristia -, sempre fez, desde a época apostólica, por ordem do Senhor Jesus! Assim, como diz o Catecismo da Igreja, “de celebração em celebração, anunciando o Mistério Pascal de Jesus, ‘até que Ele venha’ (1Cor 11,26), o Povo de Deus avança, caminhando pela estrada da cruz, rumo ao Banquete celeste, quando todos os eleitos haverão de sentar-se à mesa do Reino” (n. 1344).

Para ilustrar o que dissemos, baste-nos, por agora, o profundo texto de São Paulo, em sua Primeira Epístola aos Coríntios: “Eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti: na noite em que foi entregue o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o Meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória (memorial) de Mim’. Do mesmo modo, após a ceia, também tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova Aliança em Meu Sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória (memorial) de Mim’. Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a Morte do Senhor até que Ele venha” (1Cor 11,23-26).

Um pouco mais tarde, lá pelo ano 155, São Justino, mártir cristão, explicaria ao imperador romano, Antonino Pio: “No dia chamado ‘do Sol’ (isto é, o domingo cristão), reúnem-se todos juntos, habitantes das cidades e dos campos. São lidas as memórias dos Apóstolos (os nossos Evangelhos atuais e os outros livros do Novo Testamento) e os escritos dos profetas (o Antigo Testamento), tanto quanto o tempo permite. Depois, quando o leitor termina, aquele que preside nos admoesta e nos exorta a imitar esses bons exemplos. Depois, todos juntos, nos colocamos em pé e elevamos orações seja por nós mesmos, seja por todos os outros, onde quer que se encontrem... Terminadas as orações (oração dos fieis), saudamo-nos uns aos outros com um beijo. Depois, são trazidos àquele que preside um pão e um cálice de água e vinho. Ele os toma e eleva o louvor e glória ao Pai do universo em Nome do Filho e do Espírito Santo e faz uma ação de graças (em grego, ‘eucaristia’. É a atual Oração Eucarística) para que esses dons sejam dignos de Deus. Quando ele termina as orações e a ação de graças (a Oração Eucarística), todo o povo presente aclama: ‘Amém’. Depois que o que preside fez a ação de graças e todo o povo aclamou, aqueles que nós chamamos diáconos distribuem a cada um dos presentes o Pão e o Vinho com água ‘eucaristizados’ e os levam aos ausentes...”.

Que coisa linda! Dois mil anos se passaram e a Igreja de Cristo, fidelíssima à Tradição Apostólica, continua fazendo o que sempre fez: celebrando a Eucaristia até que venha o seu Senhor para introduzi-la na plenitude da Eucaristia do Reino de Deus!

A Eucaristia IV
10 de junho de 2020

No tópico passado, tivemos a oportunidade de constatar tantos textos do Novo Testamento que se referem à Eucaristia. Queremos, também no presente tópico, continuar apresentando textos bíblicos que têm sabor eucarístico.

A Tradição dos Apóstolos nos diz que Cristo desejou celebrar Sua Passagem deste mundo para o Pai numa Ceia eucarística em forma de banquete pascal: “Quando chegou a hora, Ele Se pôs à mesa com Seus apóstolos e disse-lhes: ‘Desejei ardentemente comer está Páscoa convosco antes de sofrer’” (Lc 22,14s). Para os judeus, a ceia era um acontecimento solene, sinal de comunhão, convivência e intimidade. Somente os que “con-vivem” e são amigos podem participar juntos de uma mesma mesa: partilha a mesa exprime e requer partilha a vida! A ceia, na Escritura Santa, é também sinal de alegria, de bênção: nela jorra o vinho que alegra o coração do homem (cf. Sl 104,15; Lc 15,23s). A ceia é ainda sinal de poder: um rei mostrava seu poder e grandeza pela duração dos banquetes que patrocinava (cf. Est 1,5). Quantas vezes, em tantos momentos importantes da Escritura, a ceia aparece e, com ela, o pão e o vinho! Recordemos alguns, mais significativos:

“Ao voltar, depois da vitória contra Codorlaomor e os reis que com ele estavam, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma no vale de Save, que é o vale do rei. Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho e, como sacerdote de Deus Altíssimo, abençoou Abrão, dizendo: ‘Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, Criador do céu e da terra. Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os inimigos em tuas mãos’. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo” (Gn 14,17-20).

Outro texto é aquele de Ex 12,1-20, que nos apresenta o sacrifício e o banquete pascal. Um momento central na história de Israel! Um texto, também do Êxodo, ligado a este que citei, é 24,9-11: “Moisés subiu com Aarão, Nadab e Abiú e setenta anciãos de Israel, e eles viram o Deus de Israel. Debaixo dos pés havia uma espécie de pavimento de ladrilhos de safira, límpidos como o próprio céu. Ele não estendeu a mão contra os israelitas escolhidos; eles puderam contemplar a Deus e depois comeram e beberam”. Os líderes de Israel comeram na presença do Senhor: trata-se aqui de um sacrifício de comunhão, um sacrifício em forma de banquete! É como se Deus e o homem comessem à mesma mesa, participassem da mesma Vida!

Pensemos ainda no dom do maná (cf. Ex 16) ou no belíssimo texto da ceia da Sabedoria (e sabemos que a Sabedoria de Deus é Cristo Jesus - cf. Lc 7,35; 1Cor 1,24). Vamos ao texto sobre a Sabedoria: “A Sabedoria construiu sua casa, talhou suas sete colunas. Matou suas reses e misturou seu vinho e pôs a mesa. Enviou suas criadas para fazerem o convite, dos pontos mais altos da cidade: ‘Quem for simples venha a mim!’ Ao insensato ela diz: ‘Vinde comer do meu pão e beber do vinho que misturei.  Deixai a insensatez e vivereis, segui o caminho da prudência!’” (Pr 9,1-6).

Agora, voltemos ainda um pouco ao Novo Testamento: como foi afirmado no início do texto passado, Jesus, nosso Senhor, compara o Reino de Deus a um banquete (cf. Lc 25,6-8); por isso tantas vezes refere-Se a banquete de núpcias (cf. Mt 22,1-14), banquete no qual Ele mesmo nos servirá (cf. Lc 12,35-37) e do qual a humanidade toda haverá de participar um dia (cf. Lc 13,22-29). Segundo o Evangelho, é feliz quem tomar parte desse banquete (cf. Lc 14,15-24). Por isso mesmo, o Senhor Jesus iniciou Seus sinais num banquete nupcial (cf. Jo 2,1-12) e termina, no Apocalipse, batendo à nossa porta para cear conosco (cf. Ap 7,20).

Tudo isso são marcas da Eucaristia! Tudo isso conduz à Eucaristia! Ela é a ceia que nos torna presente o Sacrifício de Cristo que Se dá no pão e no vinho, ela é comunhão com o próprio Deus no Seu Filho Jesus, ela é antecipação do Banquete do fim dos tempos, ela é já um gostinho, uma pregustação da plenitude do Reino do Céu!




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