quarta-feira, 7 de março de 2012

A Liturgia, obra da Trindade: Deus Pai

No mês de fevereiro de 2012 o Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice publicou três textos sobre a Liturgia como obra da Trindade, à luz da reflexão do Catecismo da Igreja Católica (CIC).

Confira a seguir a primeira reflexão, dedicada à Liturgia como obra de Deus Pai, inspirada nos nn. 1077-1083 do Catecismo:

Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
A Liturgia, obra da Trindade: Deus Pai

Sem a mediação do Filho não teríamos conhecido o Pai e não teríamos recebido o Espírito que nos permite reconhecer o Filho como Senhor e adorar nele o Pai. O Pai quis fazer-nos capazes de tudo isso, ou seja, de adotar-nos como filhos, antes da criação do mundo (cf. CIC, n. 1077). A capacidade de obrar como indivíduos e como membros de um povo escolhido e consagrado chama-se “Liturgia”: com razão definida obra do mistério das três Pessoas. A ação trinitária, então, é o protótipo da ação sagrada ou litúrgica. Mas, tendo em conta o ativismo eclesiástico e litúrgico que levou a adotar termos como “ator” e “operador” até mesmo na sagrada Liturgia, devemos definir, para que não restem dúvidas, a natureza dessa ação. A ação sagrada da Liturgia é essencialmente uma “bênção”, termo conhecido por todos, mas não no seu verdadeiro significado. Temos a explicação no seguinte artigo do Catecismo que convém citar integralmente: “Abençoar é uma ação divina que dá a vida e da qual o Pai é a fonte. A sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra e dom («bene-dictio», «eu-logia»). Aplicada ao homem, tal palavra significará a adoração e a entrega ao seu Criador, em ação de graças” (CIC, n. 1078).

Portanto, a Liturgia é bênção de Deus, palavra e dom, e adoração humana, ou seja, ação de graças (eucaristia) e oferecimento. Não está toda a Santa Missa nesta definição? Ninguém pode deixar de definir assim a sagrada Liturgia, ou seja, sacramento. A adoração não é outra coisa que a mesma Liturgia. Qualquer tentativa de separar as duas coisas vai contra a fé e a verdade católica.

Não se sustenta hoje que o homem adora a Deus com todo o seu ser? Quer dizer com a alma e com o corpo. Por isso, na Bíblia toda “obra de Deus é bênção” (cf. CIC, nn. 1079-1081) é a dimensão cósmica que inerva a Sagrada Escritura, do Gênesis ao Apocalipse, e também a Liturgia. Se abençoar quer dizer adorar, a bênção ou adoração na Escritura está documentada pela prostração e pelo dobrar os joelhos fisicamente e metafisicamente o coração. Só o diabo não se ajoelha, porque - dizem os Padres do deserto - não tem os joelhos. Assim, São Paulo vê diante de Jesus a consonância entre história sagrada e o cosmos: “todo joelho se dobre, no céu, na terra e debaixo da terra” (Fl 2,10). Consequência concreta: o gesto do ajoelhar-se deve voltar a ter a primariedade no rito da Missa, no desenvolvimento, inspiração e sabor da música sacra, nos objetos sagrados: uma igreja sem genuflexórios não é uma igreja católica. Por que prostrar-se? Porque a bênção divina se manifesta especialmente com “a presença de Deus no templo” (CIC, n. 1081): diante da Sua presença, o primeiro e fundamental gesto é a adoração. Não se diga que o templo foi abolido, enquanto que Jesus o purificou substituindo-o com o seu Corpo no qual habita corporalmente a divindade: dessa forma, a presença divina é então aquela do Corpo de Cristo e coincide maximamente com o Santíssimo Sacramento. Note-se que, até agora, temos falado sobre coisas reveladas pelo próprio Senhor na Sagrada Escritura. No livro Introdução ao Espírito da Liturgia, Joseph Ratzinger mostrou o quanto prejudicou a reforma litúrgica ter cortado a ligação entre templo judaico e igreja cristã: o vemos hoje nas novas igrejas, justo enquanto a nível ecumênico se dialoga com os judeus. Se o Corpo de Cristo é constituído pelo edifício espiritual dos seus membros (cf. 1Pd 2,5), deve-se saber que onde a Igreja se reúne para os Mistérios, nasce um “espaço santo”.

Então se pode entender o que o Catecismo diz claramente: “Na Liturgia da Igreja, a bênção divina é plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado como a Fonte e o Fim de todas as bênçãos da criação e da salvação; no seu Verbo - encarnado, morto e ressuscitado por nós -, Ele nos cumula das suas bênçãos e, por Ele, derrama nos nossos corações o Dom que encerra todos os dons: o Espírito Santo” (CIC, 1082). Dessa forma define-se a dupla dimensão da Liturgia da Igreja: por um lado é bênção do Pai com a adoração, o louvor e a ação de graças; por outro, oferecimento de si mesmo e dos próprios dons ao Pai e súplica do Espírito para que abunde em todo o mundo. Mas tudo passa pela mediação sacerdotal, ou seja, pela oferta e “pela comunhão na Morte e Ressurreição de Cristo-Sacerdote e pelo poder do Espírito” (CIC, n. 1083).

Se a Ressurreição de Cristo não tivesse acontecido historicamente e não tivesse originalmente “preenchido” a história, dando-lhe a direção final, os sacramentos não teriam nenhuma eficácia e se prejudicaria a finalidade pela qual eles são administrados: a nossa ressurreição no fim da vida e da história da humanidade. A uma abordagem exegética “desmitologizante” segue normalmente uma teologia reduzida a simbolismo; mas o pensamento católico, com o Apóstolo, fala do “poder da sua Ressurreição”: às aparições do Ressuscitado, não só seguiu o querigma e a fé dos discípulos, mas a emanação do poder da Ressurreição nos sacramentos. Assim, a verdade da Ressurreição corporal de Cristo é determinante para a eficácia dos sacramentos, o seu impacto real sobre a transformação do ser humano.

O Mistério Pascal, justo porque tem visto passar o Filho da morte para a vida, assim vê passar os filhos de Deus. Por isso chama-se pascal, por essa passagem acontecida graças ao sacrifício do Filho de Deus. Eis porque o Sacrifício Eucarístico é o centro de gravidade de todos os sacramentos (cf. CIC, n. 1113), como a Páscoa é o centro do Ano Litúrgico.

O plano divino da salvação é um só: trazer os homens e as coisas, as do céu e as da terra, sob o senhorio de Cristo. A obra prima das três Pessoas tem como objetivo reconduzir o ser humano à sua natureza originária para que seja restaurada nele aquela imagem que foi desfigurada pelo pecado.

Deus Pai (Vitral da Catedral de Quimper, França)

Fonte: Santa Sé.

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