quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Deus Pai 8

Em suas Catequeses sobre o Creio, após refletir sobre “Deus Pai todo-poderoso”, o Papa São João Paulo II dedica algumas reflexões ao mistério da Santíssima Trindade (nn. 13-23).

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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI

III. A Santíssima Trindade (nn. 13-23)

13. O Deus único é a Inefável e Santíssima Trindade
João Paulo II - 09 de outubro de 1985

1. A Igreja professa a própria fé no Deus único, o qual é ao mesmo tempo Trindade Santíssima e Inefável de Pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. E a Igreja vive desta verdade, contida nos mais antigos Símbolos da fé, e recordada em nossos tempos por Paulo VI, por ocasião do XIX centenário do martírio dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo (1968), no Símbolo apresentado por ele mesmo e universalmente conhecido como “Credo do Povo de Deus”.
Só “Aquele que quis dar-se a conhecer a nós e que, ‘habitando uma luz inacessível’ (1Tm 6,16), e está, em si mesmo, acima de todo nome, de todas as coisas e de todas as inteligências criadas... pode dar-nos um conhecimento exato e pleno de Si mesmo, revelando-se como Pai e Filho e Espírito Santo, de cuja vida eterna somos pela graça chamados a participar, aqui na terra, na obscuridade da fé, e, depois da morte, na luz sempiterna” (Paulo VI, Credo do Povo de Deus).

2. Deus, que para nós é incompreensível, quis revelar-se não só como único criador e Pai todo-poderoso, mas também como Pai e Filho e Espírito Santo. Nesta revelação, a verdade sobre Deus, que é amor, se desvela em sua fonte essencial: Deus é amor na própria vida interior de uma única divindade. Este amor se revela como uma inefável comunhão de pessoas.

Ícone da Santíssima Trindade (Andrei Rublev)
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3. Este mistério - o mais profundo: o mistério da vida íntima do próprio Deus - nos foi revelado por Jesus Cristo: “O Deus Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1,18). Segundo o Evangelho de São Mateus, as últimas palavras, com as quais Jesus Cristo conclui a sua missão terrena depois da Ressurreição, dirigidas aos Apóstolos, foram: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Estas palavras inauguravam a missão da Igreja, indicando-lhe seu compromisso fundamental e constitutivo. A primeira tarefa da Igreja é ensinar e batizar - e batizar quer dizer “submergir” (por isto se batiza com água) na vida trinitária de Deus.
Jesus Cristo encerra nestas últimas palavras tudo aquilo que havia ensinado anteriormente sobre Deus: sobre o Pai, sobre o Filho e sobre o Espírito Santo. Com efeito, Ele havia anunciado desde o início a verdade sobre o Deus único, em conformidade com a tradição de Israel. À pergunta: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”, Jesus havia respondido: “O primeiro é este: ‘Escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor’” (Mc 12,28-29). E, ao mesmo tempo, Jesus constantemente dirigia-se a Deus como “seu Pai”, a ponto de afirmar: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Do mesmo modo havia revelado também o “Espírito da verdade, que procede do Pai” e que, assegurou, “Eu vos enviarei da parte do Pai” (Jo 15,26).

4. As palavras sobre o Batismo “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, confiadas por Jesus aos Apóstolos ao concluir sua missão terrena, têm um significado particular, porque consolidaram a verdade sobre a Santíssima Trindade, colocando-a na base da vida sacramental da Igreja. A vida de fé de todos os cristãos tem início no Batismo, com a imersão no mistério do Deus vivo. Provam-no as Cartas Apostólicas, sobretudo as de São Paulo. Entre as fórmulas trinitárias que elas contêm, a mais conhecida, constantemente usada na Liturgia, é aquela presente na Segunda Carta aos Coríntios: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Encontramos outras na Primeira Carta aos Coríntios, na Carta aos Efésios e também na Primeira Carta de São Pedro, no início do primeiro capítulo (1Pd 1,1-2).
Como um reflexo, todo o desenvolvimento da vida de oração da Igreja assumiu uma consciência e um respiro trinitário: no Espírito, por Cristo, ao Pai.

5. Assim, a fé no Deus uno e trino entrou desde o início na tradição da vida da Igreja e dos cristãos. Em consequência, toda a Liturgia  é, por sua essência, trinitária, enquanto expressão da divina economia [1]. É preciso enfatizar que para a compreensão deste supremo mistério da Santíssima Trindade contribuiu a fé na redenção, isto é, a fé na obra salvífica de Cristo. Ela manifesta a missão do Filho e do Espírito Santo que, no seio da Trindade eterna, procedem “do Pai”, revelando a “economia trinitária” presente na redenção e na santificação. A Santíssima Trindade é anunciada antes de tudo mediante a soteriologia, isto é, mediante o conhecimento da “economia da salvação”, que Cristo anuncia e realiza na sua missão messiânica. Deste conhecimento parte o caminho para o conhecimento da Trindade “imanente”, do mistério da vida íntima de Deus.

