No mês de fevereiro de 2012 o Ofício das Celebrações
Litúrgicas do Sumo Pontífice publicou três textos sobre a Liturgia como
obra da Trindade, à luz da reflexão do Catecismo da Igreja Católica (CIC).
Confira a seguir a primeira reflexão, dedicada à Liturgia como
obra de Deus Pai, inspirada nos nn. 1077-1083 do Catecismo:
Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
A Liturgia, obra da Trindade: Deus Pai
Sem a mediação do Filho não teríamos conhecido o
Pai e não teríamos recebido o Espírito que nos permite reconhecer o Filho como
Senhor e adorar nele o Pai. O Pai quis fazer-nos capazes de tudo isso, ou seja,
de adotar-nos como filhos, antes da criação do mundo (cf. CIC, n. 1077). A capacidade de obrar como indivíduos e como membros
de um povo escolhido e consagrado chama-se “Liturgia”: com razão definida obra
do mistério das três Pessoas. A ação trinitária, então, é o protótipo da ação
sagrada ou litúrgica. Mas, tendo em conta o ativismo eclesiástico e litúrgico que
levou a adotar termos como “ator” e “operador” até mesmo na sagrada Liturgia,
devemos definir, para que não restem dúvidas, a natureza dessa ação. A ação sagrada
da Liturgia é essencialmente uma “bênção”, termo conhecido por todos, mas não
no seu verdadeiro significado. Temos a explicação no seguinte artigo do Catecismo que convém citar
integralmente: “Abençoar é uma ação divina que dá a vida e da qual o Pai é a
fonte. A sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra e dom («bene-dictio», «eu-logia»).
Aplicada ao homem, tal palavra significará a adoração e a entrega ao seu
Criador, em ação de graças” (CIC, n. 1078).
Portanto, a Liturgia é bênção de Deus, palavra e
dom, e adoração humana, ou seja, ação de graças (eucaristia) e oferecimento. Não está toda a Santa Missa nesta definição?
Ninguém pode deixar de definir assim a sagrada Liturgia, ou seja, sacramento. A
adoração não é outra coisa que a mesma Liturgia. Qualquer tentativa de separar
as duas coisas vai contra a fé e a verdade católica.
Não se sustenta hoje que o homem adora a Deus com
todo o seu ser? Quer dizer com a alma e com o corpo. Por isso, na Bíblia toda “obra
de Deus é bênção” (cf. CIC, nn. 1079-1081) é a dimensão
cósmica que inerva a Sagrada Escritura, do Gênesis
ao Apocalipse, e também a Liturgia.
Se abençoar quer dizer adorar, a bênção ou adoração na Escritura está
documentada pela prostração e pelo dobrar os joelhos fisicamente e
metafisicamente o coração. Só o diabo não se ajoelha, porque - dizem os Padres
do deserto - não tem os joelhos. Assim, São Paulo vê diante de Jesus a
consonância entre história sagrada e o cosmos:
“todo joelho se dobre, no céu, na terra e debaixo da terra” (Fl 2,10). Consequência concreta: o gesto
do ajoelhar-se deve voltar a ter a primariedade no rito da Missa, no
desenvolvimento, inspiração e sabor da música sacra, nos objetos sagrados: uma
igreja sem genuflexórios não é uma igreja católica. Por que prostrar-se? Porque
a bênção divina se manifesta especialmente com “a presença de Deus no templo”
(CIC, n. 1081): diante da Sua presença, o primeiro e fundamental gesto é a
adoração. Não se diga que o templo foi abolido, enquanto que Jesus o purificou
substituindo-o com o seu Corpo no qual habita corporalmente a divindade: dessa
forma, a presença divina é então aquela do Corpo de Cristo e coincide
maximamente com o Santíssimo Sacramento. Note-se que, até agora, temos falado
sobre coisas reveladas pelo próprio Senhor na Sagrada Escritura. No livro Introdução
ao Espírito da Liturgia, Joseph Ratzinger mostrou o quanto prejudicou a
reforma litúrgica ter cortado a ligação entre templo judaico e igreja cristã: o
vemos hoje nas novas igrejas, justo enquanto a nível ecumênico se dialoga com
os judeus. Se o Corpo de Cristo é constituído pelo edifício espiritual dos seus
membros (cf. 1Pd 2,5), deve-se saber que
onde a Igreja se reúne para os Mistérios, nasce um “espaço santo”.
Então se pode entender o que o Catecismo diz claramente: “Na Liturgia da Igreja, a bênção divina é
plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado como a Fonte e
o Fim de todas as bênçãos da criação e da salvação; no seu Verbo - encarnado,
morto e ressuscitado por nós -, Ele nos cumula das suas bênçãos e, por Ele,
derrama nos nossos corações o Dom que encerra todos os dons: o Espírito Santo”
(CIC, 1082). Dessa forma define-se a dupla dimensão da Liturgia da Igreja: por
um lado é bênção do Pai com a adoração, o louvor e a ação de graças; por outro,
oferecimento de si mesmo e dos próprios dons ao Pai e súplica do Espírito para
que abunde em todo o mundo. Mas tudo passa pela mediação sacerdotal, ou seja,
pela oferta e “pela comunhão na Morte e Ressurreição de Cristo-Sacerdote e pelo
poder do Espírito” (CIC, n. 1083).
Se a Ressurreição de Cristo não tivesse acontecido
historicamente e não tivesse originalmente “preenchido” a história, dando-lhe a
direção final, os sacramentos não teriam nenhuma eficácia e se prejudicaria a
finalidade pela qual eles são administrados: a nossa ressurreição no fim da
vida e da história da humanidade. A uma abordagem exegética “desmitologizante”
segue normalmente uma teologia reduzida a simbolismo; mas o pensamento
católico, com o Apóstolo, fala do “poder da sua Ressurreição”: às aparições do Ressuscitado,
não só seguiu o querigma e a fé dos discípulos, mas a emanação do poder da Ressurreição
nos sacramentos. Assim, a verdade da Ressurreição corporal de Cristo é
determinante para a eficácia dos sacramentos, o seu impacto real sobre a
transformação do ser humano.
O Mistério Pascal, justo porque tem visto passar o
Filho da morte para a vida, assim vê passar os filhos de Deus. Por isso
chama-se pascal, por essa passagem acontecida graças ao sacrifício do Filho de
Deus. Eis porque o Sacrifício Eucarístico é o centro de gravidade de todos os
sacramentos (cf. CIC, n. 1113), como
a Páscoa é o centro do Ano Litúrgico.
O plano divino da salvação é um só: trazer os
homens e as coisas, as do céu e as da terra, sob o senhorio de Cristo. A obra
prima das três Pessoas tem como objetivo reconduzir o ser humano à sua natureza
originária para que seja restaurada nele aquela imagem que foi desfigurada pelo
pecado.
Fonte: Santa Sé.
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