quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Jubileu dos Santuários no ano 2000

No dia 24 de setembro do ano 2000 o Papa João Paulo II celebrou a Santa Missa do XXV Domingo do Tempo Comum (ano B) na Praça de São Pedro por ocasião da conclusão do Congresso Mariano Internacional e Jubileu dos Santuários no contexto do Ano Santo.

Conclusão do Congresso Mariológico-Mariano Internacional
Jubileu dos Santuários
Homilia do Papa João Paulo II
24 de setembro de 2000

Caríssimos irmãos e irmãs,
1. “Pegou numa criança e colocou-a no meio” (Mc 9,36). Este singular gesto de Jesus, recordado pelo Evangelho que há pouco se proclamou, vem imediatamente depois da admoestação com que o Mestre exortara os discípulos a desejarem não o primado do poder, mas a primazia do serviço. Foi um ensinamento que decerto sensibilizou profundamente os Doze, os quais acabavam de “discutir sobre qual deles era o maior” (Mc 9,34). Dir-se-ia que o Mestre sentiu a necessidade de explicar um ensinamento tão comprometedor, com a eloquência de um gesto rico de ternura. A uma criança, que em conformidade com os parâmetros dessa época não contava nada, Ele deu o seu abraço e quase se identificou com ela: “Quem receber em meu nome uma destas crianças, é a mim que recebe” (Mc 9,37).
Nesta Eucaristia, que conclui o XX Congresso Mariológico-Mariano Internacional e o Jubileu Mundial dos Santuários Marianos, apraz-me assumir como perspectiva de reflexão precisamente este singular ícone evangélico. Nele emerge, mais do que um ensinamento moral, uma indicação cristológica e, de maneira indireta, uma indicação mariana.

Missa do Papa no Santuário de Fátima (Portugal)

No abraço à criança, Cristo revela em primeiro lugar a delicadeza do seu coração, capaz de todas as vibrações da sensibilidade e do afeto. Antes de tudo, há a ternura do Pai que, desde a eternidade, no Espírito Santo, a ama e no seu rosto humano vê o “Filho predileto” em quem encontra agrado (cfMc 1,11; 9,7). Depois, há a ternura totalmente feminina e materna, com a qual Maria O circundou nos longos anos transcorridos na sua casa de Nazaré. Sobretudo na Idade Média, a tradição cristã deteve-se com frequência para contemplar a Virgem que abraça o Menino Jesus. Aelredo de Rievaulx, por exemplo, dirige-se com afeto a Maria, convidando-a a abraçar o Filho que ela, depois de três dias, reencontrou no templo (cfLc 2,40-50): “Aperta, dulcíssima Senhora, aperta Aquele que tu amas, lança-te ao seu pescoço, abraça-O, beija-O e compensa os três dias da sua ausência com múltiplas delícias” (De Iesu puero duodenni 8: SCh 60, p. 64).

2. “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último e ser aquele que serve a todos” (Mc 9,35). Da imagem do abraço à criança emerge todo o vigor deste princípio que, na pessoa de Jesus e depois na de Maria, encontra a sua realização exemplar.
Ninguém como Jesus pode dizer que é o “primeiro”. Efetivamente, Ele é “o primeiro e o último”, “o Alfa e o Ômega” (cfAp 22,13), a irradiação da glória do Pai (cfHb 1,3). Na Ressurreição, foi-lhe dado “o Nome que está acima de qualquer outro nome” (Fl 2,9). Mas também na Paixão Ele se mostrou como “o último de todos” e, como “o servo de todos”, não hesitou em lavar os pés aos seus discípulos (cfJo 13,14).
Nesta humilhação, Maria segue-O de muito perto! Ela, que teve a missão da maternidade divina e os excepcionais privilégios que a colocam acima de qualquer outra criatura, sente-se sobretudo a Serva do Senhor (cfLc 1,38.48), e dedica-se totalmente ao serviço do Filho divino. E com pronta disponibilidade faz-se também serva dos irmãos, como alguns episódios evangélicos desde a Visitação até às Bodas de Caná nos fazem entrever muito bem.

3. Por isso, o princípio enunciado por Jesus no Evangelho ilumina inclusivamente a grandeza de Maria. O seu primado está radicado na sua humildadeFoi precisamente por esta humildade que Deus a escolheu, cumulando-a com os seus favores celestiais, fazendo dela a kecharitomenea cheia de graça (cfLc 1,28). No Magnificat, Ela mesma confessa: “Olhou para a humilhação da sua serva... o Todo-Poderoso realizou grandes obras em meu favor” (Lc 1,48-49).
No Congresso Mariológico-Mariano, que se acaba de concluir, fixastes o olhar nas “grandes obras” realizadas por Maria, considerando a sua dimensão mais interior e profunda, a da sua especialíssima relação com a Trindade. Se Maria é a Theotokos, a Mãe do Unigênito de Deus, como não se admirar com o fato de ala gozar de uma relação totalmente única também com o Pai e o Espírito Santo?
Certamente, esta relação não a priva, na sua vida terrestre, do cansaço da condição humana: Maria viveu plenamente a realidade quotidiana de muitas famílias humildes do seu tempo, conheceu a pobreza, a dor, a fuga, o exílio e a incompreensão. Portanto, a sua grandeza espiritual não a torna “distante” de nós: Ela percorreu o nosso caminho e foi solidária conosco na peregrinação da fé (Lumen Gentium, n. 58). Mas, neste caminho interior, Maria cultivou uma fidelidade absoluta ao desígnio de Deus. É exatamente no abismo de tal fidelidade que se radica inclusive o abismo de grandeza que a torna “a mais humilde e a mais excelsa das criaturas” (Dante, Paraíso, XXXIII, 2).