6. Neste sentido o Novo Testamento contém a plenitude da revelação trinitária. Deus, revelando-se em Jesus Cristo, por um lado desvela quem é Deus para o homem e, por outro, revela quem é Deus em Si mesmo, isto é, em sua vida íntima. A verdade que “Deus é amor”, expressa na Primeira Carta de João (1Jo 4,8.16), possui aqui o valor de pedra angular. Se por meio dela se desvela quem é Deus para o homem, então se desvela também (enquanto é possível à mente humana captar e às nossas palavras expressar), quem Ele é em Si mesmo. Ele é unidade, isto é, comunhão do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

7. O Antigo Testamento não revelou esta verdade de modo explícito, mas a preparou, mostrando a paternidade de Deus na aliança com o povo, manifestando sua ação no mundo com a Sabedoria, a Palavra e o Espírito (cf., por exemplo, Sb 7,22-30; Pr 8,22-30; Sl 32/33,4-6; 147,15;  Is 55,11; Sb 12,1; Is 11,2; Eclo 48,12).
O Antigo Testamento consolidou principalmente, antes de tudo em Israel e logo fora dele, a verdade sobre o Deus único, “ponto cardeal” da religião monoteísta [2]. Deve-se concluir, pois, que o Novo Testamento trouxe a plenitude da revelação sobre a Santíssima Trindade e que a verdade trinitária está desde o início na raiz da fé viva da comunidade cristã, por meio do Batismo e da Liturgia. Da mesma forma nas regras da fé, que encontramos abundantemente tanto nas Cartas Apostólicas como no testemunho do querigma, na catequese e na oração da Igreja.

8. Um tema à parte é a formação do dogma trinitário no contexto da defesa contra as heresias dos primeiros séculos. A verdade sobre Deus uno e trino é o mais profundo mistério da fé e também o mais difícil de compreender: se apresentava, pois, a possibilidade de interpretações equivocadas, especialmente quando o Cristianismo se pôs em contato com a cultura e a filosofia gregas. Tratava-se de “inscrever corretamente o mistério do Deus trino e uno na terminologia do ser”, isto é, de exprimir de forma precisa na linguagem filosófica da época os conceptos que definiam inequivocamente tanto a Unidade como a Trindade do Deus da nossa Revelação.
Isto aconteceu antes de tudo nos dois grandes Concílios Ecumênicos de Niceia (325) e de Constantinopla (381). O fruto do magistério destes Concílios é o “Credo” Niceno-Constantinopolitano, com o qual, desde aqueles tempos, a Igreja exprime a sua fé no Deus uno e trino: Pai e Filho e Espírito Santo. Recordando a obra dos Concílios, é preciso nomear alguns teólogos particularmente beneméritos, especialmente entre os Padres da Igreja. Para o período pré-niceno citamos Tertuliano, Cipriano, Orígenes, Irineu; para o período niceno, Atanásio e Efrém, o Sírio; e para o período anterior ao Concílio de Constantinopla recordamos Basílio Magno, Gregório Nazianzeno e Gregório de Nissa, Hilário, até Ambrósio, Agostinho, Leão Magno.

9. Do século V provém o chamado Símbolo Atanasiano, que começa com a palavra “Quicumque”, e que constitui uma espécie de comentário ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano.
O “Credo do Povo de Deus” de Paulo VI confirma a fé da Igreja primitiva quando proclama: “As relações mútuas, que constituem eternamente as Três Pessoas, sendo, cada uma delas, o único e mesmo Ser Divino, perfazem a bem-aventurada vida íntima do Deus três vezes Santo, infinitamente acima de tudo o que podemos conceber à maneira humana” (Paulo VI, Credo do Povo de Deus): realmente, Inefável e Santíssima Trindade, único Deus!

O Batismo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo

Notas:

[1] Sobre a Liturgia como obra da Trindade, cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1077-1112. Remetemos também à nossa postagem sobre a história da Solenidade da Santíssima Trindade e a três textos sobre o assunto divulgados no site da Santa Sé: Deus Pai / Deus Filho / Deus Espírito Santo.

[2] O Papa usa aqui o temo cardine, que significa literalmente “dobradiça da porta”, isto é, uma realidade ao redor da qual giram outras (donde os pontos cardeais ou as virtudes cardeais).

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (09 de outubro de 1985).
 

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