4. Maria salta aos nossos olhos sobretudo como “filha predileta” (Lumen Gentium, n. 53) do Pai. Se todos somos chamados por Deus “a ser seus filhos adotivos por obra de Jesus Cristo” (cf. Ef 1,5), “filhos no Filho”, isto vale de maneira singular para aquela que tem o privilégio de poder repetir com plena verdade humana a palavra pronunciada por Deus Pai acerca de Jesus: “Tu és o meu Filho” (cf. Lc 3,22; 2,48). Em virtude desta sua tarefa maternal, Ela foi dotada de uma santidade excepcional, na qual repousa o olhar do Pai.
Com a segunda Pessoa da Trindade, o Verbo que se fez carne, Maria tem uma relação única, dado que está diretamente envolvida no mistério da Encarnação. Ela é Mãe e, como tal, Cristo honra-a e ama-a. Ao mesmo tempo, ela reconhece-O como seu Deus e Senhor, fazendo-se discípula com um coração atento e fiel (cf. Lc 2,19.51) e sua generosa companheira (cf. Lumen Gentium, n. 61) na obra da Redenção. No Verbo encarnado e em Maria a distância infinita entre o Criador e a criatura tornou-se a máxima proximidade; eles constituem o espaço santo das misteriosas núpcias entre a natureza divina e a natureza humana, o lugar em que a Trindade se manifesta pela primeira vez e onde Maria representa a nova humanidade, pronta a retomar o diálogo da aliança em amor obediente.

5. De resto, o que dizer da sua relação com o Espírito Santo? Maria é o sacrário puríssimo no qual Ele habita. A tradição cristã descreve Maria como o protótipo da resposta dócil à moção interior do Espírito, o paradigma da plena aceitação das suas dádivas. O Espírito sustenta a sua fé, consolida a sua esperança, reaviva a sua chama de amor. O Espírito torna fecunda a sua virgindade e inspira o seu cântico de alegria. O Espírito ilumina a sua meditação sobre a Palavra, abrindo-lhe progressivamente a inteligência à compreensão da missão do Filho. É ainda o Espírito que sustém o seu ânimo prostrado no Calvário e a prepara, na expectativa orante do Cenáculo, para receber a plena efusão dos dons do Pentecostes.

6. Diletos irmãos e irmãs! Diante deste mistério de graça, vê-se bem quão oportunos ao Ano Jubilar foram os dois acontecimentos que se concluem com esta celebração eucarística: o Congresso Mariológico-Mariano Internacional e o Jubileu dos Santuários Marianos. Não comemoramos porventura os dois mil anos do nascimento de Cristo? Por conseguinte, é natural que o Jubileu do Filho seja também o Jubileu da Mãe!
Por isso, formulam-se bons votos para que, entre todos os frutos deste Ano de graça, ao lado de um amor mais vigoroso a Cristo, haja também o de uma renovada piedade mariana. Sim, Maria deve ser muito amada e honrada, mas com uma devoção que, para ser autêntica, há de:
- estar bem assentada na Escritura e na Tradição, valorizando em primeiro lugar a Liturgia e haurindo dela a inequívoca orientação para as manifestações mais espontâneas da religiosidade popular;
- expressar-se no esforço de imitar a Toda Santa ao longo de um caminho de perfeição pessoal;
- estar distante de todas as formas de superstição e de credulidade vã, aceitando no justo sentido, em sintonia com o discernimento eclesial, as manifestações extraordinárias com que, não raro, a Bem-Aventurada Virgem gosta de conceder para o bem do povo de Deus;
- ser capaz de remontar sempre à nascente da grandeza de Maria, tornando-se incessante Magnificat de louvor ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

7. Caríssimos irmãos e irmãs! “Quem receber um destes pequeninos em meu nome, é a mim que recebe”, disse-nos Jesus no Evangelho. Com mais razão ainda, poderia dizer-nos: “Quem receber minha Mãe, é a mim que recebe”. E Maria, por sua vez, recebida com amor filial, indica-nos de novo o Filho, como fez nas Bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).
Caríssimos, seja esta a mensagem da celebração jubilar de hoje, que une Cristo e a sua Santíssima Mãe num único louvor. Faço votos para que cada um de vós receba disto frutos abundantes e seja encorajado a uma genuína renovação de vida. Ad Iesum per Mariam! Amém.


Fonte: Santa Sé.

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